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Efeito sanfona

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MESTRE - Suzete Sales

O acordeon no Brasil tem efeito sanfona. Depende do tempo. Para o povo, aparece com  a chuva de festas que estouram feito bomba nos arraiais do São João brasileiro. Mas o fole é mais embaixo do lado de cá das sertanias. Hoje, o tocador sobrevive do instrumento que melhor representa a cultura nordestina e passa um bocado apertado durante o ano.

No Rio Grande do Norte, o sanfoneiro vem se virando em muitos heróis. Além do pão da família, fica a preocupação com a perpetuação da espécie. A TRIBUNA DO NORTE fez um levantamento esta semana nos locais onde o ensino do instrumento foi parar em sala de aula.

À exceção de quatro músicos da Orquestra Sanfônica Potiguar que resolveram dar aulas em casa, o Instituto Musical Waldemar de Almeida, mantido pela Fundação José Augusto, aparece como única opção.

O coordenador do IMWA é o músico Babal. Ele conta que a idéia surgiu há um ano e meio quando soube que o sanfoneiro Nelson Gomes, diplomado no instrumento, estava deslocado da função na FJA. “Ele me perguntou se não podia ensinar sanfona e claro que eu disse que sim. Resolvemos o problema da burocracia e começamos no início do ano passado.  A gente tem alguns problemas estruturais, mas vamos nos acertando aos poucos. Temos 15 alunos porque a carga horária de Nelsinho só permite isso”, disse. 

O resultado mostra que há uma demanda reprimida escondida pela falta de opções. Mas o alto custo do instrumento também afasta novos adeptos. Uma boa sanfona profissional custa hoje, em média, de R$ 15 mil a R$ 25 mil.       

Mas como o sertanejo sanfoneiro de antigamente conseguia o instrumento? O maestro da Orquestra Sanfônica Potiguar, José Roberto da Silva, conta que nos anos 50/60, quando Luiz Gonzaga apresentou o acordeon ao Nordeste brasileiro, os tocadores que iam ganhando a estrada e fazendo sucesso distribuíam sanfonas para os amigos. “Luiz Gonzaga distribuiu muita sanfona. E outros também. Havia uma inclusão social incrível. O instrumento nunca foi barato. E as pessoas se ajudavam”, conta.  

Resgate do acordeon

Quando a Academia Mascarenhas de Sanfona ainda formava os tocadores nos anos 50, o desejo de criar uma orquestra sanfônica no Estado era alimentado pela diretora Marlúcia Lima, que faleceu em janeiro deste ano.

Na época, o objetivo era apenas dar continuidade ao que vinha sendo ensinado na escola. Por falta de apoio, a idéia não vingou. Pior: os músicos se organizaram com os colegas da Paraíba e transferiram a orquestra para o estado vizinho.

No Estado, a idéia saiu do papel há dois anos por iniciativa de um grupo de sanfoneiros formados pela Academia. Mesmo sem a contribuição do poder público ou da iniciativa privada. 

O maestro da OSP, José Roberto Silva, conta que o objetivo dos 25 músicos é resgatar a sanfona. Metade da orquestra é formada por sanfoneiros. “É interessante porque a sanfona por si só é uma orquestra. São vários instrumentos em um. Isso sem falar no fato de você poder fazer um solo e acompanhar ao mesmo tempo. É uma pena que a gente tenha dificuldades. Sobrevivemos dos cachês das apresentações que não dão para cobrir os custos. Em média, gastamos R$ 350 por ensaio com transporte dos músicos, dos instrumentos. Tínhamos que ensaiar pelo menos duas vezes por semana, mas não conseguimos. Só não vamos parar”, afirmou. 

Mesmo diante das dificuldades, a OSP conseguiu gravar um CD ano passado com adaptações de clássicos regionais e eruditos. “Além da potiguar existem orquestras sanfônicas em São Paulo e na Paraíba, que apesar de ter um apoio institucional, também sobrevive mais ou menos nas mesmas condições que a potiguar. No início, como tirávamos dinheiro do próprio bolso, cheguei a vender um carro de R$ 18 mil para bancar o grupo”, revelou. 

Eles nem pensam em se aposentar

Um ensina sanfona na escola, a outra prefere a comodidade das aulas particulares. Mas independente de onde aperte o fole, para o sertanejo nordestino nascido e criado ouvindo forró, é como se os professores Nelson Gomes, 60 anos, e Suzete Sales, 64 anos, tivessem “anel de doutor”.

Formados nos cursos do Sesc e da antiga Academia Mascarenhas de Acordeon, que diplomaram muito sanfoneiro arretado nos anos 50, a dupla não quis saber de guardar o acordeon no baú, e continua cada um no seu jeito passando os ensinamentos para frente. Nelson e Suzete também são destaques na Orquestra Sanfônica Potiguar. Eles são uma prova viva de que a cultura da sanfona não morreu.

Professor Nelsinho

Com o diploma debaixo do braço datado de 12 de dezembro de 1959, o professor “Nelsinho” do Instituto Waldemar de Almeida se gaba de ter sido o único sanfoneiro do Estado a concluir o quinto ano do curso no Sesc. “Só eu consegui. Ainda estudei mais dois anos depois, mas fiquei com esse diploma mesmo. Naquele tempo quem não tinha uma sanfona em casa não tinha nada. Era uma festa. Aí depois, quando chegou o rock, o forró estacionou. Só não tenho saudade daquele tempo. Era muito menino, a gente fazia aquilo como diversão, era brincadeira. Mas ainda guardo tudo comigo”, conta,

Em sala de aula, “Nelsinho” faz questão de ensinar um aluno por vez para não dispersar o aprendiz. Atualmente, 15 pessoas, entre meninos e meninas, tentam tirar as primeiras notas da sanfona com ele. Durante as aulas, todos levam o instrumento de casa. Menos o professor. “Na verdade eu não tenho sanfona. Peço emprestado para algum amigo porque não tenho condição de comprar uma de qualidade. E peba não quero. Tinha uma que de tanto uso se acabou. Foi a mesma quando fiz o curso, há mais de 40 anos”, disse.   

Sanfoneira Suzete

A situação é melhor para a sanfoneira Suzete Sales, que se divide entre as aulas particulares e o grupo pé-de-serra “As Potiguaras”. Acordeon ela tem, ainda que o fole esteja furado e pedindo a Deus para ser aposentado. “Minha sanfona é amadora e uma profissional custa de R$ 15 mil a R$ 25 mil. Estou juntando dinheiro, mas vai ser difícil”, prevê.  

Ela observa um crescimento na procura pelas aulas e conta que entre seus pupilos estão advogados, dentistas e médicos. Mas mesmo com todo o otimismo, a sanfoneira admite que a valorização do forró por quem banca a festa ainda está muito aquém. “As Potiguaras sobrevive dos cachês, mas é muito pouco.Do grupo que começou, sobrou apenas eu”.

Hugo quer tocar sanfona, mas longe dos palcos

O estudante Hugo Paiva, 23 anos, é apaixonado pela sanfona. Mas na contramão dos jovens que querem ganhar dinheiro pelo meio do mundo no lombo d´uma banda do forró, ele prefere o ambiente reservado do quarto.    

Há um ano estudando no Instituto de Música Waldemar de Almeida, mantido pela Fundação José Augusto, o aprendiz de sanfoneiro conta que não vislumbra carreira alguma. Quer tocar para ele mesmo. “Eu gosto de sanfona. Quis aprender porque é um instrumento raro, nem todo mundo tem e representa a cultura nordestina. Isso tudo além de ser muito bonito quando bem tocado”, acredita.  

As referências também são únicas. Embora o som esteja sempre ligado na cultura do Nordeste, afirma que não acha justo colocar Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro na lista de ídolos. “Escuto forró desde pequeno, mas não vi Luiz Gonzaga em vida. Minhas referências são Waldonis, Dorgival Dantas, Dominguinhos, Sivuca… gostava muito de Elino Julião também mas acho que conheci o trabalho dele tarde demais”, analisa. 

Ele foi obrigado a comprar a sanfona para poder estudar porque a escola não tem nem para o professor. Mas a aquisição foi difícil. Como o custo é muito alto, optou por um instrumento meia-boca e se arrependeu. “Comprei de um cara na avenida Bernardo Vieira que conserta sanfonas. Ele me cobrou R$ 500 e pelo preço de mercado até que achei barato. Mas logo depois começou a dar problemas, e vi que não valia nem R$ 300. Ainda tive umas aulas com esse senhor, mas era um enrolão, ensinava da cabeça dele, não seguia nada. Foi aí que me indicaram o Instituto Waldemar de Almeida e encontrei o professor Nelsinho, que é muito bom e hoje é meu amigo”, lembra.

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