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Ela canta o sertão

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Por Michelle Ferret De SP, especial para o Viver

Ela traz nos olhos a força de um candeeiro aceso, daqueles parecidos quando as equilibristas de lamparina colocavam o dedo no umbigo para que não apagasse a luz do caminho dos tropeiros, homens viajantes que levavam em si o sertão e mundo. É muito forte essa imagem na mente quando ela chega, de uma luz intensa que clareia até o cantinho esquecido da gente. Esta é a cantora e compositora Krhystal, que com seu som de infinitas referências levou para o Sesc Santana na noite de quinta-feira (11), em São Paulo, sombras de juazeiro, Circuladores de Fulô, Candeeiros encantados, lampião, trovão, corisco e poesia, muita poesia. Acompanhada de seus inseparáveis e excelentes músicos, Khrystal traçou um repertório com o mesmo equilíbrio da lamparina.

Pela primeira vez apresentando-se em São Paulo, com show lotadoLogo na abertura somos presenteados com Chico Antônio correndo solto nas veias. “Usina” é a canção. E quando o público menos espera aparece do final da platéia seus percussionistas exímios, Sami Martins e Kleber Moreira, cada um com seu pandeiro, anunciando ao que vieram, abrindo os caminhos para a entrada da menina que se transforma num vulcão no palco.

 E ela humildemente diz, “este é um dos compositores do Rio Grande do Norte mais especiais”. E de fato é. Chico Antônio, como bem lembrou seu produtor Zé Dias, tem até estatua na França, enquanto aqui…raros são como Khrystal que furam a parede das diferenças e deixa Chico Antônio respirar.

As três primeiras canções são fortes como sol a pino. Khrystal e sua banda criaram juntos arranjos impecáveis contando com o baixo luxuoso de Zé Fontes, a bateria de Darlan Gadelha, a flauta sempre cortante e doce de Ronaldo Freire e a direção musical, violão e guitarra do criativo compositor e maestro Ricardo Baia, o peixe, além dospercussionistas que deixam o show com um peso e uma leveza quase insustentáveis, impecáveis.

Depois das três músicas, de Chico César e outra “Quadra e Meia” de Jacinto Silva, Khrystal fez um dos momentos mais lindos da apresentação, quando uma marcação aguda anuncia a chegada da canção“Circuladô de Fulô” de Caetano Veloso e Haroldo de Campos, do disco homônimo. E a poesia rasga Khrystal, quando “ um prego cego durando na palma polpa da mão ao sol”… forte.

Com aplausos incontáveis, ela respira e dá início ao bloco de Jackson do Pandeiro, entrando logo em seguida o inesquecível Elino Julião com “Sombra do Juazeiro” e “Forró da Coréia”… até que Khrystal invade o público com sua canção em parceria com Terto Aires, “Coisa de Preto” e mostra ao que veio. “Coisa de preto é o mundo inteiro”. Depois da euforia das canções intensas tendo como base o ritmo alucinante do coco de roda, ela cantou Carcará de José Cândido e João do Valle, num arranjo especial. Sempre com recados forte diante a crueldade do mundo, ela consegue cortar a gente como navalha, abrindo os sentidos todos para uma reflexão sobre a realidade sem deixar de lado a poesia da vida. E assim continua com “Palavra Acesa” de Fernando Fillizola até entrar o bloco de Alceu Valença com “Sete Desejos” e “Anunciação”, canções que ela fez para o mundo ouvir no programa “Som Brasil” da Rede Globo, quelhe rendeu um papel como cangaceira no filme “Luneta do Tempo” do compositor que deverá ser lançado ainda este ano.

“Estou muito feliz”, anuncia assim como o a bruma leve das paixões que vem de dentro. E opúblico, cativante, aplaude sem parar, felizes talvez pois terão apossibilidade de ver Khrystal mais vezes. E ela segue no coco, trazendo ainda Jacinto Silva e Dominguinhos. Depois outro momento intenso e intimista com a canção “O Gosto do Amor” de Gonzaguinha, seguido por “Potiguaras Guaranis” de Ricardo Baia e José Fontes, seus músicos. Para fechar o show, “A Cara doBrasil” fere, quando somos indagados, “O Brasil é uma foto do Betinho/Ou um vidro da Favela Naval?/São os Trens da Alegria de Brasília?/Ou os trens de Subúrbio da Central?”. E ela emenda outra em Candeeiro Encantado, “Falta o Brasil de Jackson do Pandeiro, maculelê, carimbo, maracatu” e fim.

A platéia (cheia para uma noite de chuva em plena quinta-feira,véspera de Carnaval) aplaude de pé, quase sem fim de tanto som de agradecimento por uma noite acesa feito vela, que nunca vai se apagar, pois a equilibrista está com o dedo no umbigo desejando levar suas iluminuras por todo canto desse país e do mundo…

Foi quando São Paulo se acendeu.

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