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#ElasArdem: 15 poetas em textos selecionados por Regina Azevedo

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ELAS ARDEM: 15 poetas 
curadoria Regina Azevedo
as minhas amigas hetero estão comprando vibradores
as minhas amigas bi estão cada vez mais sabidas 
as minhas amigas lésbicas 
ah estas há muito tempo sabem
que homens vibram na frequência errada 
que homens não sabem onde enfiar seu poder
homens sempre serão aparelhados para a guerra
quem não quiser que esconda seus medos

Gabrielle Dal Molin
corro contra o vento
vejo um cavalo
que se prepara pra atravessar a rua
paro
olho pro cavalo
enquanto ele me olha
dois homens passam
um risco
entre nós
e gritam “gostosa”
eu quase caio
o cavalo se assusta 
e nunca mais volta
vou com ele 
ser acrobata e não gostosa
catarata e não gostosa
dálmata e não gostosa
geneticista e não gostosa
gaivota e não gostosa
pateta e não gostosa
otimista e não gostosa
passeata e não gostosa
ultravioleta e não gostosa
violonista e não gostosa
poeta e não gostosa
ser cavalo
além de gostosa

Regina Azevedo
LUÍZA
Não sou precisa
nem sólida ou líquida
Sou matéria que hesita
entre muitas feridas
Não sou precisa
não tenho fórmula
não me equaciono
não tenho lógica
Não sou precisa, 
meu caro,
lamento
não tenho siso nem senso
e ando vestida de vento. 
 Iracema Macedo
a vida secreta das palavras
nem sempre soo verdade
às vezes me escondo em palavras
às vezes me revelo em palavras
às vezes silêncio
e palavras tilintam dentro de mim
rodopiam em ciranda de segredos
algumas me tocam os lábios
e fogem
e fogo
e ardem
algumas me tocam os dedos
e fogem
e fogo
e ardem
escrevo
segredos da onda gigante
que irá me engolir
e depois do sal
o sol
 Marina Rabelo
eu não sou meu cabelo grande
ou ele curto
não sou minhas bochechas
as manchas na pele
os olhos saltados
eu não sou meus dentes levemente separados
não sou minhas coxas excessivamente grossas
não sou a saudade daqueles abusos
que me bate às vezes a porta
eu não sou esse piercing
as más interpretações
meu curso na faculdade
a vida de artista e toda dificuldade
eu não sou o #foratemer
o #foracollor
os noves fora,
não sou o medo que me degola
eu não sou meu status,
a falta de dinheiro
não sou minha baixa auto-estima
minha insegurança
o falatório de geminiana
eu não sou, eu não vou,
corro pela margem, pela borda
eu, comigo, sozinha
sou tudo o que sobra.
 Alice Carvalho
Feito bruxa,
sou fruto da encruzilhada entre a terra
e a lua.
 Nasci de pernas abertas,
a vagina à mercê
– como uma boca
pronta para abocanhar qualquer um tentado
a tomar partido e me engolir por inteira.
 Habito meu oceano particular
onde vivem peixes, tubarões e ouriços
dispostos a me fazer sangrar
mês após mês.
 E quando sangra sei que
aqui não tem célula ou bactéria
pra me devorar.
E se tiver, peço para ser livre;
desprender-me desses grilhões.
 Pois quando sangro
eu sei que aqui, dentro de mim,
reside um planeta
encoberto com anéis de estrelas e
vários pedaços
meus.
 
E se você se contorce na cama
em poça de sangue e suor,
é porque não há dor mais gostosa que viver
no açude interior
de si.
 
Porque a mulher em mim é consanguínea daquela
queimando bruxa
partindo da fogueira pro meio da avenida
com a bandeira do punho no peito
protegendo o seio bombardeiro e bradando:
 
Atirem
Atirem
Atirem
Até a munição ficar escassa
 
Atirem
Atirem
Atirem
Até que esta mulher
deixe de ser esboço e vire
carne e osso.
 
atirem, atirem, atirem.
 
e se eu cair,
que pichem, grafitem ou pintem
o muro do mundo
com o meu sangue vivo
e roxo.
Olga Hawes
VIDA BREVE
estou mudando a temperatura do chuveiro elétrico 
para no futuro
não abrir a torneira esperando a água pelando
(para poder estar preparada para recebê-lo com frieza)
estou fumando um cigarro no banho
também “não vou deixar meu cigarro se apagar pela tristeza”
nem pela solidão
minha, de toda a estirpe dos buendía, 
muito menos pela de brausen.
estou aqui, inundando o banheiro,
esquecendo a toalha e atravessando o quarto encharcada 
meus cabelos, outrora curtos, agora passam da cintura e molham tudo
estou apressada
pois tenho de me fantasiar para o carnaval
vou de gertrudis:
uma mulher sem um peito
Silvia Macedo
o sangue que me escorre o corpo
não é menarca
não é do útero
não é visto como sujo
o sangue que me escorre o corpo
é da faca
do golpe
do NÃO
o sangue que me escorre o corpo
é da língua
do jogo mental
do ciúmes e da ira
o sangue que me escorre o corpo
é do olhar anavalhado 
do assovio que me desnuda
do toque que me oprime
o sangue que me escorre o corpo
não é o que dura 7 dias
e sim aquele que me dói
que me acinzenta a pele
e que me leva a vida
e é esse mesmo sangue
essa mesma faca
que todos os dias é
absolvido 
Gessyka Santos
cada pedaço seu
ocupava as 60 cadeiras 
da sala de jantar.
os vazios 
eram grandes demais 
pra poucos corpos
pequenos demais 
pros nossos corpos
e eu não te vi.
seria preciso a delicadeza 
de submetralhadoras uzi
chacoalhando 600 tiros 
por minuto 
nas minhas carnes?
sabe essas delicadezas?
o touro mata o homem.
caro, eu não te vi.
talvez por estar vidrada 
no movimento constante 
pra dentro e pra fora
das moléculas de água 
de cada célula minha
de cada célula sua
na enchente que mataria 
todos os meus glóbulos vermelhos 
amarelos, verdes, azuis.
talvez pelo tremor 
da bomba que explodiu ao lado
e a fumaça de pó
tingiu de névoa meus olhos
eu não vi a bomba.
eu não vi o pó
eu não te vi.
será que é porque não te sinto?
falta
e tanto faz
mas o que não tanto faz
é que o google sabe agora
sobre todas as pequisas que fiz 
por armas, 
de plata, oro y diamante.
cocaína.
pistolas sig sauer.
e se eu mato alguém?
e se alguém me mata?
não vou te ver.
caro, eu não te vi.
 Sinhá 
morro
a cada
saudade
que não
mato
Anna Zêpa
Um mundo sem justificativas
Poderia vir todo para mim
Longe do que o passado mói
Querer o que penso querer, enfim
Estar sem os olhares vizinhos
Pela primeira vez tocar o chão
Andando com as mãos, boca, nariz
Que a angústia mate, tendo dos ossos a permissão
Soltar os punhos completando os erros
Viver do silêncio que sei ouvir
Imune – vendo o contrário
De quem só sabe o que não quer, e não pode mais sentir
Letícia Torres
mulheres se matam porque cansaram do cheiro do açafrão.
e vivem molhadas. medonhas. invadidas de poesia e pedra.
mulheres viram pássaros
porque do alto têm a certeza que serão salvas.
de lá, contemplam o mundo.
escrevem livros. constroem casas. parques. elipses.
pintam quadros. dão aula. vão para o palco.
dirigem carro. motocicleta.
lêem homero. dante. vieira. camões. platão. pessoa.
são crianças e desejam o inferno.
depois o céu. e novamente o inferno.
andarilhas, herdam vestígios.
e são preciosas. perfumadas.
olham dentro dos olhos dos peixes
e os retiram da água para serem seus companheiros.
planetas delicados são as mulheres.
engravidam de balões. de profundidades.
sentem cólicas. a placenta rompe. o útero se revira.
os ovários se mantêm em segredo. preenchidos.
mulheres choram nas tardes de chuva.
andam de ônibus e são olhadas.
adornam-se de arbustos.
tornam-se perigosas. camufladas.
com leite derramando da alma.
têm tetas. asas.
dívidas. agendas. mapas. bússolas. dor.
aprenderam a ouvir o canto do homem com a língua de madeira.
são antigas. milenares. pertencem a templos.
consultam oráculos. fazem preces ajoelhadas.
oram pela felicidade do mundo e têm certezas guardadas.
mulheres são alquimistas: transformam topázio em esmeralda.
esmeralda em safira. safira em rubi. rubi em ametista.
ametista em orvalho. orvalho em anêmona. anêmona em girassol.
girassol em cassidônia. cassidônia em ágata.
ágata em nave. nave em águia. águia em águia.
mulheres cortam os pulsos. abrem o gás. caem de edifícios.
sobem montanhas. andam de bicicleta. barco. avião.
sentem medo. atravessam paredes.
e se tornam metáforas. anáforas. foguetes.

Marize Castro
Vivo pra morrer de saudade
e todas as noites parecem pardas
quase incendiárias
com seus ocres e mel
escorridos pelas paredes das calçadas
Adoçam o céu
invertem as incertezas
desnuda vulcões
e trazem as erupções para dentro
do outro lado
Quase sempre a mesma calçada
na beira dessa casa em que ninguém se muda.
Michelle Ferret
VINDIMA
  
Espero a madrugada,
por entre os cajueiros
e fiapos persistentes de noite.
A violenta calma que me toma
amadurece os frutos
concentra a seiva
e diz:
– Espera.
Faz frio. Mas o sol que não vejo
mantém líquida a lágrima.
O leite está morno e a saliva
ainda é doce.
Estou calma. E espero.
Clotilde Tavares
sou dessas
sou daquelas
de quem falam mal
que xingam
que chutam
as canelas
incomodo
não me calo
não me conformo
não engulo
choro voz ou
                        ato
                        desfaço o papel
                        que me mandaram
                        interpretar
                        respaldo
                        em minha liberdade
                        o desejo de não ser
                        lapidada
                        sou bruta
                        mulher pedra flor      
                        e luta 
 Adelia Danielli
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