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Elites e mediocridade

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Cláudio Emerenciano
Professor da UFRN
As cores violetas do crepúsculo germinam e dão substância a um contraponto climático. Porque ventos agitados, mais frios do que suaves, remetem-me, desde a infância, para circunstâncias históricas e universais. Reflexões que emergem dessa antítese entre o estresse do calor, que submete a cidade durante o dia, desde o amanhecer, e o súbito relaxamento proporcionado por lufadas de ventos e variações de cores no firmamento. O entardecer em Natal, nessas circunstâncias, oscila, invariavelmente, da inquietude à placidez. Apesar da violência urbana, desenfreada e impune de algum tempo a esta parte, nos últimos momentos do dia, antes do domínio do manto da noite, já afloram calma, serenidade e certo torpor diante do mundo e da vida. Todos os que possuem sensibilidade e estado de espírito para detectar tal metamorfose, inebriam-se e se encantam. O humor dessas pessoas se revela menos taciturno. Transmuta-se. Não se negue existir um lento degustar das coisas da vida. Grandes e pequenas.Especialmente aquelas aparentemente comuns e simples, contudo reveladoras de significados permanentes e intemporais. Expressa o desabrochar da ternura.Explosãodo sorriso de uma criança e do olhar indefinidamente terno de uma mãe para o filho. Enfim, viver a vida deve nos tornar cada vez mais conscientes de nós mesmos. Não adianta o ser humano ignorar ou repelir essas coisas. À medida em que prosseguimos em nossopercurso e história, à medida em que criamos o nosso caminho, temos cada vez mais consciência das nossas virtudes, dos nossos erros e das nossas contradições. E, por via de consequência, das nossas limitações. A consciência – disse Sigmund Freud – é, entre todos, o árbitro mais lúcido das nossas atitudes. Mas os malfeitores,marginais em todas as variáveis da ilicitude, repudiam a voz da consciência e desafiam, impunes ou não, o império da lei.

O crepúsculo associa fim, despedida e entrega da vida. Foi então que os apóstolos perceberam e assumiram sua orfandade. Faltavam-lhes o Mestre. O medo os fragilizara. Todos os homens, opressores, oprimidos, governantes, governados, pensadores, poetas, visionários, pecadores, santos, simples, humildes, terminam por captar o sentido do crepúsculo. O pior momento é o da percepção irreparável e irreversível da ausência e do esquecimento. Napoleão, com a ponta de sua espada, demarcou o mapa político da Europa em seu tempo. Entretanto revelou em “Santa Helena” (suas memórias) a amargura do exílio e do ostracismo. Solidão, isolamento e crepúsculo. Mas nem sempre os homens encaram com lucidez, clarividência, tranquilidade, paciência, destemor e honestidade o curso natural dascoisas e da vida. A mentira é a evidente e repetida alternativa dos medíocres. Principalmente quando detêm responsabilidade pública e se sentem inseguros, mas estupidamente”eternos” no poder. Essa é a tragédia que acomete poderosos na vertente do tempo.A internet e a televisão a usam para massificar. Provocam erosão de valores e tradições. Pervertem o passado, submetendo-o aos seus falsos desígnios e à mentira.Eis a farsa de sempre.

Loucura, ridículo, hipocrisia, cinismo, inverdade, ostentação e descrédito confinam ocupantes do poder em si mesmos.Isola-os e os encarceram na própria vaidade. Ignoram o que João do Rio chamou de “alma encantadora das ruas”. Hans Christian Andersen, um dos mais geniais contadores de estórias em todos os tempos, imutavelmente as concluía com uma mensagem sobre sentimentos ou lições que enfeixam a vida humana. É o caso do “reizinho”, ou “as vestes do rei”, desmascarado por uma criança, no ombro do pai, quando os adultos, por conveniências de toda natureza, temiam reconhecer o óbvio: “o rei está nu”. No Brasil não é diferente. Será que a grande maioria dos congressistas, na atual legislatura (uma das piores da nossa História), não se apercebe da revolta da nação ante o fisiologismo e o sectarismo cego, estúpido, atrasado e vergonhoso, que a desonra e a desacredita? A falta de ética e moral desses parlamentares está na origem da corrupção e da demagogia ideológica que os enxovalha. Corruptores são empresas e empresários. Corrompidos eles são por opçãoe vocação. Infelizmente, políticosíntegros, manifestamente portadores de espírito público, são injustamente confundidos com os que aviltam a representação popular. O Brasil vive um dos seus momentos mais trágicos e desalentadores. Nesse turbilhão de decepções, o crime organizado ceifa vidas inocentes e desprotegidas, enquanto as esferas do poder público se revelam impotentes, sequer, para preservar segurança dos cidadãos. A crise é de legitimidade, de legalidade e de eficácia. Nada lhe escapa: até oJudiciário e o Ministério Público…

Além disso, o Brasil vem sendo vítima,também, de uma medíocre e estúpida manipulação verbal. Desde criança me defronto com a malversação do termo “elite”. Sempre que algum grupo, partido político ou governante, pressente a erosão de sua legitimidade ou representatividade, acusa seus opositores de serem “elites”. Ou de fazerem o “jogo das elites”. Eis um “cacoete” dos caudilhos na América Latina. Gabriel García Márquez desvendou essa contracultura em obra genial: “O outono do patriarca”. Desde a Grécia de Sócrates, Platão e Aristóteles (séculos V, IV e III antes de Cristo), a palavra “elite” significava o que há de melhor numa sociedade ou grupo social. Ou corporificava, em contraposição (antítese), uma minoria (oligarquia) que detinha prestígio, domínio político ou econômico, tudo fazendo para preservar seus interesses. Por isso Platão e Aristóteles distinguiram aristocracia de oligarquia. Grandes transformações, historicamente, foram obras de elites. O Renascimento é um exemplo exuberante. Também revoluções como a Inglesa, a Americana e a Francesa. A revolução proletária da Rússia foi concebida, articulada e liderada por membros de sua elite intelectual.Destacam-se Lênin e Trotsky. O maior reformador social no século XX, Franklin Delano Roosevelt, integrava uma elite intelectual e econômica. Mas nada o impediu de aprimorar uma sociedade livre e democrática.Liderou nações contra a insanidade do nazifascismo. Mohandas Gandhi, apóstolo da “não-violência” e da igualdade entre os homens, emergiu de uma casta na Índia colonial. Mas foia “voz da consciência da humanidade”.

Outro aspecto da crise: surto de mediocridade e irresponsabilidade com as novas gerações. Mas a mediocridade não é epidêmica. Será? Ainda resta esperança…

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