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Em Natal, refugiados venezuelanos pedem dinheiro nas ruas e procuram emprego

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Ícaro Carvalho
Repórter

Sem moradia, com dificuldades para comer e refugiados do seu país de origem, em crise humanitária, venezuelanos desembarcaram em Natal nos últimos dias buscando uma nova chance para mudar de vida. Parados em semáforos e nos principais corredores da capital, cerca de 15 deles carregam cartazes com dizeres semelhantes: “sou da Venezuela. Preciso de ajuda. Deus nos abençoe”.

Em vários pontos da cidade, os venezuelanos refugiados podem ser vistos pedindo ajuda


Em vários pontos da cidade, os venezuelanos refugiados podem ser vistos pedindo ajuda

A reportagem encontrou pelo menos três grupos em situações semelhantes: um homem na avenida Coronel Joaquim Manoel, em frente a Praça das Flores, duas famílias na Hermes da Fonseca, nas proximidades da Escola Doméstica, e uma dupla na Engenheiro Roberto Freire, em frente a Feirinha de Ponta Negra. O que notou-se em comum, entre os ouvidos pela TN, é que todos nasceram e advém de Tuculpita, no estado Delta Amacuro, a 730 km de Caracas.

O discurso é parecido e retrata um pouco do que vive o país que em uma disputa pelo poder entre Nicolás Maduro e Juan Guaidó:  falta de comida e remédios, ausência de energia elétrica, alta inflação e uma situação insustentável para permanecer no país de origem.

Nas ruas, muitos natalenses abriam as janelas e entregavam moedas e notas. Com uma das famílias, foi possível ver duas cestas básicas, que teriam sido doadas por natalenses. “Pessoal está ajudando. Há muitas pessoas boas em Natal”, disse Santo Toba, de 47 anos, o primeiro venezuelano abordado pela reportagem.

Vindo de Fortaleza, após passar por Belém, Manaus, e pelo estado Maranhão, ele é um dos refugiados que está em Natal à procura de novas condições de vida. Segundo Santo, ele já tem CPF, após a primeira triagem que fez ao entrar no país, via Pacaraima, principal ponto de entrada dos venezuelanos em Roraima, na fronteira com a Venezuela. “Estou à procura de qualquer trabalho, posso fazer qualquer coisa”, diz.

De acordo com Milme Macarate, os venezuelanos fazem parte de um mesmo grupo e estão hospedados num hotel localizado na zona Leste da cidade. Eles  pagam uma diária de R$ 20,00 por pessoa. Ao lado do primo, Inácio, Milme chegou em Natal há três dias e também estava num semáforo pedindo dinheiro e ajuda. Ele aguarda a esposa e filhas virem à capital potiguar.

A TRIBUNA DO NORTE procurou a Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social de Natal (Semtas) para saber o que está sendo feito com os venezuelanos. A pasta disse que “a presença de refugiados venezuelanos nas ruas da cidade é uma questão que precisa ser tratada no âmbito do Governo do Estado, conforme pactuação feita entre o ente estadual e o governo federal”. Em nota, o município acrescentou ainda que “mesmo tendo sido provocado a fazer o acolhimento dessas pessoas, informou à época não ter condição de atender à demanda, por já enfrentar uma sobrecarga na sua estrutura voltada a essa finalidade”.

A Secretaria de Estado do Trabalho, da Habitação e da Assistência Social (Sethas),  disse que o acolhimento aos refugiados venezuelanos está sendo feito pela Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). A Sethas disse que a ONU, por sua vez, não procurou o RN nem os municípios para fazer essa pactuação.

“A Acnur que destinou recursos para acolhimento dessas pessoas. A pactuação dele não foi com o Governo Federal, e sim com uma associação da sociedade civil. A federação não destinou recursos ainda para esse trabalho”, disse Elizama Evangelista, subcoordenadora de proteção especial da Sethas. “Não quer dizer que a ONU não deu uma resposta para esse problema em nível de estados. Só que essa pactuação foi direta com a ONG, não passou por nós”, acrescentou.

Elizama acrescentou ainda que o Estado não possui serviços de acolhimento regionalizados para pessoas em situações de rua. Porém, registrou que a Sethas está mapeando um levantamento dessa população em todo o Estado, incluindo, a passagem dos imigrantes pelo RN.
Em Natal há um ano, auditora procura trabalho 
Se a situação dos refugiados que chegam no Rio Grande do Norte não é das mais fáceis, os venezuelanos que já estão no Estado há mais de um ano também passam por dificuldades para encontrar emprego.

Jackeline Rivero, de 38 anos, moradora de Natal, trabalhou de garçonete em bares próximos de sua residência, mas acabou tendo que sair em virtude de problemas de saúde aliado ao fato de que não estava sendo satisfatório em termos financeiros.

“Estou procurando emprego, mas está difícil aqui em Natal. Consegui fazer extras, mas não é fixo. E preciso me sustentar, ainda mais agora que minha mãe está aqui”, comenta, acrescentando que a mãe, Flor Hernandez, 63 anos, precisará se adaptar à cidade e regularizar a documentação para procurar emprego.

Jackeline teve sua história contada na TRIBUNA DO NORTE em maio deste ano. À época, ela ainda estava empregada. Auditora fiscal concursada na Venezuela, ela deixou o país em busca de melhores condições.

Em Natal, mora na zona Sul em um apartamento com a sua mãe, e quer um emprego o mais rápido possível, uma vez que já sente as dificuldades do desemprego na pele. Além de fazer alguns bicos como garçonete, ela revela já ter entregue currículos em vários lugares da cidade, incluindo escritórios de advocacia, uma de suas especialidades.

A ideia é conseguir emprego para continuar ajudando as duas filhas, Gisele e Gislaine, que hoje moram com o pai em Nova Parnamirim, e trazer o filho mais velho, Armando, para sua proximidade.

ONG em Caicó acolhe refugiados
Desde outubro do ano passado, a ONG Aldeias Infantis SOS, localizada em Caicó, a 282 km de Natal, recebe refugiados venezuelanos por meio do programa da ONU. É o único local do Estado. Até agora, segundo a direção da unidade, 122 venezuelanos, em 30 famílias, passaram pela Aldeias.

Com cinco casas, a ONG tem capacidade para absorver 60 venezuelanos, que vem de Pacaraima, em Roraima, direto para Caicó. Atualmente, o projeto, segundo Francisco Santiago Junior, está num processo de recomposição de vagas, podendo receber até 20 venezuelanos. Será o oitavo grupo, desde o ano passado, a vir para Caicó.

“Tem toda uma questão logística porque nossa parceria é com a Acnur. Tem todo um processo, de cadastramento. Importante ressaltar que só trabalhamos com famílias. Pai, mãe e filhas ou mulheres com seus filhos. Não trabalhamos com grupos de pessoas sozinhas, indígenas ou de outras comunidades tradicionais, porque tem todo um processo de cadastramento”, disse.

Em terras potiguares, eles passam por um período até se habituarem e conseguirem a emancipação, que pode ser na própria cidade ou em outros lugares. “Esse oitavo grupo vai preencher essas vagas daqueles que saíram porque encontraram situação de suficiência e saíram das Aldeias e foram morar por conta própria”, relata. Quando eles saem da ONG, a Acnur dispõe de um valor, que varia de acordo com cada família, que é utilizado na mudança para casa nova ou em viagens para outros lugares, o que também têm acontecido. “Dentro de uma rede de contatos, ele está em Caicó, surge uma oportunidade em Natal ou na Paraíba, ele tem autonomia para poder se deslocar para essa localidade”, acrescenta.

A Aldeias Infantis SOS está em Caicó desde 1979 e oferece programas de fortalecimento de vínculos familiares e acolhimento institucional. Quando passou a receber venezuelanos, a Aldeias era a única do Nordeste. Atualmente, João Pessoa e Pernambuco também recebem refugiados.

Sobre os venezuelanos chegados em Natal, Francisco Santiago Junior explica que a Aldeias não teve contato com eles, aliado ao fato de que não poderia recebê-los, uma vez que a ONG só interioriza os refugiados advindos pela Acnur.

Crise na Venezuela
A crise política e humanitária na Venezuela se intensificou nos últimos meses após suspeitas de fraude nas eleições do ano passado, quando Nicolás Maduro, à frente do país desde 2013, foi reeleito. A crise se agravou quando o então líder da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, se autoproclamou presidente. Neste período, vários países do mundo, incluindo o Brasil, reconhecem Guaidó como presidente venezuelano.

Conheça alguns dos venezuelanos em Natal
Santo Toba
47 anos

Santo Toba

Chegou à Natal há oito dias e espera a esposa e suas cinco filhas chegarem de Fortaleza (CE). Saiu da Venezuela de ônibus à Pacaraima em busca de melhores condições de vida. “Trabalhava na agricultura e numa empresa de processamento. Plantava banana, macaxeira e batata”, diz. Na capital potiguar, estava em frente a Praça das Flores, no Tirol, com um isopor pintado. “Muitos morreram por diarréia, sarampo e outras doenças. Quero fazer qualquer trabalho, sei fazer qualquer coisa”. Disse. Ele deixou irmãos e mãe na Venezuela.
Juan Carlos
35 anos
Juan Carlos
Natural de Tuculpita, na Venezuela, está em Natal há cinco dias, depois de fazer um itinerário que passou por Belém, Manaus, Maranhão e Fortaleza. Ele contou que tem documento no Brasil e que procura ajuda e apoio para morar com a família. Trabalhou na agricultura, com banana e mel de abelha, além do artesanato, fazendo chapéus e redes. “Pedimos a Prefeitura de Natal algum apoio. Nosso país está em crise. Queremos um lugar para morar, um refúgio, um abrigo”, disse.
Milme Macarate
Milme Macarate
No sol alto de Ponta Negra, zona Sul de Natal, Milme, natural de Tuculpita, erguia seu cartaz pedindo dinheiro e ajuda aos natalenses. Chegou à capital há 3 dias. Não sabe ler nem escrever e também não sabe sua idade de cabeça. “Muito difícil. Somos indígenas na Venezuela. Não tem governo, não chega nada lá”, disse. Deixou o pai e irmãos de 8, 6 e 2 anos na Venezuela. “Trabalhei em restaurante, construção, caminhão, serviços gerais. É muito difícil porque não sei falar português nem sei ler nem escrever”, completa. “Quero um trabalho. Viver só assim é muito difícil”, diz

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