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Em tempos de isolamento

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Ivan Maciel de Andrade                                                                                                            
Procurador de Justiça e professor da UFRN (inativo)
           
Uma parcela dos que estão em isolamento ou confinados devido à pandemia vai optar pela leitura como forma de aproveitamento do tempo ocioso. Não deve ser uma parcela numerosa. Lê-se pouco no Brasil. Essa afirmação já constitui uma platitude. Antigamente se chamava de verdade de La Palice, ou seja, algo tão evidente que se torna desagradável repetir. Pois é com as pessoas contidas nessa parcela de leitores que eu gostaria de conversar para fazer algumas sugestões. Talvez constitua uma contribuição melhor do que discutir o que dizem os infectologistas ou entrar no debate repleto de aberrações éticas dos que enxergam uma dicotomia entre salvar vidas e salvar a economia. Para piorar, grassam por aí as fake news de profundo mau gosto propaladas por conhecidos oligofrênicos.
Fico em dúvida se devo recomendar a leitura de “A metamorfose” de Franz Kafka. É o livro mais conhecido e mais lido desse genial escritor. Por que hesito, então? Creio que contar o início da história explica minhas dúvidas. O personagem Gregor Samsa acorda e descobre que se transformou num enorme inseto. A naturalidade com que isso acontece cria um clima de verossimilhança. A família, mais por vergonha do que por medo, confina Samsa num quarto. Apesar da aparência, ele continua com a mente de um ser normal. O seu real confinamento é dentro de si mesmo. Angustia-se pensando na família, mas indiferente à transformação. O repulsivo inseto preserva intacta a condição humana.                
A esta altura, deixo Fafka de lado e passo para um livro que talvez tenha os melhores contos da literatura universal: a coletânea de contos de Anton Tchekhov publicada pela Nova Fronteira (2018). A tradução de Tatiana Belinky é diretamente do russo. Tenho várias outras coletâneas de contos de Tchekhov, mas essa é a que merece indicação. Tchekhov era médico e lutou contra uma epidemia de cólera, como médico distrital, “tomando conta sozinho de 25 povoados” (Vladimir Nabokov em “Lições de literatura russa”, 2014). Basta ler um conto de Tchekhov, para se apaixonar por suas narrativas.   
Gostaria de sugerir agora um romance: “As irmãs Makioka” (4ª. ed., 2019), de Jun’ichiro Tanizaki. É considerado “um marco da literatura moderna japonesa”. Lembro outra obra ficcional: “A máquina de fazer espanhóis” (2ª. ed., 2016), de Valter Hugo Mãe. Diz Caetano Veloso, poeticamente, no prefácio: “Como a flor que fura o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio, a prosa trágica e divertida de Valter Hugo Mãe busca, na humanidade dos que padecem, material para louvar a vida, mesmo em suas manifestações mais ameaçadas”. Para diversificar, um livro policial da melhor qualidade literária: “Uma voz na noite” (2019), de Andrea Camilleri, criador do comissário Montalbano, um personagem que transcende as fronteiras do romance policial. E, em 2019, a literatura perdeu Andrea Camilleri…
Sugiro, por último, dois livros: “Como viver – ou uma biografia de Montaigne em uma pergunta e vinte tentativas de resposta” (2013), de Sarah Bakewell, que “The Guardian” considerou “um guia para a vida” e “21 lições para o século 21” (2018), de Yuval Noah Harari, um livro acessível e criterioso de atualização científica. A leitura substitui a solidão por solitude, que é o prazer e a alegria do isolamento. 
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