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Em tempos de súmula vinculante…..

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Grace Gosson – advogada, professora universitária ( [email protected])

A construção de toda decisão judicial (sentença ou acórdão) é fruto da interpretação pelo juiz ou tribunal da legislação em vigor. É por ocasião desta aplicação do direito que ele emprega seus valores, seus pré-conceitos, sua cultura. Agregue-se a isso a existência de enunciados prescritivos no sistema de direito positivo, que englobam conceitos indeterminados, ou seja, situam-se na denominada zona de penumbra, a que o aplicador terá, inevitavelmente, que escolher o conceito que lhe seja mais adequado, dentre as opções de significados possíveis.

Essa diversidade de interpretações sobre uma mesma norma geral e abstrata, gerando decisões judiciais pragmaticamente contraditórias, é o que habitualmente se chama de divergência jurisprudencial.

Com efeito, a divergência jurisprudencial é vital para o sistema jurídico e decorrência natural da atividade interpretativa, sendo positiva à medida que possibilita uma ampliação de debates sobre temas relevantes e controvertidos, e o exercício do livre convencimento do magistrado. Todavia, quando a divergência toma grandes proporções, resultando em julgamentos diversos para situações idênticas, notadamente quando estão em discussão direitos difusos, coloca-se em xeque a estabilidade social e a segurança jurídica, de forma a acarretar injustiças, comprometendo a unidade do sistema jurídico. Daí a importância de uma ferramenta eficiente de uniformização de jurisprudência.

A utilização de uma decisão judicial como paradigma para o julgamento de casos análogos julgados posteriormente tem origem nos sistemas jurídicos de common law, tal qual na Inglaterra e nos Estados Unidos. Em referidos sistemas jurídicos, o precedente judicial assume o caráter de ser vinculador nos julgamento dos casos seguintes semelhantes.

Nos países afiliados ao civil law, entre os quais se inclui o Brasil, a tendência é, cada vez mais, a criação de instrumentos que confiram um ambiente jurídico seguro, evitando a chamada jurisprudência lotérica, e, por conseqüência, propiciem crescimento da economia e aumento de negócios. Na Espanha, à guisa de exemplo, a doctrina legal caracteriza-se pela construção de uma orientação jurídica nos moldes de reiteradas decisões judiciais proferidas pelo Supremo Tribunal espanhol, e detém efeito vinculante. No México, a jurisprudência obrigatória é o instituto que promove a uniformização da jurisprudência, à medida que exige reiteradas decisões judiciais expedidas pela Suprema Corte Mexicana, formulando um entendimento sobre determinado assunto. Uma vez consolidada esta jurisprudência, ela passa a ter aplicação obrigatória perante os tribunais e juízos inferiores.

Seguindo esta tendência mundial, o Brasil, por intermédio da Emenda Constitucional n.º 45/2004, instituiu a súmula vinculante, posteriormente regulamentada pela Lei Federal n.º 11.417/2006.

Reza um de seus dispositivos que a súmula vinculante será editada pelo Supremo Tribunal Federal, “após reiteradas decisões sobre matéria constitucional”, e terá “objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciário ou entre esses e a administração pública controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processo sobre idêntica questão.” Assim, a súmula restringe-se ao controle de constitucionalidade de matérias que causem grave insegurança jurídica e efeito multiplicador da lide. O descumprimento de súmula vinculante pela Administração Pública e pelos Órgãos do Judiciário autoriza o ajuizamento de reclamação constitucional perante o STF.

Os estudiosos, magistrados e a sociedade têm apostado alto na súmula vinculante, como forma de reduzir a morosidade do Judiciário e conceder mais segurança ao ambiente jurídico. Esses propósitos, entretanto, só serão atingidos se, efetivamente, houver uma mudança de mentalidade, notadamente por parte da própria Administração pública que enxurra o Judiciário com demandas e recursos repetitivos e desnecessários.

Pode parecer um paradoxo, mas o ingresso da súmula vinculante no sistema jurídico brasileiro pode vir a gerar aumento de demanda no STF, se houver sucessivos descumprimentos das súmulas editadas, haja vista que a não observância da súmula vinculante pode acarretar no ajuizamento de reclamações constitucionais.

No âmbito tributário, será necessário conciliar segurança jurídica e justiça fiscal. Este é o grande dilema, visto que muitas vezes referidos sobreprincípios caminham em sentidos opostos.

Em um país como o Brasil, cujas decisões dos Tribunais Superiores em matéria tributária, muitas vezes são políticas, e tendem ao atendimento das necessidades de um Fisco cada vez mais voraz, o risco de se estabelecer segurança jurídica às custas do bolso do contribuinte é grande.

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