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“Emprego é o símbolo da classe C”

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Vinícius Albuquerque – Editor de Economia

De 2003 a 2009, mais de 35 milhões de brasileiros tiveram uma ascensão de nível social. A principal mobilidade ocorreu entre as famílias das classes A, B e C. Essa última, no entanto, é a que tem chamado mais atenção de estudiosos, especialistas e empresários nos últimos anos pelo enorme crescimento quantitativo. Foi justamente a nova classe média – com sua vontade de consumir e experimentar novas oportunidades que a melhoria de renda lhe trouxe – que sustentou a economia do Brasil durante um rápido período de crise. Carro, casa própria, celular, computador. Palavras que coincidentemente começam com “C” e refletem alguns dos principais sonhos da classe em ascensão no país. Porém, longe de serem apenas consumidores de bens materiais, essa fatia da população quer sonhar com o futuro: educação e saúde particulares são alguns dos “bens” que eles querem adquirir. Mas tudo isso sustentado pelo emprego formal. É essa a avaliação feita por Marcelo Neri, economista-chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas. Ele esteve em Natal na semana passada para falar a micro e pequenas empresas participantes da Feira do Empreendedor sobre as oportunidades que a nova classe C traz para os empresários. O evento, promovido pelo Sebrae RN, se encerra hoje no Centro de Convenções e tem entrada gratuita.

Marcelo Neri, economista-chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio VargasA Fundação Getúlio Vargas tem algum levantamento recente sobre a nova classe média? O que podemos dizer de maneira geral sobre essa parcela da população?

Sim. Nós temos uma série de estudos, o mais recente foi apresentado há cerca de um mês. Nele a gente mostra alguns resultados que já vínhamos mostrando antes, mas agora é passada a crise, estamos vivendo o pós-crise. De 2003 a 2009, 29 milhões de pessoas subiram à classe C, a chamada nova classe média. Além desses, mais 6,5 milhões subiram para as classes A e B (3,5 milhões para a B; 3 milhões para a A). Então, A, B e C juntas cresceram para 35,5 milhões de pessoas em seis anos. Isso já é mais que a população sul-africana. E foi causado, por um lado, pela volta do crescimento do Brasil a partir de 2003, e a redução da desigualdade de renda fator que é percebido desde 2001. Essa combinação levou a essa emergência de classe média que está sendo muito importante agora para movimentar a economia em uma época de estagnação dos países desenvolvidos.

Essa mudança de classe trouxe que efeitos para a economia brasileira?

Em primeiro lugar, ela injeta demanda na economia em uma época que foi comparada à grande depressão dos anos 30 – que teve como grande problema a falta de demanda. Para nós não está tendo esse problema por causa da classe média que mantém girando as rodas da economia, comprando produtos, serviços, numa época em que as exportações vivem problemas por causa do câmbio e também por causa da recessão lá fora. Então é estratégico saber como lidar com isso. Essa classe congrega mais poder de compra do que as classes A e B juntas. Então, é uma classe dominante do ponto de vista econômico.

O senhor falou na crise e no período pós-crise. Existe alguma diferença da forma como essa classe C se portou no período de crise e agora ?

Existiu. Teve todo esse crescimento que eu falei de 2003 a 2009 incluindo a crise. Na crise, houve ainda um crescimento, mas a uma taxa menor. Ou seja, até uns cinco anos a classe C cresceu em 32 milhões de pessoas e depois apenas 3,5 milhões no ano da crise. Então desacelerou o crescimento. Porém, é louvável que essa classe tenha crescido durante a crise, mas a taxas menores. Mas agora se olharmos com dados das áreas metropolitanas brasileiras (onde temos o retrato do pós-crise), a gente vê que essas classes estão crescendo hoje em dia até mais do que nos seis primeiros anos analisados, ou seja, antes da crise. Isso vem acontecendo desde fevereiro de 2009, a crise na verdade foi uma crise rápida, profunda, mas passageira. Teve um mês que ela gerou uma corrosão no poder de compra, mas a partir de fevereiro ela já recuperou a taxa de crescimento que vinha tendo antes. Então, na verdade você já saiu da crise há 21 meses, já tem recuperada a taxa de crescimento.

O presidente Lula chegou a afirmar na época que a crise seria apenas uma “marolinha” para o Brasil. Observando o comportamento dessa classe C , é possível dizer que realmente não houve grandes perdas para o país?

Não chamaria de marolinha, mas também não foi uma tsunami. Foi uma ressaca tão forte quanto passageira, essa seria a analogia. Ela chegou ao bolso do brasileiro em janeiro de 2009, gerou uma perda, mas o consumo já recuperou a taxa de crescimento a partir do mês seguinte e foi o período de reconstrução do poder de compra até o final do ano.

Como os empresários devem se preparar para receber essa nova classe de consumo que está chegando?

Tem que se adaptar porque na verdade os hábitos, as aspirações, a história é muito diferente da “tradicional” classe média. Então, tem que saber como chegar a esse grupo. Um exemplo que acho muito interessante aqui no Nordeste é o do Crediamigo, do Banco do Nordeste, de microcrédito. Ele utiliza os agentes de crédito. É um programa em que os bancários não ficam esperando os clientes atrás de um balcão. Eles vão até o local, têm um mecanismo de busca. As portas giratórias dos bancos não são feitas exatamente para receber as pessoas de origem mais humilde que ascenderam na vida. Esse é um exemplo. Tem também os aeroportos. No ano passado, 11% dos clientes da Gol foram clientes que voaram pela primeira vez de avião. Só que eles não sabem o que é, por exemplo, check in. É uma expressão que não é nem português. Você precisa então ter uma atendente, transformar a forma de lidar, de receber. Porque são pessoas que têm uma demanda extra, de ações novas. E ao mesmo tempo há uma demanda reprimida para muitas outras coisas. Mas o que me deixa mais otimista com a nova classe média é que o principal sonho delas não é de consumo. Elas têm sonhos de educação, de trabalho. E é algo que eles estão realizando, e algo que dá um novo fôlego a eles.

Então, essa classe média ao mesmo tempo que tem um grande poder de consumir, não é necessariamente consumista. Tem sonhos que vão além do material?

Acho que esses outros são até mais fortes que os sonhos de consumo e vão permitir ela continuar consumindo por um bom tempo. Ou seja, uma base de produção. A gente fez dois indicadores. Um de potencial de consumo e outro de capacidade de geração de renda. De 2003 a 2009, esse último cresceu 38% a mais que o consumo. Ou seja, é uma coisa que tem base para fazer grandes realizações. O emprego com carteira esse ano: o país gerou este ano 2,2 milhões de trabalho formal em nove meses. Foi o recorde disparado da série. Esse talvez seja o grande símbolo da classe média: o emprego com carteira de trabalho.

Existe algum setor que deve crescer mais ou que pode aproveitar mais essa vontade de consumir que tem a nova classe C?

Tem vários setores como a construção civil, com o Minha Casa Minha Vida. Acho que setores, por exemplo, como prestação de serviços produtivos como educação, capacitação profissional, crédito, além de empresas aéreas. Houve muita migração do Nordeste para o Sudeste e tem muita gente voltando para cá, ou muitos têm família aqui e moram lá, trabalham lá. Essas pessoas antigamente pegavam um ônibus de dois, três dias para vir até a Paraíba ou outro estado. Férias eram sinônimo de uma semana na estrada. Hoje em dia você pega um vôo e é mais barato, inclusive, por essa economia de tempo. São vários segmentos. A partir de um certo nível,  eles deixam consumir serviços públicos como educação, previdência, saúde e passam para o setor privado. São alguns dos desejos da classe média.

Existe alguma diferença geográfica de como a classe média do Sudeste consome e como o Nordeste consome?

Existe. Despesas de turismo aqui são mais fracas. O brasileiro gasta em média duas vezes mais que o potiguar em viagens de turismo. Aqui são bens diferentes. Aqui no Nordeste, na verdade, nós tivemos um crescimento da classe C, mas tinha uma classe D que era E, pronta para entrar na classe média. Então, o maior crescimento de renda do Nordeste ainda está para acontecer. Mas esse movimento serviu para diminuir a diferença que existia. Existem números muito bons dos últimos seis anos do Brasil, incluindo o ano de crise. E 2010 está sendo excelente. É um peso maior do que o período do “Milagre Econômico”. São seis anos onde houve crescimento, mas agora temos também mais igualdade de renda.

Falando das classes mais baixas – a D e E – como é o comportamento delas hoje? Existe uma tendência de subir e se extinguir?

É o que a nova presidenta falou, que é o objetivo dela: eliminar a miséria. Acho uma bandeira difícil de cravar, é uma trilha escorregadia. Mas acho que é um objetivo louvável. E acho que é possível alcançar. A gente tem uma conta que mostra que para eliminar a classe D, cada brasileiro teria que ter a mais de renda R$ 9,30 por mês. Seria o custo mais baixo, para chegar a uma renda de R$ 144 mensais por pessoa. Seriam necessários aproximadamente R$ 23 bilhões por ano. E você tem plataforma para fazer isso com o Bolsa Família, o cadastro único. Agora tem que optar por fazer isso. O Brasil reduziu nos últimos anos 45% da pobreza. Isso deveria, pelas metas do milênio, chegar a 25%. Agora erradicar talvez seja uma meta ambiciosa demais. Mas há meios para fazer isso sem dúvida. É focar no pobre. Aumentar o salário mínimo não vai resolver o problema.

E as “novas classes A e B”? Que diferença elas têm na forma de consumir?

Acho que é uma pergunta interessante quando se distingue a nova classe A e B da velha classe A e B. E até o que é a nova classe C porque eles vêm subindo no patamar, a fila está andando. A gente fica olhando a classe média que cresceu muito, mas quem cresceu mais proporcionalmente nos últimos anos foram as classes A e B. Estamos falando de taxa de crescimento. Então, eles têm a tendência de crescer mais no futuro. O que acontece? Se o Brasil continuar caminhando nessa direção para se tornar um país desenvolvido, as classes que vão crescer mais são A e B, depois C. Essa última cresce muito em quantitativo. Então eu acho que a gente deve olhar muito mais para a nova classe B do que a nova classe D que é uma classe em extinção.

Essa classe B tem sonhos diferentes?

Sim. Já é uma faixa onde o colégio privado, as viagens são menos frequentes. Não é mais celular, é mais computador, é um carro novo. É um upgrade do consumo. É a viagem para o exterior pela primeira vez. Acho que isso é realmente fantástico. Mas o que eu acho bacana na classe C e que me deixa mais positivo em relação a isso, é que as pessoas quando ouvem a pergunta: qual o seu sonho de consumo? Elas respondem: “eu quero ir para a faculdade. Eu não sei se eu vou poder ir, mas minha filha vai”. Então, existe um altruísmo. E uma das razões para o crescimento da classe C é a redução da fecundidade. As pessoas estão tendo menos filhos, cuidaram melhor dos filhos deles e com isso estão deixando de ser mais pobres. Essa nova classe C é diferente da antiga porque ela tem mais dinheiro no bolso e o tipo de atenção que pode dar aos filhos é maior.

O acesso ao crédito aumentou, mas por outro lado o brasileiro ainda pensa muito pouco no futuro, em poupar. A nova classe C pode mudar essa mentalidade?

Acho que ela já está mudando. Tem um estudo do Banco Mundial que mostra que de 2003 a 2009, a poupança do brasileiro aumentou nesse período por conta das famílias. Esse investimento em educação é uma forma de poupança, investir no futuro. Compra de um computador: é um bem de consumo, mas também é um bem de investimento. Uma pessoa que tem um notebook ou um celular, trabalha 24 horas. É um bem de produção. A história dessa nova classe C é mais do que as pessoas que recebem um benefício social, um Bolsa Família – claro que essa é uma parte, mas não é o principal. É em geral a história do sujeito que não podia ir a escola, agora pode e está conseguindo um emprego com carteira assinada.

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