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Encontro

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Dácio Galvão
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A rua carregava o sobrenome “Buarque”. Difícil de esquecer. Fixei na memória e tomei rumo chamando num desses aplicativos o carro que me levaria até lá. Comunicava ela em mensagem: “ – Poderíamos nos ver, mas tenho que pedir um favor… Se pudesse vir até a minha casa ficaria muito grata… Se pudesse se dispor a vir tomar um café comigo…” Imensa gentileza. Mulher grande e de grandezas humanas. De real capital humano.

No horário marcado cheguei. Localizado o endereço desci e uma pessoa no portão de entrada me aguardava em pé. Sorriso simpático, convidativo. Era Humberto, o companheiro: “ –  Entre! Ela está lhe esperando, lá dentro. Acesso pela porta lateral ”.

Quando me dei conta estava na sala. Com ela e o Tom. Ele de pelagem baia dos equinos. Traços de labrador. Encontrado abandonado na mata afora, fora adotado. Todo o conforto e mimos ofertados. Presença forte no ambiente ornado de quadros mostrando a artista em fixações diversas. Mais ao fundo a sobriedade do piano meia calda calado. Postado ali por traz da cadeira de Cida Moreira, alegre e simpatissíssima… Presença forte. Tocava sozinho. O piano tocava no silêncio. Quando o olhava ouvia a voz da artista independente cantando versos de Fernando Pessoa. De Bertolt Brecht. De Mário de Andrade. Ou canções de trilhas. De filmes dirigidos por cineastas da calibragem de Glauber Rocha, Cacá Diegues, Nelson Pereira dos Santos… muito bem impressionado.

Conversa vai, conversa vem. Passeio por assuntos variados. Generalizados. Da conjuntura política desdobrada na segurança pública, no crime organizado, nos partidos e nos políticos… 

A voltagem da militância é alta. Amiga de Itamar Assumpção e família. Do sempre maldito Walter Franco por quem nutre carinho e profunda admiração. Da Alice Ruiz (poeta que esteve presente no Dia da Poesia celebrado na Secretaria de Cultura). Atravessou tempos e comtra-tempos compartilhados. Vivências íntimas. Entre alegrias e um forte ponto de tristeza: fragmentos factuais da separação de Ruiz do marido, o inesquecível escritor, poeta, ensaísta e faixa preta em judô Paulo Leminsk. Narrativa breve e dramática.

A voz potente enche a sala. Preocupa-se com a secretária e se entende com Humberto sobre a feira e o cardápio do dia. Vai rolar rango mineiro. Honro o café.Declino do convite para o almoço. Tinha compromisso e horário para cumprir. Infelizmente.

Sugere falar do Poemúsica2. O  CD em fase de finalização. Dou uma geral no conceito e pouso na música Ufana ( a Cidade ) cuja melodia fora composta por Alexandre Atmarama. Ecos de Villa Lobos. No poema reatualiza impressões de viagens realizadas por Clarice Lispector, Mário de Andrade, Frans Post e Albert Eckhout. Estadias em Natal!

Os vidros caem no tapete. Meus impulsos já descontraídos involuntariamente gesticulam braços e mãos, empurrando o belo copo de encontro ao chão e… Vidraças espalhados no entusiasmo. Era o ritmo da nossa conversa. Transparente, translúcida e craquelada. Trajetos nas costas de cada vivente.

A manhã estava nublada em São Paulo. Na urbe de possível novo quilombo de Zumbi. Agasalhado no blusão percebia a sincronicidade. Base de interesses comuns. A identidade na reciprocidade dando voos e fazendo aterrissagens. Feliz.

Na segunda guerra mundial seu pai, italiano, viria para Natal no recrutado para combater forças fascistas. Sua mãe cai gravemente enferma e o fato possibilita o retorno do marido para a Paulicéia. Antes quando aqui instalado deve ter presenciado black-out’s na cidade potiguar. Ocorriam diariamente. No texto de “Ufana ( a Cidade )”, canção que Cida vai interpretar, faz remessa  ( coincidentemente? ) ao mesmo período e ao fato escuro que acontecia por movimento estratégico da base norte-americana aqui instalada. Fala o texto da música: “… Por tudo e mais a mais não há black-out”.

Pintando esse tipo de convergência acredito ter elo, liga e química fenomenológica! Menos o argumento da coincidência. Ainda que na aparente falta de explicação palpável o caso se coloca abreviado e por via tangente, conformista. A elucidação fica ao largo. Investigar pode soar pedante ou burocrático.

Mas acredito nos encontros. Nas trocas. Encontros alertam que mistérios e convergências nas ideias sempre hão de pintar por aqui, por lá e em alhures. Fomentemos encontros!

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