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Encontros, sonhos e vulnerabilidades

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Tádzio França
Repórter      
Lucas é um garoto do interior que estuda na capital, sem parentes importantes, com pouco traquejo social e algumas questões amorosas a resolver. Poderia ser qualquer um. Mas para situá-lo ainda melhor, ele também é gay e mora em Natal. A trama está no livro “Enquanto eu não te encontro”, do escritor Pedro Rhuas, cujos recortes particulares conquistaram o primeiro lugar no Concurso de Literatura Pop (Clipop) da Editora Seguinte, o selo jovem da Companhia das Letras. O resultado foi divulgado agora em junho.
O autor Pedro Rhuas conquistou com seu livro o primeiro lugar no Concurso de Literatura Pop (Clipop) da Editora Seguinte
O livro de Pedro Rhuas, estudante de jornalismo, 24 anos, já existe em versão eletrônica na Amazon. Ele o publicou de forma independente em março. Agora, com a premiação no Clipop, o romance pode ganhar sua versão impressa. “Minha ideia é tentar fechar com a editora um contrato de publicação. Caso isso aconteça – e meu grande sonho é que possa de fato acontecer -, meus leitores conhecerão o final inédito do livro”, diz. No site o livro está dividido em duas partes – a segunda permanece inédita. Uma forma que ele encontrou de ver como os leitores reagiriam à obra.
O concurso literário foi anunciado ano passado nas redes sociais da Editora Seguinte. As inscrições foram de agosto a outubro de 2019, e o resultado foi liberado em junho deste ano. Foram mais de 120 manuscritos originais recebidos pela editora. Além do trabalho de Pedro Rhuas, que ficou em primeiro lugar, outros dois títulos também foram premiados.
“Enquanto eu não te encontro” é uma comédia romântica LGBTQIA+ambientada em Natal. A história traz Lucas, um universitário desastrado que se acha incapaz de amar. Gay, ele tem uma vivência similar a de muitos outros jovens: saiu do interior do estado para estudar na capital, lugar onde se sente mais à vontade para expressar sua sexualidade sem tantos medos. Mas a rotina de gay recém-emancipado morando em Natal não é o mar de rosas que ele fantasiou. Desajeitado, cético e fã de Katy Perry, Lucas sofre por nunca ter conseguido se apaixonar.
A trama segue Lucas ao longo de uma noite, quando uma boate LGBT chamada Titanic é inaugurada em Ponta Negra. Lá, um encontro inesperado com outro rapaz acaba colocando em xeque o que ele levava como certo sobre seu próprio coração. “É um livro sobre encontros genuínos, sobre se sentir visto pelo outro e dividir sonhos, medos e vulnerabilidades”, ressalta o autor.
Orgulho nordestino e LGBT
O livro é repleto de identidade, seja sexual, seja regional. Pedro Rhuas fez questão de que a trama refletisse algumas de suas vivências. “Como nordestino, gay e devorador de livros, eu me sentia estranhamente não-representado pela literatura que consumia. Ali, era como se eu não existisse. Não havia personagens LGBT nas obras, e tudo se passava fora do país ou no sudeste. Aquela dupla invisibilidade marcou minha adolescência”, explica ele, que se define como um “poticearense”.
Livro é  uma comédia romântica LGBTQIA+ambientada em Natal
Quando começou a escrever o livro, Rhuas sabia que desejava escrever o que nunca pôde ler antes sobre pessoas como ele mesmo. “Vivendo em lugares como os que vivo, falando como falo e sonhando como sonho. A falta de representatividade me inspirou a querer representar. Se não haviam histórias como aquelas no mundo, sentia que era meu dever trazê-las à vida”, afirma. Portanto, a obra promove essa descentralização necessária, segundo o autor.
O livro se passa na Natal de 2015. Uma cidade grande que surge na prosa de Pedro Rhuas em meio à efervescência da comunidade LGBTQIA+ local, com menções à cena drag da cidade, com gírias tipicamente natalenses, figuras como a Querida das Trufas, da UFRN, e lugares que o leitor potiguar facilmente vai identificar. O jeito de falar do jovem LGBT natalense, com suas gírias e tudo mais, também está impresso nos diálogos. “É uma Natal marcada pelas experiências de um jovem gay do interior que ao se mudar percebe a capital como um lugar onde ele pode simplesmente ‘ser’ sem amarras”, ressalta.
Três meses após a publicação do livro de forma independente na Amazon, Pedro conta que recebeu o feedback de leitores de todo o Brasil, mas ainda muito pouco do Rio Grande do Norte. “Os leitores de fora, no entanto, estão sempre comentando nas resenhas que o livro despertou o desejo de visitar a cidade e o quanto a ambientação os cativou. Isso é muito significativo e mostra a importância de histórias assim”, diz.          
Além de escritor e futuro jornalista, Pedro também é cantor e compositor. Ele acredita que as mudanças vividas pelo mercado editorial dos últimos dez anos tornaram propícias que histórias como a dele fossem contadas. “Após anos de invisibilidade, a engajada comunidade LGBTQIA+ brasileira passou a demandar por mais. As grandes editoras, percebendo o movimento, estão publicado cada vez mais livros com essa representação”, explica, citando o escritor Vitor Martins como uma referência atual nesse segmento gay e jovem.
Pedro afirma que o público LGBTQIA+já tem uma presença grande o suficiente para abraçar seu trabalho, mas considera importante que sua literatura vá para além. “É interessante e saudável que leitores heterossexuais nos apóiem nesses trabalhos, e mais importante ainda que leiam materiais que fujam das óticas cisheteronormativas que dominam tudo”, ressalta. Ele acredita que para o leitor LGBT a questão não é apenas se encarar “com mais naturalidade” diante da literatura e do mundo, mas simplesmente se enxergar sem desculpas ou barreiras.
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