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Entre lucidez e idiotice

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Cláudio Emerenciano
Professor da UFRN
Mais uma vez o silêncio e a paz da madrugada dominam minhas reflexões. Transportam-me sem limite de tempo e de lugar. Levam-me a contemplar a vida humana globalmente. Especialmente ante a tragédia de pandemia, racismo, desumanidade, fanatismo e, aqui e alhures, indiferença com a perda de vidas humanas.  Para tudo entender, passado e presente se misturam. Mesmo assim, fantasias, percepções e sonhos da infância, inseridos na cena bucólica, tranquila, provinciana e rotineira dos anos 40, fecundaram a maneira de ser da minha geração na juventude, desfrutada nos anos 50. Essas circunstâncias não são as mesmas das crianças e jovens de hoje. Enfim, o aforismo de Ortega y Gasset parece tipificar todas as gerações: “eu sou eu e a minha circunstância”. Os jovens, rapazes e moças nas décadas de 50 e 60, arrebatavam-se ao entrelaçar suas mãos com juras de amor tão puras, tão românticas e tão perenes quanto as de Romeu e Julieta, Abelardo e Heloísa, Petrarca e Laura. Quanto a isso quase nada mudou. Pois o sentimento do amor é infinito, imutável, invariável, ilimitado e transcendental. A juventude, ontem e hoje, expressa inconformismos e ideais sem medo nem hesitações. Vai às ruas. Mobiliza-se nas redes sociais. Será sempre a juventude sonhadora e indômita a enfrentar adversidades de todos os tipos. Incontida – disse Gabriel García Márquez – em todos os tempos. Caracteriza-se por ser autêntica e ousada. Quaisquer que sejam as situações e as consequências. Faz jus à sentença de George Bernard Shaw: “quem, no limiar da vida, não for um vibrante incendiário, sequer será um medíocre bombeiro na velhice”. O pior para o homem é não ser nada. Segundo a sabedoria popular nordestina: “Não ser carne nem peixe”. A vida reclama do homem afirmações, que se sucedem ante reptos sem cessar. Do nascer ao morrer. Ensinamento de Nosso Senhor Jesus Cristo definiu o caráter do homem: “Que o seu sim seja SIM, e o seu não seja NÃO”. São vivas palavras de São João Paulo II : “A  desgraça do nosso tempo é a degradação do ser humano, às vezes planejada por ideologias e sistemas políticos ou econômicos. Precisamos resistir e reconstruir o valor sagrado do homem”. Assoma, então, o ensinamento de Protágoras (séc. V a.C): “o homem é a medida de todas as coisas”. Princípio incorporado ao humanismo cristão por Santo Agostinho. Indefinidamente.  
 A vida possui ciclos, etapas, veredas, alternativas e desdobramentos. Nos anos de 1970, numa irrupção de estupidez, imbecilidade e arbítrio, a censura e o obscurantismo reprimiram no Brasil, entre tantas coisas, edições de clássicos como Aristóteles, Maquiavel, Voltaire, Montesquieu, Rousseau. Mas a juventude não cedeu à escuridão das trevas. Mesmo sem o saber, até instintivamente, soube honrar a última exortação, universal, peremptória e atual de Goethe: “Mais Luz!”! !”! Como escapar da “marcha da insensatez”? Eis enigma que desafia a humanidade em todas as épocas e civilizações. Porque, infelizmente, ela pode infiltrar-se no coração do homem. Como? Quando se processa o despojamento dos seus atributos inalienáveis e imprescritíveis, que lhes foram outorgados por Deus. Quando se renuncia à faculdade de pensar, questionar,  descobrir, criar, inovar, buscar e descortinar. Essa renúncia, abdicação espúria e vergonhosa, é a fonte germinal de todos os regimes autoritários: desumanos, intolerantes e boçais. É o estigma do retrocesso, do medo e da subserviência. O mundo viu isso ontem. Esse obscurantismo tolhe a condição humana. Avilta-a. Deforma-a. Irrompe por fanatismo, ódio, violência, histeria, sectarismo político-ideológico, revanchismo,  intolerância de uns com os outros, cinismo, estupidez e ignorância. Tudo realimentado insanamente por redes sociais, que usurpam o legítimo direito de discernir das pessoas.
É preciso entender que o Brasil é, sobretudo, uma cultura. É a “civilização multirracial dos trópicos” – conceituou Gilberto Freyre. Ainda que essa nação, cultura e  civilização incorporem ideais, valores e crenças universais, nascidos em outros tempos e em outros povos. 
Particularmente nos dias de hoje, em que ideias, hábitos, costumes e motivações se universalizam instantaneamente. O Brasil não pode ser garroteado num processo de idiotização, no qual grupos políticos, chantados em visões e modelos ultrapassados, obsoletos, disseminam retrocessos. Tentam subverter, modificar e adulterar a cultura, valores e tradições do povo. Vulgarizam o mal, a imbecilidade, a irresponsabilidade, a dissolução de costumes e a leviandade, numa ação degradante para nivelar tudo e todos por baixo. Em sua grande maioria são pessoas medíocres, radicalizadas e despreparadas, que se locupletam de poder para uso infame e ultrajante. Não têm compromisso efetivo com a democracia representativa e suas instituições. Foi o caso da idiotice, anos atrás, da tentativa de mutilar o direito constitucional de livre informação (pilastra da democracia) mediante submissão dos meios de comunicação à “supervisão” do Estado (Executivo). Em países civilizados e pluralistas violações legais são apreciadas exclusivamente pelo Judiciário. Erros e abusos se sucedem.
Amplia-se o fosso, o divórcio entre o pensar e o querer da maioria do povo e ações e pretensões descabidas de governantes. Mas a lucidez vai predominar. Pois a nação é pacífica e sensata. Não é em vão que a obra genial de Cervantes , “Dom Quixote de la Mancha”, é canto universal de direitos do homem: de sonhar, pensar, amar e sentir a vida. A civilização enfeixa posturas de todos os homens sem exceção. É inadmissível  o uso público por autoridades de termos chulos e obscenos, além de não estimularem convergência e paz social. O momento exige seriedade, serenidade e responsabilidade. A pirotecnia verborrágica despreza os sofrimentos do povo, que amarga desespero e agoniza com a pandemia (mortalidade), desemprego, pobreza e miséria infame. Idiotizar jamais!
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