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Entrevista com Navarro

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Saindo da posse de Ticiano Duarte, Sônia Cavalcanti, secretária da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, sempre muito gentil, me dá uma penca de revistas da Casa. São publicações que muitas vezes não  tem o seu valor reconhecido, mais que trazem colaborações de bom texto, de boa qualidade literária mesmo. Algumas até preciosas Mas que pouquíssimas pessoas lêem. Inclusive, os acadêmicos. Tirando o digitador, certamente o revisor e uns raros pesquisadores, acrescente-se nesse caçuá mais uma dúzia de leitores eventuais. Me incluo nessa última categoria, derna ainda do tempo de Manoel Rodrigues de Melo, passando por Veríssimo de Melo, grandes incentivadores das publicações da Academia. De uns anos pra cá a tarefa de editar a revista foi de João Wilson Mendes de Melo, que saía pelo mundo afora distribuindo seus exemplares. Agora é de Manoel Onofre Jr. Os números que Sônia me deu, uma meia dúzia, tem o jamegão de Manoel Onofre. Quando cheguei em casa, verifiquei que alguns eram duplicatas. Terei o cuidado de levá-los para alguns amigos de São Paulo do Potengi, cobradores dessas leituras.

A revista nº. 33 vol. 45, de janeiro/junho de 2002, contêm uma preciosidade: uma entrevista com Newton Navarro. Certamente a mais completa entrevista do nosso maior pintor e poeta. Foi dada ao Museu da Imagem e do Som de São Paulo, nos idos de 1982, quando Navarro expôs na capital paulista os seus desenhos sobre Futebol e que foram reunidos, depois, num excelente álbum publicado pelo Arquivo Histórico do Estado de São Paulo. Essa entrevista foi resgatada por Marcos Silva, natalense, historiador e professor da USP, que fez a transcrição da gravação, editou o material e sua apresentação, agora publicada na íntegra pela revista da Academia. Vou botar a minha colher de pau nessa panela, dando uma sugestão, por exemplo, ao editor Abmael Silva ou ao  designer-editor Marcelo Mariz. Pode servir também, data vênia, às instituições culturais do Estado, começando pela própria Academia: Por que não transformar a entrevista de Newton Navaro num livro-álbum, ilustrando-o com seus desenhos e sua pintura, centenas de reproduções que podem ser feitas e selecionadas, sem esquecer dos preciosos desenhos sobre futebol?

Bastaria pouco mais de um por cento do que o Governo do Estado gastou com bandas para tocar em carnavais fantasmas. Vinte, trinta mil reais, seriam o suficiente para se fazer um belo livro, não seriam Abmael? Ah, com l milhão e 200 mil reais! Desses que foram escandalosamente roubados do Erário, quanta coisa não se faria em favor da cultura. Pra começo de conversa dava para editar, uns cem livros, pegando todos esses autores norte-rio-grandenses já anotados nas excelentes antologias de Tarcisio Gurgel, Constância Duarte e Diva Cunha. Entre eles os clássicos de nossa literatura, esgotadíssimos. Edições de 500 a l mil exemplares, o suficiente para serem doados a todas às bibliotecas do Estado, incluindo as das escolas públicas, estaduais ou municipais. A garotada iria descobrir nossos escritores e poetas. Um tesouro a qual eles nunca tiveram acesso. E ainda sobraria uma grana extra para gravar uns 30 ou mais CDs aproveitando esses músicos que não tocaram nos carnavais que não existiram. Acho que ainda restaria um saldo razoável para se fazer muito mais.

Navarro aponta nessa entrevista as influências que predominaram na sua criação artística. Cita nomes como Reinaldo Fonseca, Cícero Dias, Aloísio Magalhães, Lula Cardoso Ayres, Goeldi, Aldemir Martins, Di Cavalcanti, Pancetti. Referiu-se também ao Movimento de Arte Moderna de 22 e aos Impressionistas, lembrando quando viu pela primeira vez uma tela de Gauguin. Foi  em Buenos Aires: “Eu fiquei um dia todinho quase, eu me lembro assim, sem alimento, para ficar deslumbrado diante de uma tela de Gauguin, uma autêntica tela, já do final da fase de Taiti (…)”.

Na literatura as principais influências foram Monteiro Lobato (sua primeira leitura), José Lins do Rego, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Luís da Câmara Cascudo. Faz uma referência especial a Cascudo e a sua admiração pelo folclore, a sua descoberta da cultura popular, o registro ao Dicionário do Folclore Brasileiro.  Navarro ressalta essa influência do folclore no seu desenho: “O meu desenho tem muita coisa influenciada pelo folclore. As danças populares, tudo, tudo, os folguedos, tudo, tudo, baseado no que eu estudei do Cascudo, e que, mostro a ele, e que vou mostrar. Já tenho ilustrado até trabalhos dele já, livros publicados”.

E já que estamos nas vésperas da Copa do Mundo faz uma revelação. O poeta também batia suas peladinhas. Olhe aí Everaldo, o que conta Navarro lembrando dos tempos de seus 14 anos de idade:

– Eu não fui um menino, muito assim, a princípio solto. Me lembro que depois desses 14 anos de vivência na casa da minha avó, a minha mãe teve que se transferir para a periferia da cidade. Ela era professora pública e tinha uma escola, em que ela lecionava e morava também na própria casa. E nessa escola que minha mãe dirigia, a recreação dava para um pátio (…) E eu via os meninos jogarem as peladas de bola-de-meia. Mas eu era muito fechado, muito proibido, um pouco pelo estado de saúde. Eu tinha muita inveja de não ter aquela liberdade, quer dizer, eu vim brincar isso já nas praias, depois dos meus 17 anos. Jogava uma besteirinha na praia, mas sem aquela marcação. Eu não sei se era ponta, ou se era artilheiro, ou se às vezes era goleiro, conforme a improvisação…

Segundo Newton Navarro o mestre Luís da Câmara Cascudo não era muito chegado ao futebol. Não ia aos estádios, aos campos. Mesmo assim fez muitos elogios ao álbum de Newton:

– O próprio Cascudo, que é assim, um pouco avesso – se ele me ouvir dizer isso, diria que é mentira. Mas como eu estou falando aqui, e ele hoje tá surdo… – ele não gosta muito de futebol. Quero dizer ele não gosta, embora seja uma coisa popular. Mas ele, não. Ele não vai muito, ele não vai a campo. Mas ele ficou deslumbrado com o álbum, né? Eu dei pra ele.”

Navarro começa a entrevista falando de sua infância em Natal, onde nasceu no dia 8 de outubro de 1928. Destaco o trecho:

– Um retorno ao tempo perdido… Um movimento proustiano, quase. Remonto, assim, nesse instante da minha memória, à minha cidade, Natal, ao coração da cidade mesmo, centro da cidade, chamado Grande Ponto. Casa da minha avó, onde eu nasci e passei os meus primeiros 12 anos de vida. Minha mãe, professora primária, meu pai, um dos classificadores de algodão, modéstia parte, da melhor qualidade na época, porque ele vinha de uma família interiorana, inclusive parentes até vaqueiros, coisa que me honra muito e que deu assim uma autenticidade muito grande, muito marcante, em certa fase da minha pintura, do meu desenho, e ainda hoje, assinalo essa presença do sertão, do lado telúrico por parte do meu pai que me contava histórias e que, nas férias escolares do meio do ano e do fim de ano, geralmente passava na fazenda dos parentes, dos tios, dos irmãos do meu pai.

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