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Entrevista com Simone

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Júlio Maria AE
Há uma Simone que o tempo esconde sob os escombros do escárnio desde o final do ano de 1995, quando um álbum natalino inspirado no que fazem cantores norte-americanos e europeus desde os anos 50 saiu para se tornar um dos virais mais avassaladores da pré-internet. Então É Natal, versão de Happy X-Mas, de John Lennon, teve dois impactos. Simone tomou o País, vendeu muito e se tornou ainda mais conhecida ao mesmo tempo que sua imagem passou a sofrer o desgaste do estigma. Em poucas semanas, Então É Natal se sobrepunha com peso desproporcional à carreira de uma das maiores vozes do País, que Quincy Jones ouviria se tivesse um último pedido a fazer. Um histórico de álbuns poderosos desde a estreia, em 1973, imagens de ginásios lotados nos anos 80, interpretações icônicas como a de Começar de Novo, de Ivan Lins, e uma corajosa apresentação de Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores, às lágrimas, diante de 90 mil pessoas ainda sob as ameaças e os camburões de 1982.
Simone fará 70 anos em 25 de dezembro, Natal. Ela recebeu o jornal  na sede da gravadora Biscoito Fino, no Rio, e falou sobre os momentos em que diz ter sido “colocada no pau de arara”, muitos deles por gravar artistas considerados brega, como José Augusto e Michael Sullivan. Falou das dificuldades em arrastar sua carreira para as redes sociais e passou pelas pendengas políticas citando Cazuza: “O meu partido é um coração partido”.
Simone
Haverá algo para seus 70 anos?
Estou começando a fazer a fundação do disco novo. Não tenho essa ânsia de gravar, mas vou te dizer uma coisa: ainda vou fazer um álbum cantando todos eles. José Augusto, Peninha, Wando. Quero cantar Fogo e Paixão. Amado Batista, Odair José. Ah, que preconceito é esse. Sempre preferi que o cantor dissesse logo: “Eu te amo, estou com tesão”. Pra que rodear tanto? (risos)
Para uma geração inteira, não ter vida digital é não existir. Acha que sua carreira deve passar por uma renovação nesse sentido?
Acho que demorei um pouco, mas ela está sendo feita. Confesso que não tenho paciência. São muitas mídias e eu sou muito presencial, não tenho esse hábito, esse vício. Nunca fui escrava disso, não sou celular e não vou sacrificar minha vida pra dizer que eu existo porque eu existo. 
Você tem uma série de grandes álbuns nos anos 70, mas algo parece mudar nos 80, com uma ideia de discos mais vendáveis. 
Eu nunca rotulei nada. Até hoje ouço uma canção e, se gosto, gravo. Não quero saber quem fez, se é brega ou não é. A minha vida é assim. Não tenho preconceito. Se a pessoa é magra, gorda, preta, branca, é gente. Você pode fazer tudo o que quiser desde que assuma o que faz. E tudo o que eu fiz na vida eu assumi. Coisas boas ou não, bem feitas ou não. Era aquilo. Se eu estava frágil, se minha cabeça não estava legal, era aquilo. Na minha casa ouvíamos Elizeth Cardoso, Angela Maria, Orlando Silva, Dalva, Silvio Caldas, Orlando Dias, Cauby, que eram bregas, e ópera, que meu pai adorava. 
Você tinha noção dos lugares para onde sua carreira iria de acordo com o que gravava?
Não. Olha, por exemplo, Jura Secreta. Quem iria imaginar que Jura Secreta iria se tornar uma música popular? Ninguém. O Amanhã! Quem iria imaginar, a última música do disco. Mas ninguém havia pego um samba-enredo mais lento e gravado daquele jeito. Eu posso reclamar de algumas coisas. Os tons das músicas eram muito altos, era até onde você aguentava. E o Amei Demais (1988), do Sullivan e Massadas, não é uma música boa, eu não a gravaria de novo, eles têm músicas melhores.
Cantoras como Gal, Maria Bethânia e até Elis também fizeram esse movimento de gravar compositores considerados bregas. Gal gravou Um Dia de Domingo, de Sullivan e Massadas, por exemplo, e Bethânia gravou É o Amor, de Zezé e Luciano, e um disco inteiro de Roberto Carlos. E, mesmo assim, elas se tornaram cult. Sente um patrulhamento diferente sobre você?
Você sabe me responder isso?
Você tem essa percepção?
Não sei, não tenho uma máquina pra saber. Minha voz é bonita, eu tenho um timbre maravilhoso, sou uma pessoa atrevida, não levo desaforos para casa, sei que sei cantar. Não é justo.
O que não é justo?
Eu faço parte da música popular brasileira. Eu faço parte. O meu nome está lá, eu estou lá. Eu fui atacada porque cantava bolero, porque ia para a praça pública, porque gravava José Augusto, porque não votava no Lula, porque gravei um disco de Natal, mas eu nunca escondi o que iria fazer e nunca fui pau-mandado. Acho horrível pessoas sem posicionamento.
Vem 1995 e você faz o álbum de Natal.
E me botam no pau de arara. Tanto que, logo depois, eu fiz o disco com Martinho da Vila (Café com Leite), um disco maravilhoso, mas o Martinho não era o Paulinho. Martinho não era cult. Sobre o disco de Natal, eu estava em Miami. Entrei em uma loja de discos e parei na ala que, meu Deus, só tinha discos de Natal gravados pelos maiores cantores do mundo. Bem, eu nasci em um 25 de dezembro, minha mãe conta que os sinos tocavam. O Natal tem um peso enorme na minha vida. Eu então liguei para o Marcos Maynard (então da gravadora Polygram) e disse: “Tenho uma ideia, estou chegando em dois dias, vamos nos encontrar? Não leve ninguém”.
E então?
Quando contei a ideia, ele disse “p… que pariu, c…!”. E foi assim. Uma música, apenas uma, e todo mundo ouvia. O problema é que cantada pelo John Lennon podia. Por mim, não. E as pessoas diziam, ‘ah, mas você fez um disco de Natal’. Claro que tem inveja nisso. A música tocou, eu fiquei conhecida do público, o disco vende até hoje e eu faria tudo de novo, não tenho a menor vergonha do que eu fiz na vida.
Havia 90 mil pessoas no Morumbi em 1982 para um show coletivo e você cantou Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores ainda na ditadura. Não teve medo?
Não vou dizer colhão porque eu não tenho, mas tive coragem. Eu fui até ameaçada de morte. O Flávio Rangel (empresário) chegou na minha casa quando estávamos fazendo o repertório e disse: “Meu amor, eu vou te falar o nome de uma música e você pense por 48 horas se quer ou não cantá-la. Ela poderá trazer problemas”. Eu disse, “diga logo”. Ele disse: Caminhando. E eu: “Quando?”. Depois disso, cheguei a cantar em shows com a polícia jogando gás lacrimogêneo no palco. Uma vez, em Brasília, veio um recado do coronel Newton Cruz: se eu fizesse algum gesto no palco, iria presa.
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