Os grandes consumidores de energia elétrica têm obtido decisões judiciais favoráveis contra concessionárias de energia elétrica, assegurando que se pague pelo que efetivamente foi consumido, e não pelo volume contratado. Em períodos de normalidade, importa assinalar que é pacífica a orientação de que a previsão em contrato de cobrança de energia por demanda, e não pelo consumo, para os grandes consumidores, não revela ilegalidade ou abusividade, eis que é ajustada no interesse do contratante e tem previsão na Lei 8.616/1993 e na resolução 456/2000 da Agência Nacional de Energia Elétrica (STJ, REsp 609.332/SC, rel. Min. Eliana Calmon).
Créditos: Marcelo Casal Jr.
Agência Nacional de Energia Elétrica negou pleitos em 2020, durante os efeitos da pandemia

Ao longo de 2020, a ANEEL negou pleito dos grandes consumidores que buscavam aliviar a cobrança das faturas durante a vigência das medidas de enfrentamento à pandemia, a pretexto de ocorrência de possíveis riscos de danos sistêmicos ao setor elétrico. Com efeito, as médias e grandes empresas, tais como shoppings centers, instituições de ensinos, hotéis, restaurantes, clubes, dentre outros, com o intuito de reduzirem os seus custos, celebram contratos com distribuidoras com preço pré-definido, tendo direito a uma quantidade determinada de energia elétrica.
Isso assegura que o sistema elétrico suportará a carga correspondente ao conjunto de energia, e, de outro lado, as empresas comprometem-se a remunerar a distribuidora por todo o valor da demanda contratada, e não apenas por aquilo que efetivamente utilizarem, por um valor inferior àquele que seria cobrado em caso de contratação livre.
A previsão no Código Civil, em seus arts. 317 e 393, da teoria da revisão contratual adota a noção de que o vínculo obrigacional não é estático, devendo ser assimilado como um vínculo dinâmico, a par da lógica da manutenção do equilíbrio econômico, com o propósito de assegurar trocas úteis e justas.
As medidas sanitárias de isolamento social e a restrição de funcionamento de atividades impactam o faturamento e a atividade empresarial, de sorte que a continuidade da cobrança das faturas por demanda contratada, sem flexibilização dos termos econômicos contratados, implicaria excessivo prejuízo à empresa contratante, que, por fatos alheios à sua vontade, encontra-se impossibilitada de exercer suas atividades regularmente.
Caso não haja a intervenção judicial, há o fundado receio de que a empresa contratante venha a sofrer protestos e até a suspensão do fornecimento da energia elétrica, o que pode conduzir a danos irreparáveis consubstanciados na inviabilidade da atividade econômica, com consequências catastróficas para funcionários, fornecedores e toda a cadeia econômica.
Na ação de revisão a ser ajuizada perante a Justiça Estadual, deve a empresa contratante demonstrar o impacto efetivo das restrições na sua atividade econômica, não servindo a mera alegação como prova para obter a revisão judicial (TJSP, AI 2180465-72.2020.8.26.0000), e o pedido é formulado contra a distribuidora de energia, de sorte que não existe interesse jurídico na intervenção da ANEEL como parte ou assistente (STJ, REsp 1389.471-RS, rel. Min. Herman Benjamin).
Registre-se que, dentro da ótica da repartição equânime dos efeitos da pandemia, há ainda decisões judiciais que determinam o pagamento de metade do valor contratado até o fim da pandemia (TJSP, AI 2149279-31.2020.8.26.000, e TJSC, APL 50006240220208240104). Além da incidência da teoria da imprevisão, assinale-se que, para afastar risco sistêmico ao setor elétrico, o Governo Federal chegou a editar o Decreto 10.350, dispondo sobre a criação da conta destinada ao enfrentamento do estado de calamidade pública (conta-covid), com o propósito de mitigar os impactos de caixa sofridos pelas concessionárias de distribuição de energia.