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Equilíbrio no campo e na mesa

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O colorido de hortas e lavouras enche os olhos, mas nem sempre é garantia ao consumidor de levar produto saudável para casa. A aplicação de agrotóxicos e outros produtos químicos é responsável por deixar a agricultura fora da chamada “economia verde” – no que concerne a baixa emissão de carbono e eficiência no uso de recursos naturais. Mudanças no manejo do solo e recursos hídricos, entretanto, podem e estão transformando a realidade no campo.

Em Gramorezinho, na zona Norte de Natal, o projeto de agricultura orgânica Amigo Verde, implantando pelo Ministério Público do Estado, por meio da Promotoria do Meio Ambiente em parceria com  instituições públicas e privadas, eleva a agricultura familiar ao patamar de “economicamente sustentável e socialmente inclusiva”.

A eliminação de agrotóxicos, defensivos químicos e fertilizantes artificiais substituídos por adubos naturais permite manter o equilíbrio do ecossistema – sem comprometer a produtividade – e afasta o risco de contaminações dos lençóis freáticos. E foi o primeiro passo na busca pela certificação e reconhecimento de orgânicos.
Agrotóxicos foram substituídos por adubos naturais
A comunidade, no bairro Lagoa Azul, é área de interesse social, banhada pela bacia hidrográfica do Rio Doce, manancial responsável por  abastecer parte da capital com água potável. Estima-se que 80% dos vegetais adquiridos na Grande Natal sejam cultivados na localidade.

A transição do modelo convencional do plantio praticado a pelo menos 40 anos sofreu, inicialmente, resistência por parte dos agricultores. Mais que o aspecto cultural em abandonar velhos hábitos, a implantação coincidiu com o período de estiagem severa no ano passado contribui para isso. Sem os estimulantes artificiais e com a seca, a produção amargou queda de 70%.

“Isso trouxe desconfiança e precisou de um empenho maior para mostrar, para conscientizar que é possível e mais proveitoso fazer uma agricultura sustentável”, lembra a promotora do meio ambiente, Gilka da Mata.

Ao todo, 120 famílias – aproximadamente 500 pessoas – se beneficiam diretamente do projeto, segundo dados da promotoria do Meio Ambiente, e indiretamente toda a população da cidade.

O desafio, explica a coordenadora técnica do projeto Ana Cláudia Souza, é ampliar a produtividade sem comprometer ainda mais as fontes de recursos naturais.

Apesar do prejuízo inicial, o  agricultor e feirante Erivando Monteiro da Silva, de 49 anos,  calcula já ter recuperado cerca de 40% da área cultiva. A propriedade onde antes se cultivava apenas coentro, alface e cebolinha, hoje conta com variedades de hortaliças, grãos, frutas, ervas medicinais e até flores e plantas ornamentais.

O formato também mudou. Em vez de cultivar diretamente no solo, o uso de balcões de madeira foram aplicados, o que reduz a demanda por água e  adubo. O agricultor tem testado ainda uso de paletes, muitas vezes descartados pela

A diversificação de produtos e melhor aproveitamento de áreas, obedecendo o ciclo natural das plantas, que permite o planejamento de vendas é método usado na agricultura sustentável. Desta forma, evita a escassez de produto no período de entressafra. “O terreno é bom, mas não sabia aproveitar e ficava refém do veneno para fazer tudo crescer e poder atender os pedidos”, afirma o agricultor.

O uso irrefreado dessas substâncias no processo de produção dos alimentos quase causou a morte do trabalhador rural, que chegou a passar dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) devido ao grau de intoxicação, pela inalação durante a aplicação do produto. “É um veneno”, repete.

Embora com produção menor, o agricultor ressalta que as mudanças tem se mostrado mais rentáveis. As hortaliças sem uso de agrotóxicos são mais valorizadas e  comercializadas de forma direta, em feirinhas verdes. “O mesmo pé de alface que antes eu passava por R$ 0,20 hoje vendo a R$ 1,00. Sem falar na qualidade”, analisa. Os rendimentos aumentaram em mais de 50%, avalia o agricultor.

Mudança de hábitos no manejo e cultivo

Mudar hábitos e semear conhecimento é o principal fruto colhido pelo projeto Amigo Verde, na avaliação da promotora de meio ambiente Gilka da Mata. “Este é o maior ganho, é saber que esse conhecimento será repassado adiante, entre as gerações e vai mudar a qualidade de vida, a forma de cuidar de si sem prejudicar o meio ambiente”, disse. “Investimos em recurso intelectual e não em construção de galpões, de prédios”, acrescenta.

A mudança não se limita as práticas de manejo e cultivo praticadas a pelo menos quatro décadas e repassadas por famílias de agricultores da região. Mas atinge também a forma como os agricultores passaram a se enxergar. A comunidade era alvo de discriminação, vista como um “matador”, pela violência, afirma o presidente da Associação de Moradores e Amigos de Gramorezinho, Jarian Gomes de Lima. “Com o projeto melhoramos a qualidade de vida, de renda e passamos a ter orgulho do cinturão verde que é Gramorezinho”, enfatiza. A associação é responsável pela administração dos recursos e também de cadastrar, recolher e transportar a mercadoria para as feirinhas. 

Pesquisa e tecnologia desenvolveram produção

A atividade rudimentar no campo tem se transformado em um laboratório à céu aberto com experiências exitosas. Novas tecnologias tem melhorado, à baixo custo, o rendimento da plantação das 120 famílias de Gramorezinho. O uso da compostagem, adubo natural feito a partir da fermentação de folhagens e enriquecimento de minerais é uma das novas práticas incorporadas ao manejo. O chorume que escorre da mistura é usado como repelente.

Outras formas de conter e eliminar pragas estão sendo testadas nos terrenos. O agricultor Agrício Macário Duarte, de 55 anos, testa uma solução à base de água, detergente neutro e mel espalhados em garrafas PET enterradas no meio da plantação para combater insetos, como o besouro conhecido como “rola bosta” e cachorrinho d’água. “Antes usava muito pesticida, gastava muito e hoje consigo conter esses insetos que destroem tudo”, afirma.

A plantação de rúcula, agrião, couve, abobrinhas e tomates cerejas é novidade para Agrício que a meio século trabalha com a terra.

Um convênio firmado no passado entre o Ministério Público Estadual e a Petrobras, rendeu investimento  de R$ 1 milhão ao projeto, além de assegurar assistência técnica da Emater, Sebrae e Ufersa. Durante doze meses, até julho passado, as famílias receberam subsídio de R$ 400 por mês. “Sozinho o Ministério Público não conseguiria”, frisa Gilka da Mata.

O cadastramento de áreas cultivadas, produtores e produção está sendo realizado, dentro das etapas da certificação OCS para produtos orgânicos e posterior obtenção do selo do Ministério da Agricultura. A primeira etapa é feita com 35 lotes.

“A ideia é fazer o mapeamento, o diagnóstico de como encontramos a área e monitorar a produção, o uso de adubos, das técnicas empregadas, além de servir ao rastreamento do produto”, explica o engenheiro agrônomo Luís IV da Câmara Jácome, do Sebrae.

A parceria resultou ainda em capacitação para inserção dos produtos no mercado e a realização semanal de feiras agroecológicas. Outra proposta tem agradado a consumidores e se mostrado mais viável, logisticamente, para os produtores: a cesta verde.

Antes mesmo de ter o reconhecimento como orgânicos há boa aceitação  os consumidores e retorno financeiro, que tem melhorado a vida das famílias, acrescenta a coordenadora técnica, Ana Cláudia Souza. “É preciso também um trabalho educativo junto ao consumidor”, diz. As cestas são comercializadas em condomínios fechados e empresas.

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