terça-feira, 14 de maio, 2024
25.1 C
Natal
terça-feira, 14 de maio, 2024

Escolas do Rio Grande do Norte tentam recuperar tempo perdido

- Publicidade -
Felipe Salustino
Repórter
O mês de julho de 2021 marcou o início da retomada das aulas presenciais no Rio Grande do Norte, depois de 14 meses de escolas fechadas por causa da pandemia. Os prejuízos para os estudantes nesse período, portanto, são irreparáveis, conforme avaliação da Secretaria de Estado da Educação, da Cultura, do Esporte e do Lazer (SEEC/RN). Para tentar minimizá-los, a pasta pretende adotar algumas medidas. Um delas é a instalação de um centro de mídias para interligar todas as 16 Diretorias Regionais de Educação. O acréscimo do número de aulas na rede está descartado, pelo menos por enquanto. 
Secretaria Estadual de Educação pretende utilizar tecnologia para tentar compensar período de aulas remotas. Natal ainda não tem planejamento para o problema
“Não é nossa perspectiva agora. Nós não temos sequer espaço para fazer o aumento dessas aulas”, revelou o secretário estadual de Educação, Getúlio Marques. O titular da SEEC avalia que o fator cognitivo é o mais afetado pelas perdas causadas com o fechamento das escolas. Mas não é apenas isso: “Os prejuízos são emocionais e de aprendizado. Dependendo das tecnologias e condições de cada escola a partir de agora, iremos levar de cinco a dez anos para que os alunos alcancem o valor cognitivo que já deveriam ter. É uma perda irreparável”, lamenta.
O secretario aposta na tecnologia para tentar amenizar os danos. Segundo ele, esse é o legado positivo da pandemia, embora parte expressiva dos estudantes tenha deixado de acompanhar aulas remotas em função da falta de equipamentos ou de acesso à internet. “Precisamos ter um conjunto de novas iniciativas com tecnologias ativas. Então, nós vamos trabalhar muito com isso”, afirmou Marques. Uma dos investimentos nesse sentido é o centro de mídias, um espaço interligado entre todas as Diretorias de Educação onde os professores poderão ministrar aulas ao vivo ou gravar conteúdos que ficarão disponíveis no YouTube e no SIGeduc.
O modelo ainda está sendo estudado e será debatido com o corpo docente do Estado. Segundo a SEEC, o projeto está em fase de finalização e deve ser implantando nos próximos meses. Os conteúdos, de acordo com a Secretaria de Educação, terão como objetivo complementar a jornada de estudos do aluno. Além disso, outros investimentos em tecnologia irão ocorrer, com o intuito de melhorar a qualidade do ensino na rede estadual.
Esses investimentos, segundo Getúlio Marques, integram o terceiro eixo do Programa Nova Escola Potiguar (PNEP), lançado pelo Governo do Estado na sexta-feira, 30 de julho. Estão previstos, dentro do eixo Geração Conectada, novos laboratórios de informática, compra de chrome books, internet banda larga nas escolas e modems para estudantes em situação de vulnerabilidade.
“Mais de 6 mil chrome books deverão chegar até o final do ano. Eles serão utilizados pelos professores. Já estamos adquirindo alguns laboratórios e vamos instalar internet em todas as escolas, inclusive em áreas rurais. A rede será por fibra ótica ou por rádio comunicação. Os alunos que moram distantes do local de estudo,  a partir de um raio de 15 km, terão modems. Estamos negociando para que cada escola receba 200 modems”, afirmou o secretário.
Natal
A Secretaria Municipal de Educação de Natal (SME/Natal), a exemplo da SEEC, reconhece que os meses de escolas fechadas acarretaram inúmeros prejuízos para o aprendizado dos alunos. A SME/Natal disse que a prioridade da pasta, neste momento, é o processo de retorno presencial de todas as etapas educativas da rede, com o propósito de reduzir as perdas vivenciadas.
“Os prejuízos provenientes da pandemia são de diferentes naturezas, relacionadas, por exemplo, aos aspectos sociais e emocionais, ao programa de alimentação e nutrição, aos processos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, jovens e adultos e, ainda, à estrutura das unidades de ensino que ficaram em desuso”, admitiu a secretária-adjunta de Gestão Pedagógica da SME/Natal, Naire Jane Capistrano. 
A pasta municipal alegou que “projetos e ações com o propósito de recuperar e reverter esses prejuízos serão apresentados e executados quando se efetivar todo o processo de retorno presencial” das escolas do Município.
Além de Natal, poucos municípios potiguares retornaram com as aulas presenciais, segundo informações da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Essas cidades se comprometeram a cumprir a carga horária mínima exigida para um ano letivo (de 800 horas). “Mas a quantidade de dias ou horas/dia são diferenciados, de acordo com a realidade de cada município, porque alguns conseguiram finalizar 2020 [o ano letivo] e começar 2021.
Outros não”, afirma a presidente da Undime/RN Joária de Araújo Vieira.
“Essas cidades, conforme a gente acompanha, estão readaptando o planejamento escolar, porque a gente sabe que os alunos, principalmente em processo de alfabetização, não têm conseguido acompanhar as aulas. A Undime orienta que os municípios façam um diagnóstico sobre isso e tratem cada caso isoladamente, para saber como se dará, de fato, o retorno”, esclarece Vieira.
Prejuízos são maiores para os anos iniciais
As dificuldades com o ensino remoto não se restringem somente a limitações relacionadas à falta de equipamentos ou internet para estudar. Aqueles que têm a oportunidade de acompanhar as aulas também são afetados por variadas perdas. Para os alunos das séries iniciais, os danos são ainda mais gritantes, conforme avaliação de especialistas ouvidos pela TRIBUNA DO NORTE. São perdas que impactam os aspectos cognitivos, psicomotores e emocionais das crianças.
A manicure Narrara Natielle, de 31 anos, observa esses efeitos bem de perto. Dos cinco filhos, três estão em idade escolar. Nauã, de 10 anos, ainda enfrenta muita dificuldade para ler. Com o advento do ensino remoto, Narrara revela que a situação se complicou. “Ele nem está tendo aula. Eu vou até a escola, pego as atividades, ele faz e eu vou entregar”, conta.
Sem a rotina de ir à sala de aula, a manicure, moradora da Vila de Ponta Negra, afirma que as crianças ficam agitadas. “Eles ficam em casa sem amigos e sem ter com quem brincar. É uma agitação só. Na escola, além de aprender, eles brincam, conhecem outras crianças”. Ela também acredita que Nauã poderia ter desenvolvido melhor a leitura se não tivesse todo esse período sem aula. “Acho que ele teria aprendido alguma coisa nova”, diz.
Narrara conta que paga aulas de reforço para que as crianças tenham auxílio na hora de realizar as tarefas. “Pago R$ 120 por mês para que uma pessoa ensine aos dois mais novos. Eu queria poder pagar para o mais velho também, mas não dá”. Além de Nauã, que está no 4º ano do Ensino Fundamental, Narrara é mãe de Régis, de 13 anos e de Luan, de 16. Todos estudam em escolas da rede municipal de Natal.
Para Gustavo Fernandes, mestre e doutor em Educação e professor de pedagogia da UNINASSAU, o ensino remoto para os pequenos se torna mais complicado porque exige a participação das famílias. “Quanto mais a criança for pequena, mas os prejuízos aumentam, porque muitas vezes ela não tem competência ou habilidade para se inserir no universo da tecnologia e manusear aparelhos e aplicativos. Para quem está iniciando o processo educativo, o ensino remoto implica em muitas perdas”, explica.
A especialista em Educação do Unicef Brasil, Verônica Bezerra, chama a atenção para riscos ainda maiores. “O Unicef notou, com o advento do ensino remoto, o aumento dos casos de violência doméstica contra meninos e meninas. O aluno que não está na escola também perde os benefícios da segurança alimentar. Por essas questões, nós entendemos que Educação é proteção e a escola, no nosso entendimento, é esse local protetivo”, sublinha.
Já a presidente da Undime/RN Joária de Araújo Vieira, reforça que a permanência das crianças fora de sala de aula tem reflexos nas questões socioemocionais e também na aprendizagem. “Mas a gente ainda não consegue mensurar as dificuldades que esses alunos vão ter com o retorno presencial”, aponta. “Tem também a questão da evasão escolar”, alerta. Uma pesquisa do Unicef apontou que 24,9% dos potiguares, com idades entre 6 e 17 anos, não estavam frequentando a escola em novembro de 2020. “A evasão escolar é uma das nossas preocupações”, confessa Vieira.
Tecnologia
Os especialistas ouvidos pela TRIBUNA DO NORTE veem de forma positiva o uso da tecnologia para melhorar o ensino presencial. “É um plus, digamos assim, porque são elementos que vão ajudar o professor a melhorar a qualidade da aula, haja vista que os professores dominam melhor as ferramentas, decorrentes do uso delas no ensino remoto”, diz Gustavo Fernandes, professor da UNINASSAU.
Verônica Bezerra, do Unicef, reconhece que as tecnologias vieram para ficar, mas chama atenção: “Elas não dispensam o ensino presencial. Claro, essa mediação tecnológica dentro do processo de aprendizagem não vai sair de cena”, prevê. Questionada se o aumento da carga horária para os estudantes aliada à tecnologia poderia reduzir os prejuízos da pandemia, a especialista foi enfática:
“É preciso recuperar o tempo perdido, mas isso não é uma tarefa que se faz por uma oferta extravagante de conteúdos, por meio de mais horas/aula. É um exercício que precisa ser discutido para que a gente entenda como as oportunidades de aprender vão fazer jus ao déficit que existe no Brasil, acumulado na pandemia por problemas históricos. Precisamos de uma escola que faça sentido”, sublinha.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas