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Escolas públicas fecham turnos por falta de alunos

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Wagner Lopes – Repórter

Em outubro de 2010 a diretora da Escola Estadual Winston Churchill, Maria Eliane Silva de Carvalho Han, enviou um ofício à Secretaria de Educação com uma solicitação no mínimo inusitada. Ela pedia o fechamento do turno noturno de aulas. Os motivos do pedido são variados, incluem desde a evasão, somada ao desestímulo dos estudantes, passando pela queda nas matrículas. Mas a origem é uma só: a falta de qualidade no ensino.

O fechamento de um turno no Wiston Churchill reflete uma realidade vivida em diversas outras unidades da rede estadual, que somente de 2004 a 2009 passou a ter 100 mil alunos a menos, uma redução de 23,4% no total. Parte dessa diminuição se deve à transferência do Ensino Fundamental para os municípios. No entanto, uma parcela significativa é fruto da falta de atrativos das aulas nas escolas de Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA) – especialmente no turno noturno.

Escolas de Natal, antes disputadas, tentam atrair novos alunosO problema é reconhecido pela nova secretária Estadual de Educação, Betânia Ramalho, que já admite adiar por mais uma semana o início do ano letivo, previsto inicialmente para 14 de fevereiro, no intuito de organizar melhor a rede. A carência no ensino noturno, por exemplo, se reflete em números como os do Wiston Churchill. Nas quatro turmas noturnas de 1º ano do Ensino Médio, existentes em 2010, 132 alunos se matricularam e apenas 20 concluíram o ano. No “1º B”, de 33 apenas um não se evadiu.

Em um semestre à frente da escola, a diretora identificou no período noturno problemas como a saída antecipada de alunos por conta da insegurança e da necessidade de pegarem ônibus mais cedo, mas – principalmente – por falta de professores e de estímulo. O horário já reduzido, das 19h às 22h, termina vigorando somente de 19h às 21h, mas nem sempre é respeitado. “Muitas vezes às 20h já se contabiliza a ausência parcial ou total de alunos e professores na escola”, relata.

Muitos dos alunos chegam à escola fisicamente esgotados no período da noite, após a jornada de trabalho, e não encontram em sala de aula um ensino que os motive, ou estimule. “O que se aprende em sala pouco tem a ver com o mundo do trabalho”, lamenta Eliane Carvalho, complementando: “Uma escola só deve abrir suas portas quando se pode oferecer um ensino de qualidade.”

Diante do cenário, a diretora decidiu não abrir matrículas para o turno noturno. Os alunos estão sendo encaminhados ao Anísio Teixeira e os professores devem ser reaproveitados na mesma, ou em outras escolas. Eliane se diz cansada do slogan com o qual a comunidade já se acostumou (“professores fingem que ensinam e alunos fingem que aprendem”) e cobra melhorias.

Hoje, segundo ela, mesmo havendo interesse dos professores, não há condições de oferecer um ensino diferenciado no Wiston Churchill. O auditório da escola só serve como depósito de cadeiras quebradas. O estado da quadra de esportes surpreendeu os bombeiros, pois ferragens se misturavam perigosamente à instalação elétrica. O espaço para o lanche não é coberto e o primeiro andar não conta com torneiras, obrigando os funcionários a subirem com baldes, para fazer a limpeza

Não há laboratórios, nem mesmo o de informática, e a sala de vídeo é precária, funciona com apenas uma televisão. Inexiste prática esportiva organizada. “Se abríssemos vagas para o noturno, não iamos preencher o mínimo de 20 alunos por turma no primeiro ano. O segundo ia ter só os 20 e o terceiro 22. Não vale a pena”, resume.

Ela adverte que, diante de opções mais fáceis como os supletivos de “30 dias”, fica difícil atrair os alunos para as escolas da rede estadual. “Agora, se esse aluno soubesse que sairia daqui com um bom aprendizado, com certeza ele viria.”

Estado não tem um projeto de educação

A coordenadora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sinte), Fátima Cardoso, considera que a ausência de um projeto de educação para o Rio Grande do Norte tem afastado os estudantes da rede estadual. “Desde o primeiro governo Wilma de Faria que a gente cobra um plano estadual. A falta dele se reflete na queda de qualidade, pois o estado passa a trabalhar com programas e projetos temporários, sem ações consistentes de combate, por exemplo, à evasão escolar.”

Ela afirma que há, atualmente, uma crise na Educação de Jovens e Adultos, com uma evasão média que chega a ultrapassar os 50%, em muitas das turmas.

Fátima defende a retomada de uma metodologia específica para Educação de Jovens e Adultos. “O modelo atual não é voltado para o trabalhador. É o mesmo utilizado no seriado normal dos alunos que estão na faixa etária”, indica. Ela é favorável a um sistema “aberto”, que ofereça ao aluno do EJA espaço para realizar estudos, tirar dúvidas, ter o acompanhamento de professores, construindo seu saber, sem a rigidez das séries tradicionais. “Quando funcionou o sistema de cabine de atendimento, no Felipe Guerra, foi um dos que mais aprovou para o vestibular da federal”, recorda.

Fátima Cardoso reconhece a dificuldade em manter o aluno em um sistema que não atende seus interesses. “Mesmo no Ensino Médio tradicional, a ausência de professores tem traumatizado os estudantes. Eles percebem o prejuízo e correm para a rede privada, sempre que podem”.

Até escolas podem fechar este ano, avisa secretária

Para a nova secretária Estadual de Educação, Betânia Ramalho, o que mais pesa na perda de alunos é mesmo a baixa “atratividade” da rede estadual. “Só vai para a rede pública quem realmente não consegue fomento para fazer outra opção. O problema maior é que a escola pública não tem qualidade”, resume.

Algumas escolas estaduais estão passando por reforma para melhorar atendimento a alunosEla afirma que ainda não há definição de quantos turnos, turmas, ou até escolas poderão ser fechados, devido à queda no número de matrículas, mas afirma que o levantamento já vem sendo feito e o objetivo é “racionalizar” a rede. “Existem escolas com pouquíssimas matrículas e outras, no mesmo bairro, muito próximas, que poderiam juntar as turmas para racionalizar os custos e atendermos melhor”, cogita.

Betânia Ramalho lamenta que, ao assumir a pasta, já tenha encontrado uma definição de início do ano letivo para 14 de fevereiro, sem haver sequer a garantia de estruturas básicas, como a disponibilidade de professores, e até mesmo de insumos básicos, como as cadernetas. Por isso mesmo vem sendo estudada a possibilidade de adiar o início das aulas por mais uma semana. “Precisamos ganhar tempo.”

Ela destaca que há uma demanda reprimida de jovens que não concluíram os estudos, já estão no mercado de trabalho e precisam ser atendidos no Ensino Médio noturno, ou na Educação de Jovens e Adultos (EJA), para terem direito a melhores oportunidades profissionais. “Infelizmente a escola não tem um projeto educativo voltado para as necessidades dessa clientela.” É necessário desenvolver um trabalho que garante a atração desse público, relacionando o conteúdo transmitido em sala de aula com o mundo do trabalho. “É preciso ampliar os horizontes, afinal todos querem aprender algo que construa pontes entre o conhecimento e as oportunidades no mercado”, diz a secretária.

No entender de Betânia Ramalho, as escolas públicas têm se limitado a reproduzir, à noite, o mesmo currículo e métodos utilizados durante o dia. Uma experiência piloto de Ensino Médio noturno foi iniciada na gestão anterior, mas terminou se perdendo em 2010 com a decisão de permitir a conclusão de um ano letivo em seis meses. “Foi uma medida equivocada e isso já foi revertido”, revela.

O projeto vem sendo rediscutido, assim como todo o trabalho voltado para a EJA. “Há necessidade de professores qualificados, estrutura curricular adequada, recursos didáticos e competência técnica para trabalhar com as demandas. Hoje o panorama preocupante”, admite. Uma das alternativas para melhorar a infraestrutura da rede, revela, é tentar identificar, dentre os programas do Ministério da Educação, as fontes para resolver os problemas que vêm sendo levantados.

“E não bastará ter o professor, ele precisa ter os instrumentos e estar disposto a se qualificar, estimulado a integrar-se a uma estrutura curricular nova. Para isso precisaremos também de uma gestão pedagógica e administrativa eficientes”, conclui.

Município quer reavaliar licenças e cessões de professores

Enquanto a rede de ensino estadual perde alunos, a rede municipal vem se ampliando anualmente. Em 2010 foram 56 mil matrículas, 2 mil a mais que no ano anterior, e agora para 2011 já estão programadas, neste primeiro semestre, a inauguração de duas novas escolas e um Centro Municipal de Educação Infantil (Cmei). Para atender à demanda crescente, a Secretaria de Educação tem ido atrás dos professores que estão fora de sala de aula.

De aproximadamente 4.300 docentes na rede, aproximadamente 470 se encontram fora das atividades devido a licenças em função de problemas de saúde, alguns dos quais ainda no período de estágio probatório. A secretária Adriana Trindade reconhece o direito de quem enfrenta doenças, mas avisa que a intenção é reformular a junta médica e submeter todos a uma reavaliação.

O trabalho se somará à convocação dos 246 professores do Município que estão à disposição de outros órgãos. Até a última quarta-feira, somente 10 tinham se apresentado para reassumir as funções. Embora admita que nem todos os cedidos poderão voltar, ela acredita ser possível reintegrar, pelo menos, metade da lista. “Vamos ser rigorosos. A gente precisa trazer esses professores para a sala de aula. Claro que cada caso é um caso, mas 10 em um montante de 246 é um número ainda pequeno.”

Em 2010 a Prefeitura do Natal utilizou o serviço de 899 professores temporários. Ou seja, mesmo com o retorno de boa parte dos profissionais cedidos e a reavaliação  das licenças médicas, não será possível zerar o déficit, mas pelo menos a carência seria reduzida. “E essa demanda não vai parar de crescer, porque agora vamos abrir duas escolas, na comunidade da África, a Noilde Ramalho; e em Igapó a professora Graça Mota. Além dos Cmeis”, destaca.

Os dados das matrículas para 2011 devem ser fechados esta semana e, se não houver espaço para todos os interessados na rede municipal, alguns alunos podem ser encaminhados a escolas de Ensino Fundamental do estado.  Em Natal há hoje 66 Cmeis e 71 escolas municipais.

Estado deve criar estímulos para retorno de professores

A secretária de Educação, Betânia Ramalho, já percebeu que não bastarão medidas burocráticas para atrair de volta os professores que estão em desvio de função. “O problema não é só baixar um decreto para que retornem. E não adianta ter escola repleta de professores, se o projeto pedagógico não é seguro, eficiente e nem é acompanhado”, destacou.

Ela revela que vem discutindo, junto à governadora Rosalba Ciarlini, formas de incentivar esse retorno e lembra o episódio da distribuição de “notebooks” em 2010, que indiretamente refletiu na volta de muitos profissionais à docência. A secretaria ainda não tem o número exato de professores fora de sala de aula, mas a contratação dos temporários e de estagiários continuará a ser uma alternativa em 2011.

“O concurso, que deveria ser realizado na gestão passada, não foi realizado. Vamos trabalhando nisso e tentando trazer os professores de volta, mas os temporários estão se tornando quase permanente na Rede Estadual”, lamenta. Ela defende a criação de um fluxo de pessoal que garanta a substituição, por exemplo, de professores que se aposentam e daqueles que entram de licença médica, gestante, ou prêmio. “Isso tudo tem de estar previsto em um sistema de gerenciamento”, enfatiza.

A coordenadora do Sinte, Fátima Cardoso, destaca que o concurso é fundamental para preencher a carência de pelo menos 4 mil profissionais, identificada pela última gestão. A sindicalista lembra que o último número sobre desvio de função apontava para 1.200 professores nessa situação e alerta que o dado já pode ter mudado bastante. “Sabemos que tem gente na Suíça, em Portugal, na Assembleia Legislativa, nas Câmaras Municipais, mas o retorno desse pessoal não será suficiente para atender a demanda. Até porque o Estado tem um vício, de chamar um grupo e liberar outro. Não tem um perfil de dar sustentação àquela tomada de decisão anterior”, enfatiza.

Aliado a isso, a média de aposentadorias na rede estadual gira em torno de 800 por ano, o que cria uma carência constante de novos profissionais.

Rede de ensino profissional depende de verba

O programa federal Brasil Profissionalizado chegou ao Rio Grande do Norte prometendo R$ 160 milhões em recursos para reforma e ampliação de escolas e criação de 10 centros de ensino profissionalizante espalhados pelo estado.

Atualmente, 55 escolas passam por melhorias, ou tem obras em fase de licitação, e dois centros começaram a ser erguidos, em Nova Parnamirim e Alto do Rodrigues. Porém os cursos não têm data para se iniciar.

A dificuldade de concretizar o programa, aponta a secretária Betânia Ramalho, diz respeito à falta de estrutura complementar, como equipamentos e pessoal qualificado. “Assumimos há poucos dias e estamos começando agora a conhecer em detalhes o projeto e o que ele implica de impacto em termos de equipamentos e de recursos humanos. Não adianta só a parte física, tem de ter os equipamentos e o professor qualificado”, ressalta.

Na escola Luiz Antônio, no bairro de Candelária, os recursos do Brasil Profissionalizado já resultaram na melhoria de toda infraestrutura e na construção de uma nova e ampla quadra esportiva, além da nova ala com salas para os futuros laboratórios. Matrículas chegaram a ser abertas, mas foram suspensas, devido à incerteza quanto aos cursos.

Na Escola Estadual Walfredo Gurgel, também em Candelária, um valor de R$ 1,3 milhão foi usado na reforma do piso, de parte do teto, além de portas e outras estruturas. Na Escola Estadual Floriano Cavalcanti, o programa também tem garantido melhorias na quadra e nas áreas internas do colégio.

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