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Especial JK : Brasília, o sonho desfeito

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CIDADE IDEALIZADA Nos mínimos detalhes, Brasília foi desenhada pelo arquiteto Lúcio Costa. Na foto,  as obras de construção da sede do Congresso Nacio

Brasília nasceu encomendada por Juscelino Kubitschek para ser símbolo de um novo país, desenvolvimentista, sem distinções de classes, onde um funcionário público poderia ser vizinho de um senador. Quarenta e seis anos se passaram e a capital federal ganhou vida própria, tem defensores apaixonados e se orgulha de números como o que mostra que ela tem a maior renda per capita brasileira. Mas os anos também se encarregaram de dar à cidade a principal marca das metrópoles nacionais: a desigualdade.

Certa vez, o arquiteto Oscar Niemeyer, decepcionado com o caminho traçado pela cidade e com a explosão populacional de sua periferia, as cidades satélites, acusou-a de ser a cidade mais discriminatória do país. Tão discriminatória, afirmou, que não permitia que os operários que a construíram vivessem nela. Idealizador da capital, o urbanista Lúcio Costa, em sua última entrevista, em 1997, alertou que a cidade estava grande demais.

O desencanto dos pais de Brasília é traduzido em números. Projetada para abrigar 500 mil habitantes, tem hoje mais de dois milhões. O inchaço custou caro. A cidade convive hoje com índices de violência equivalentes às grandes capitais. Num ranking divulgado pelo Ministério da Saúde, com base em estatísticas de mortes, é apontada como a quinta mais perigosa do país. O crime está concentrado nas cidades-satélites, mas também atinge a classe média com a explosão dos casos de seqüestros-relâmpagos e extorsão por telefone.

– Brasília tem um centro projetado para ter alta qualidade de vida e uma periferia excluída desse sonho da cidade modelo. Não é mais ilha da fantasia. Está mais perto de qualquer grande cidade brasileira – diz a professora do Departamento de Estatística da Universidade de Brasília (UnB), Ana Maria Nogales.

A violência é a faceta mais cruel dessa desigualdade, mas Brasília tem hoje problemas não menos complexos, entre eles a dificuldade para transportar sua população. Diariamente, meio milhão de pessoas se deslocam entre as cidades-satélites para Plano Piloto, onde vivem hoje apenas 12% da população.

O aumento da população tornou Brasília o paraíso dos grileiros. Nos anos 80, o governador Joaquim Roriz criou nove cidades satélites, entre invasões legalizadas e assentamentos. Essa população veio, em sua maioria, das cidades de Goiás e do Nordeste.

As mazelas do desenvolvimento produziram projetos na Câmara tão distintos quanto polêmicos, para alterar as dimensões do Distrito Federal. Há propostas para reduzí-lo ao Plano Piloto e para aumentá-lo. Seja qual for o destino da capital, a única certeza é a de que nunca mais será aquela idealizada por Juscelino.

Insegurança no cotidiano das cidades satélites

Era noite e o servidor público V. se preparava para uma comemoração na casa de amigos, no Plano Piloto, quando foi surpreendido. Ele foi rendido por dois homens armados ao sair da loja de conveniência de um posto de gasolina. Foi obrigado a deitar no chão da parte de trás do seu carro e a entregar cartões de banco e de crédito, além de senhas. Começava ali mais um seqüestro-relâmpago em Brasília, crime que virou pesadelo para a classe média local.

V. ficou em poder dos bandidos por mais de uma hora e meia, período em que sofreu ameaças de morte e foi agredido a coronhadas.

– Tinha certeza que ia morrer. Eles tinham dificuldade de sacar dinheiro porque havia passado de 22h e aumentaram as ameaças- conta o servidor, liberado em um matagal a vinte quilômetros do centro.

O servidor diz que o crime não mudou radicalmente sua rotina de vida, mas alterou hábitos e o fez passar a pensar nas razões do aumento da violência no Distrito Federal:
– Trazer tantas pessoas de uma vez para a cidade não é economicamente viável.

A maioria dos criminosos, segundo a polícia, vive nas cidades-satélites mais pobres, que, embora não sejam sitiadas pelo tráfico, têm uma rotina violenta. Na mais nova delas, Itapuã, criada a partir de uma invasão há três anos e hoje uma área onde vivem 50 mil pessoas, o comércio local e os consumidores estão sempre separados por grades.

“A terra prometida, de leite e mel”

Em 30 de agosto de 1883, Dom Bosco (santo italiano, nascido em 1815 e fundador da Ordem dos Salesianos) teve um de seus famosos sonhos. Alguns trechos do que ele relatou:
Entre os paralelos de 15º e 20º havia uma depressão bastante larga e comprida, partindo de um ponto onde se formava um lago. Então, repetidamente, uma voz assim falou: “…quando vierem escavar as minas ocultas, no meio destas montanhas, surgirá aqui a terra prometida, vertendo leite e mel. Será uma riqueza inconcebível…”

m seu livro “Brasília – Memória da Construção”, Tamanini diz que a referência a “uma grande civilização” (ou sequer a palavra “civilização”) não aparece em qualquer parte do relato do sonho. Mas a expressão teria passado a fazer parte da “versão oficial” do sonho, e a ela “passariam a se reportar expressamente, com pequenas variações, todos quanto ao sonho já se referiram, ligando-o à construção de Brasília”.

A distorção das palavras de Dom Bosco chega a verdadeiros exageros: um texto, já retirado do ar, do site do MRE dizia que Dom Bosco previu que “a capital do Brasil seria construída entre os paralelos 15 e 20”. Ou seja, de “terra prometida” se passou a “civilização” e daí a “capital do Brasil”.

Em 31/12/56, antes mesmo do início da construção do Plano Piloto, ficou pronta a Ermida Dom Bosco, às margens do Lago Paranoá, exatamente na passagem do paralelo de 15º.
Em 04 de abril de 1955, na cidade goiana de Jataí, Juscelino fez o comício de abertura de sua campanha. JK havia decidido iniciar sua campanha pelas cidades menores do interior, e Jataí havia sido escolhida para o primeiro comício (por razões que podem ser vistas no livro “Brasília – Memória da Construção”, de Tamanini).

No discurso do comício, Juscelino pregara o respeito à Constituição e às leis. Ao final do discurso, foi permitido aos que assistiam ao comício que perguntassem algo, se quisessem. Antônio Soares Neto, o Toniquinho, perguntou a Juscelino se ele – que tanto pregava o respeito à Constituição – mudaria, se eleito, a capital para o Planalto, conforme a Constituição determinava. Juscelino prometeu então mudar a capital.

O que há para ler

JK – Triunfo e Exílio

Jacinto Guerra – 181 páginas. R$ 30,00 – Thesaurus

O jovem médico. O líder político. O estadista. O pai que, no exílio, casa a sua filha, longe de sua terra e de seus amigos. Tudo isto num estilo ágil e num toque poético, que encanta os leitores de um dos livros mais importantes já escritos sobre Juscelino Kubitschek.

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