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Espelhos da vida comum

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Valério Mesquita
Escritor

01) Tempo do monsenhor Walfredo Gurgel, que presidia uma inauguração do seu governo no interior. Dom Nivaldo Monte procedia às bênçãos episcopais. Em seguida, explodiram os discursos múltiplos, de praxe e estilo. Todo o tempo em pé, o prefeito local se compadeceu da compleição frágil de Nivaldo para lhe interpelar educadamente: “Vossa Excelência está cansada?”. Dom Nivaldo não o mandou prá lugar nenhum, é verdade. Mas pareceu dizer: “Senhor perdoai porque ele não sabe o que diz”.

02) Mário Paulino era candidato a prefeito de Pendências e para chegar lá exercia de corpo e alma o “santo” ofício político. Participava de todos os eventos festivos, fúnebres, com tanta dedicação que pegou uma estafa. E dai, surgiu uma briga feia com a mulher. Padre Zé Luiz, pároco local e amigo da família, procurou Mário para um papo conciliatório. “O que é que está havendo entre vocês, Mário?”. “Padre, o problema é que estou um pouco estereofônico”. Espantado com a resposta, Zé Luiz retruca: “O que diabo é isso, Mário?” Pesaroso, descarta Mário Paulino: “Tenho alta fidelidade e pouca frequência”.

03) Conheci o provisionado Paulo Rói-Rói, quando residiu certo tempo em Macaíba. Dele nos conta, ainda, Manoel Medeiros, ex-promotor público, que certa vez, no Tribunal do Júri, o dr. Paulo citava um dispositivo do Código Penal quando a promotora desejou conferir o seu Código com o que o provisionado tinha à mão. Depois de muita recusa, conta Medeiros, sem se saber o porquê, Paulo Rói-Rói passou a sustentar que não se tratava mais de um problema de Direito. O que estava em jogo era um problema de sexo. O fato é que, dentro do livro de Paulo estava colado o retrato de uma mulher totalmente pelada. Lei é lei, mas escrúpulos à parte.

04) Essa história feliniana, como não poderia deixar de ser, aconteceu na metrópole de Nova Cruz, terra de Diógenes da Cunha Lima. Nas estradas da vida novacruzense emergiu Dolores, fêmea robusta, de fartas pernas generosas. Seu bustoarbusto, parecia marquise de farmácia. Nele se abrigava José Batista, marido ciumento e pastorador de um patrimônio que valia tanto quanto o seu velho mas impertigável caminhão Chevrolet. Na sua cabina vê-los passar triunfalmente, era a cena urbana de cada dia. Mas Dolores era muito areia para o caminhão de Batista. Certa noite, após longas e extenuantes horas de “expediente” obrigatório, Zé Batista morreu em cima da mulher. Dizem as más línguas de Nova Cruz que ele só entrou em orgasmo depois de morto. Nem havia passado o luto, “Intaio”, militar reformado, corpo atlético, surgiu na vida de Dolores. E o caminhão Chevrolet reluzente voltou a desfilar nas ruas novacruzenses, dessa vez com uma buzina astuta que entoava uma musiquinha bem popular, logo traduzida pela verve maledicente da cidade: “Graças a Deus, Zé Batista já morreu, casei com a mulher dele e o caminhão agora é meu”. Aí imaginei o diretor italiano Federico Felini, no set de filmagens, na rua do Sapo, megafone em punho, sendo assistido pela “prata do Curimataú”: Diógenes, Cassiano, Leonardo e Luis Eduardo.

05) Esta é antiga, mas boa. Dinarte Mariz, ainda menino em Serra Negra, levava o sugestivo apelido de “Anum Branco”, principalmente quando se banhava no rio Espinharas. Era consolado por Leogevildo Aureliano da Costa, vulgo Preto, que abastecia no rio os barris num burrico. “Não se incomode não, “seu” menino, que você ainda vai apadrinhar eles tudinho”, sentenciava Leogevildo. O tempo passou e a amizade dos dois nunca feneceu. No final do governo, Mariz lembrou-se de premiar “Preto” com alguma coisa. Pediu a Antônio Soares, chefe do Gabinete Civil, um daqueles cargos que tinha certeza que Aluízio Alves não botava a baixo. Era a fase do inventário. Soares já tinha a receita: “Diretor de Divisão, Padrão V”. Dinarte chama Etevaldo, vulgo Galego, oficial de gabinete: “Ô, menino vai chamar ali Preto!”. No Natal Club, onde foi achado, Leogevildo, sem perder a calma pergunta: “O que é que Anum Branco quer comigo?”. E lá se foi. Ao ver chegar aquela desengonçada figura, dona Nani e Ana Macedo, servidoras fiéis e tutelares do Palácio Potengi, foram logo perguntando ao governador: “Mas, o senhor vai mesmo nomear esse homem “Diretor de Divisão Padrão V” e aposentá-lo em seguida, vai?”. Dinarte olhou fixamente as interlocutoras e respondeu, sem pudor político, mas com ternura humana indescritível: “Ô Nani, esse homem vendeu bicho, loteria, a vida toda. E hoje, só hoje, acertou na milhar”. Papo encerrado.

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