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Estigma da mediocridade

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Cláudio Emerenciano
Professor da UFRN

Cultura, lucidez, idealismo, ética e visão de bem comum caracterizam as fases de avanço da humanidade. Predominam nessas circunstâncias em todos os tempos, culturas e civilizações. Da antiguidade aos nossos dias. Numa espécie de contraponto, no retrocesso e na decadência de civilizações, a mediocridade impera para impor ao gênero humano períodos de vergonha, instabilidade, insegurança, amargura, desconfiança e descrédito. As instituições são atingidas. A vida social se desorganiza. O grau de legitimidade dos governantes decai e a eficácia da ação governamental é lenta, hipócrita, contraditória  e grotesca. Os interesses pessoais prevalecem. Os ideais são esquecidos, preteridos, ignorados, ou se convertem em referência do passado. A análise, apesar de atual e planetária, emerge originalmente do filósofo Aristóteles em “Ética a Nicômaco” (séc. IV a.C.). Particularmente ao diferenciar democracia de demagogia ou anarquia. O regime democrático, ao se deteriorar, é atingido em suas instituições em crise incontrolável de confiança. A confiança – disse Franz Newman em “Estado  Democrático e Estado Autoritário” – é um componente antropológico-cultural da democracia. Sem confiança nos seus dirigentes e nas instituições o fosso entre o que o povo quer, aspira, respalda, e o que o governo faz, é irreversível, irremovível e desalentador. Aristóteles conferiu um sentido amplo às expressões demagogo e demagogia. Demagogo seria o governante ímprobo, desonesto, autoritário, fraudador da lei, da moral e da ética públicas. O filósofo foi mais além. Considerou o demagogo um mentiroso compulsivo, mitômano, que depois de difundir uma mentira nela acredita como se fosse verdade absoluta. A demagogia, ou anarquia, seria o império da mentira, da hipocrisia e da mais completa desorganização social: o caso exemplar da Venezuela.   

O mundo, infelizmente, vive, no mínimo, um instante de exaustão. Eis uma reflexão generosa ou condescendente. Estamos perdendo, em escala planetária, consciência do legado de gerações.  Ignora-se que uma geração sucede a outra sem eliminar ou abdicar de sua herança cultural, espiritual e sentimental. Lição memorável de Ernest Hemingway (Nobel da literatura), ao iniciar seu romance “O sol também se levanta” invocando o Eclesiastes: “uma  geração passa, e outra geração vem; mas a terra para sempre fica… Não há nada de novo debaixo do sol”. O livro externa e reproduz circunstâncias, ansiedades, medos,  desencantos,  inquietações,  conflitos  e  buscas  da  geração  que  viveu entre as duas Guerras na Europa: a “geração perdida”. A “era Trump”, síntese do atraso atual na História, iniciou-se quando o povo dos Estados Unidos elegeu, anos atrás, o Sr. George Bush seu Presidente. Um cidadão que,  até então, jamais transpusera as fronteiras do seu país. Nem sequer “abajo del Rio Grande” (designação da fronteira entre os Estados Unidos e o México). A mediocridade dos governantes é universal. Estadista, àquela época, somente o Papa  João  Paulo II.  Velho,  doente,  trôpego, encontrou  na fé cristã coragem e energia para exercitar seu papel e sua responsabilidade internacionais. Atualmente, o Papa Francisco parece ser uma voz solitária, numa conjuntura internacional marcada por mediocridade, violência, fanatismos, terror, ambições desenfreadas e descompromisso com a dignidade humana.   

No Brasil o quadro é lamentável e vergonhoso. Desprimoroso. Jamais, em nossa História, estivemos tão carentes e órfãos de verdadeiros líderes. De governantes efetivamente comprometidos com o bem comum. Aristóteles estabeleceu um confronto analítico entre Péricles (estadista grego do séc. VI a.C.), democrata cujo nome designa o século em que viveu, e Psistrato, sua antítese, tirano e demagogo. Os medíocres atuais denigrem o legado de brasileiros como José Bonifácio, Pedro II, Isabel, Ruy Barbosa, Benjamim Constant, Getúlio Vargas, Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, San Thiago Dantas, Oswaldo Aranha, entre tantos que moldaram o caráter e os ideais de nossa nação. Sua mediocridade não lhes permite alcançar a dimensão do mal praticado. Dos efeitos deletérios de sua postura e ação. São incapazes da percepção de que os detentores do poder, em qualquer esfera do Poder Público, disseminam, pelo exemplo, uma imagem susceptível de aprimorar ou inviabilizar as instituições. O descumprimento da lei, a partir da Constituição, gera uma contracultura fundada na impunidade e no fisiologismo. Do tráfico de influências e do casuísmo. Por isso Aristóteles, em “A Política”, dizia que a tirania (designação primitiva do autoritarismo) em muito pouco se diferenciava da demagogia (degeneração da democracia). Convém ressaltar que os medíocres não se sensibilizam com os problemas e os sofrimentos mais clamorosos do povo. No Brasil a escalada de violência e criminalidade é prova insofismável. Também o caos na saúde pública, cujo desrespeito à vida é difundido pela televisão como rotineiro e usual.

Após a 2ª. Guerra se instalou na cidade de Nuremberg (Alemanha) um tribunal. Seu objetivo: julgar os criminosos de guerra nazistas. Todos eles se declararam inocentes. Menos um: Emil Janning, jurista de conceito internacional, ex-ministro da Justiça e Presidente da Suprema Corte. Sua confissão de culpa ecoa, até hoje, como uma advertência aos governantes em todo mundo, qualquer que seja sua função no âmbito do Estado: “sou culpado. Não pode haver absolvição para os meus atos. Sou culpado desde a primeira vez em que condenei um inocente, tirando-lhe a vida ou remetendo-o para um campo de concentração. Todos nós somos culpados pelo erro, pela volúpia de poder, ignorando-se o bem de todos. De cada criatura humana. Qualquer que fosse sua cor, cultura, crença religiosa ou política”. Eis lição e libelo acusatório inesquecíveis.   

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