quinta-feira, 28 de março, 2024
24.1 C
Natal
quinta-feira, 28 de março, 2024

Etanol: de solução a problema

- Publicidade -

Andrielle Mendes

Repórter de economia

“A gasolina está indo; o álcool, chegando […]. E olhe que está chegando para ficar, pois é uma fonte ilimitada. O mundo espera por um substituto para a gasolina. E, quando ele chegar, não haverá mais gasolina; dentro em pouco, os preços subirão tanto que será inviável consumi-la como combustível de motor”. A frase soa atual, mas foi dita há 95 anos por Henry Ford. O que já foi uma utopia, hoje é uma realidade. Em 36 anos, o Brasil se transformou no maior exportador mundial de açúcar e de etanol, biocombustível substituto da gasolina. Tudo isso por acreditar numa loucura: extrair combustível da cana de açúcar e deixar de depender do petróleo, até então pouco explorado no País.

Nos últimos dias, o etanol  se transformou em vilão. O preço subiu e o biocombustível foi parar no noticiário, condenado por elevar o preço da gasolina. Na última semana, o consumo caiu e, segundo a União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica), o preço deverá se estabilizar ainda este mês. De acordo com a Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis), a recente elevação nos preços do etanol nas usinas teve início em junho do ano passado

“De lá até o início de abril, o litro do anidro na usina (sem frete ou impostos) subiu 144%, de acordo com dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea/USP), o que gerou um impacto de 16% sobre o custo final da gasolina na média Brasil. No mesmo período, a gasolina aumentou 11% na distribuição e 9,3% nos postos, também na média Brasil, segundo o levantamento de preços da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Somente de janeiro a abril de 2011, os preços do anidro na usina registraram acréscimo de 66,5%, elevando em 10% o custo da gasolina. Na distribuição e revenda, no entanto, os preços subiram cerca de 6,5%”, afirmou a Federação, em nota à imprensa.

No Rio Grande do Norte, o preço do etanol passou de R$1,79 em abril de 2007 para R$ 2,42 em abril de 2011 – diferença de R$0,63, levando em consideração a média registrada entre 03 e 09 de abril, no caso deste ano. No Brasil, passou de  R$1,92 para R$2,36 (diferença de R$ 0,43) no mesmo período. A alta nos preços acabou ocultando a trajetória do etanol no Brasil, que superou três crises do Petróleo, várias mudanças de moeda e hoje move mais de 10 milhões de carros flex no País.

Os esforços, realizados pelo governo federal num primeiro momento, surtiram efeito. A produção de álcool – anidro e hidratado – passou de 10,7 bilhões de litros, em 2000, para 26,1 bilhões, em 2009, última estatística fornecida pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), representando um aumento de 143,9%. No Nordeste, passou de 1,5 bilhão de litros, em 2000, para 2,2 bilhões, em 2009, subindo 46%. No Rio Grande do Norte, passou de 74 milhões de litros, em 2000, para 117 milhões, em 2009. O aumento foi de 58%, mas ainda é pouco, segundo especialistas.

Hoje, o País que precisou oferecer um prêmio de cinquenta contos de réis para incentivar a criação da primeira destilaria, possui aproximadamente 430 usinas produtoras de açúcar e álcool. A maioria está na Região Centro-Sul. Só São Paulo, reúne 60% das usinas.  Para Sérgio Prado, representante da Unica, em Ribeirão Preto, o etanol só deixará de ser vilão quando as usinas garantirem um bom estoque no período de entressafra, quando deixam de moer cana de açúcar. “Isso só vai ocorrer quando abastecermos o mercado durante a safra e conseguirmos garantir um bom estoque na entressafra”, afirma. 

Preço reflete  combinação de fatores

A alta do etanol, segundo Sérgio Prado, representante da Unica, é reflexo de uma combinação de fatores. Com a crise mundial financeira, em 2008, usineiros e donos de fábrica ficaram sem capital de giro, não conseguiram revitalizar a lavoura,  renovar o maquinário nem ampliar as fábricas. Para piorar a situação, choveu demais no Centro Sul em 2009 e de menos em 2010. O canavial não cresceu e algumas usinas adiaram o período de corte. Como resultado, 5 bilhões de litros de etanol deixaram de ser produzidos.

Os efeitos foram sentidos anos depois. Em 2011, os estoques de etanol baixaram e o preço do biocombustível subiu. Segundo o Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom), que como em todos os anos, o etanol sofre, neste período, fortes elevações de preços nos produtores durante a entressafra. “O etanol disponível provém de estoques mantidos pelas unidades produtoras e vem sendo adquirido pelas distribuidoras a preços que têm aumentado a cada semana. Este ano, as projeções de estoques e demanda indicam uma situação com menos folga que em anos anteriores, levando, consequentemente, a patamares de preço inéditos”, afirmaram, também através de nota.

De acordo com Sérgio Prado, em Ribeirão Preto, cidade que reúne  a maioria das usinas, “as coisas já começam a se equilibrar”. O preço do etanol já caiu R$0,20 nas bombas. Lá, os usineiros começaram a repassar álcool 11% mais barato para as distribuidoras.  “Em maio, haverá mais oferta e isso reduzirá os preços em todo o país, inclusive no Rio Grande do Norte. Não sabemos dizer em quantos por cento, mas que vai cair, vai”, antecipa.

Números

430
É o número estimado de usinas produtoras de açúcar e álcool no Brasil

117
Milhões de litros de álcool foram produzidos em 2009 apenas no Rio Grande do Norte

Competitividade foi embora

De acordo com dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Pesca (Mapa), abastecer com etanol deixou de ser competitivo desde dezembro de 2010, quando a paridade com a gasolina superou 0,70. Segundo Otomar Lopes, professor da Farn, até 0,70 é vantagem optar pelo biocombustível. Acima disso, só gasolina. Nem sempre foi assim. Na década de 70, com o lançamento do Programa Nacional do Álcool, um litro do biocombustível custava metade do preço da gasolina.

No início de abril, o preço da gasolina chegou a R$ 2,99 em Natal, representando um reajuste de 7%.  O vilão? A entressafra e o reajuste do etanol, segundo entidades ligadas ao setor. O reajuste não ocorreu só no RN. Na Paraíba, o litro do combustível, que girava em torno de R$ 2,40 a R$ 2,60, na maioria dos postos, passou a ser encontrado por até R$ 2,99. Em Fortaleza, capital do Ceará, o litro, que custava R$ 2,75 passado ficou R$ 0,10 mais caro. O movimento de alta também tem sido percebido na Bahia e em Pernambuco. O aumento de preços no RN provocou a reação do Ministério Público do Rio Grande do Norte e dos Procons, que autuaram os postos de combustíveis que praticavam preços acima de média.

A guerra de preços ainda não acabou nem o embate com os postos de combustíveis. Na noite de sexta-feira, mais natalenses abasteciam R$0,50 com notas de R$100, num protesto silencioso. Para Sérgio Prado, da Unica, “o etanol representa um dos principais eixos de desenvolvimento do País. O setor tem uma dimensão que, ás vezes, fica escondida. O consumidor pensa só na bomba, mas esta indústria tem uma dimensão muito maior, que fica encoberta”, afirma.

O que você queria saber sobre o etanol

O que é etanol?
Etanol é o nome técnico usado no mundo inteiro para o alcool etílico comum. Ao contrário do petróleo, que pode acabar algum dia,  o etanol é um combustível renovável, normalmente produzido a partir de plantas cultivadas, como a cana-de-açúcar. Portanto, etanol e álcool comum são a mesma coisa. Até o final deste ano, todos os postos de combustível do país adotarão o nome “etanol”.

A gasolina brasileira contém etanol?
Sim. No Brasil, toda a gasolina, seja ou não para uso automotivo, contém de 20% a 25% de etanol anidro (0,4% de água, em volume). O percentual exato depende de decisões e políticas governamentais. Além disso, praticamente todos os postos de combustíveis do país oferecem etanol hidratado puro (4% de água, em volume) para carros a álcool e modelos flex. O etanol aditivado, lançado recentemente no mercado, possui uma formulação de aditivos que otimiza o consumo e a limpeza do motor.

Existe risco de o motor se “acostumar” só com o etanol, o que obrigaria a alternar o uso de etanol com gasolina?
Não, muito pelo contrário. O motor flex foi projetado para usar tanto etanol como gasolina, em qualquer proporção. Ou seja, não é necessário alternar combustíveis no tanque. Você pode usar apenas etanol puro no seu tanque

Por que o preço do etanol varia tanto ao longo do ano?
Em geral, o preço do etanol é mais atrativo do que o da gasolina para a maioria dos brasileiros. Contudo, ele pode apresentar variações significativas entre as diferentes épocas do ano. Os preços do etanol são definidos pela “lei da oferta e procura” e, assim como acontece com as frutas, cereais e demais produtos de origem agrícola, que são influenciados pelo andamento da safra. Portanto, no período de entressafra, quando a colheita da cana não está sendo realizada, os preços normalmente tendem a ser maiores; a safra na região Centro-Sul ocorre entre os meses de abril a novembro.

Assim como o etanol, os preços do petróleo também apresentam elevada volatilidade ao longo do tempo. Essa oscilação de preços, contudo, não é observada no mercado brasileiro de gasolina. O preço recebido pelo produtor de gasolina não é determinado pelas leis de mercado e, por isso, é mais estável. Essa dinâmica só é possível porque quase toda a produção de gasolina do País é realizada por uma única empresa. No caso do etanol, o preço é definido em um mercado competitivo onde operam mais de 430 unidades produtoras.

Por que o preço do etanol varia de uma região para outra?
O imposto estadual cobrado sobre o etanol – ICMS – é fundamental na formação do preço final do produto em cada região. O Estado de São Paulo, por exemplo, tem a menor incidência deste imposto, beneficiando diretamente os consumidores. Outros estados, no entanto, ainda adotam alíquotas de ICMS elevadas para o etanol, e o resultado é um preço bem mais alto ao consumidor. No País, a alíquota do ICMS cobrado sobre o etanol combustível varia de 12% a 28%. Os estados de São Paulo, Paraná, Bahia e Goiás são aqueles onde a incidência de impostos sobre o etanol é mais baixa. Além do diferencial de imposto cobrado nos estados, o preço de bomba em cada região também depende dos custos de transporte do etanol e das margens de comercialização praticadas por distribuidoras e postos revendedores.

Por que o Brasil está na dianteira em biocombustíveis?
O etanol é um produto que sempre apresentou excelentes propriedades para ser usado como combustível. No principio do século XX, já existiam carros movidos a etanol. Pesquisadores brasileiros estudam o produto desde a década de 1920 e muito se aprendeu sobre a sua produção e uso desde então (na agricultura, na produção industrial e na tecnologia dos motores). Com a criação do PROÁLCOOL, em 1975, como resposta pioneira do Brasil à primeira crise mundial do petróleo, o etanol ganhou grande impulso e se integrou definitivamente à matriz energética brasileira. Hoje, são mais de 400 usinas produzindo açúcar e etanol em 22 estados brasileiros e com presença em mais de 1.000 municípios. É oportuno lembrar que a aptidão agrícola do País e os investimentos realizados em pesquisa e desenvolvimento tecnológico são, também, fatores que têm contribuído para o sucesso desse combustível renovável.


Memória

História começa em 1902
A história do etanol, chamado de alcool até 2010, não começou com a criação do Programa Nacional. A trajetória do biocombustível começa lá atrás, em 1902, quando o então presidente Rodrigues Alves autoriza o investimento de  cinquenta contos de réis na realização de uma exposição de aparelhos destinados às aplicações industriais do alcool. Parecia pouco. Mas no ano seguinte, a quantia investida quadruplicaria, passando para 200 contos de réis. Em 1903, um congresso realizado na mesma área recomendaria a inclusão de motores a alcool nos serviços federais, estaduais e municipais. O principal objetivo era  divulgar o uso do alcool-motor. Os três choques do petróleo, que abalaram economias, acabaram incentivando a produção e o consumo de alcool. Em  todos os países acendia a luz de alerta. Era hora de produzir um novo combustível, deixar de depender dos outros e depender de si mesmo. Mas não bastava produzir. Era necessário criar carros a alcool e montar um sistema de distribuição do combustível. A produção também seria incentivada pelo aumento da produção agrícola,   modernização das destilarias e instalação de novas unidades produtoras, armazenadoras e distribuidoras. De 75 para 80, a produção saltou de 600 milhões  para 3,4 bilhões. O estímulo governamental à indústria automobilística, segundo Margarida Cintra Gordinho, autora do livro ‘Etanol e Bioeletricidade’, também influenciou este avanço. Na época, carros a alcool  não alcançavam 10% do total de veículos em circulação no País. O cenário mudaria nos anos seguintes. A Copersucar patrocinaria uma campanha publicitária em 1983, mudando este percentual. Naquele, ano, 90% dos carros vendidos eram a alcool.  “Muita gente que entrou em consórcio para comprar um carro a gasolina recebeu um veículo a alcool, sem direito a troca”, escreve Margarida.  A proporção de carros a álcool produzidos no país passaria de 0,46% em 1979 para 26,8% em 1980, atingindo 76,1%. em 1986.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas