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Ética e eleição

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Ivan Maciel de Andrade – Advogado

Estamos em temporada de muito preocupação com a “ética”. Qual a causa de tanta preocupação? Será que surgiu no país a consciência de que é preciso estabelecer novos e eficazes padrões de moralidade? Infelizmente, a causa não é essa. É que a ética serve de recheio para os discursos eleitorais. Neles, a falta de ética será apontada, freqüentemente, como responsável pela desagregação das instituições nacionais. Outros dirão que o problema é tão antigo que não se sabe quando começou. Alguns acenarão com a possibilidade de restaurá-la na vida política através do voto popular, contanto que depurado de “condicionamentos espúrios”. Que condicionamentos seriam esses? Os vínculos eleitorais criados pelo Bolsa-Família, por exemplo? Os céticos dirão que sempre existirá algo parecido com esse programa assistencialista para pesar no resultado das eleições. Diagnosticarão, assim, a inutilidade das tentativas de mudança. A vida pública estaria de tal forma contaminada de vícios e deformações que não haveria como purificá-la. No entanto, o surpreendente é que ninguém desiste de suas pretensões eleitorais por considerar perdida a batalha em favor da ética. Todos se consideram capazes de “salvá-la”. Para isso têm fórmulas (sem qualquer originalidade ou, mesmo, validade) que se propõem a aplicar após a vitória nas urnas.

A palavra “ética” é empregada como panacéia. Muitos não sabem sequer o que ela, a rigor, significa. A ética regula a conduta, tanto individual como coletiva, de acordo com valores históricos e culturais. Valores próprios de cada sociedade e de cada momento de sua história. O caráter regulador da ética faz com que ela se concretize em normas, que resultam da “escolha de diretrizes consideradas obrigatórias”. Nesse sentido amplo, a ética abrange a moral, a religião, as convenções sociais e o próprio Direito. Há quem contraponha a ética à técnica, para melhor ressaltar a função da ética como reguladora do comportamento. A técnica trata dos “meios” para alcançar determinados “objetivos”. A ética trata dos objetivos a serem alcançados. A conduta vista de trás para frente, do resultado para a ação que a originou, revela a técnica empregada. Olhada do início para o fim, da ação para o resultado, expõe o conteúdo ético do comportamento.

Para Aristóteles (“Ética a Nicômacos”, edição de 1992 da Universidade de Brasília, com tradução direta do grego), a ética é uma virtude, que regula “o princípio e o fim da conduta”. Mas “a excelência moral pressupõe que a ação seja praticada mediante escolha; o objeto da escolha é o resultado de uma deliberação prévia” (p. 52). A deliberação, por sua vez, pressupõe discernimento. Ainda assim a escolha é difícil porque envolve fatores transitórios, variáveis, algumas vezes contraditórios. “É possível errar de várias maneiras, ao passo que só é possível acertar de uma maneira”. “A bondade é uma só, mas a maldade é múltipla” (p. 42). O “hábito” é que consolida e garante o cumprimento dos princípios éticos, através da relação entre potência (“faculdades que nos vêm por natureza”) e ato (a excelência moral adquirida em razão de sua efetiva prática) – p. 35.

Para preservar os padrões éticos, é preciso criar novos hábitos de comportamento. Como? Primeiramente, punindo as transgressões. Fazendo com que os culpados paguem por seus atos.  Do contrário, estimula-se exatamente o hábito de violação da ética. Depois, é preciso – através de reformas no sistema político, numa ponta, e da elevação dos níveis educacionais da população, na outra – reduzir o “profundo abismo entre sociedade e Estado”, apontado por Sérgio Buarque de Holanda em “Raízes do Brasil” (fenômeno com maior intensidade quando o livro foi publicado, em 1936, mas que ainda hoje subsiste). O mandato popular deve ser fiscalizado, para se saber o que cada político fez dos votos que recebeu. Isso pressupõe uma verdadeira revolução nos hábitos de fazer política no Brasil. O que talvez constitua, infelizmente, meta de longo prazo. Quem acredita, por exemplo, que o eleitor fará no próximo pleito a merecida limpeza ética no Congresso Nacional?  

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