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Exportando a boa música

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VIAGEM - Músicos de Cruzeta vão para Europa

A xelita vem perdendo espaço nas exportações do Seridó potiguar. Mas antes que a economia do Rio Grande do Norte entre em colapso pela informação bombástica, um aviso: os músicos formados no município de Cruzeta é que estão com a bola toda no mercado europeu. Na próxima semana, o sexteto da Orquestra Brasil – formado em 2005 a partir da Banda Sinfônica de Cruzeta – volta para a terceira temporada consecutiva em Paris, na França. O grupo tem contrato assinado por dez meses, de março a dezembro, com a empresa que administra o circo Roger Lasack, onde os músicos se apresentam durante a semana, na abertura e intervalo dos espetáculos.   

Aproveitando os últimos dias do recesso provocado pelo inverno da Europa, o trombonista Petrônio Espíndola conta que o que mais surpreendeu o grupo foi o grau de valorização da cultura pelos franceses. “Não tem comparação com o que existe aqui. Lá o governo valoriza a cultura, respeita os artistas. Eles dão tanto valor à banda, que durante o ano o circo muda os artistas, mas mantém os músicos do grupo”, afirma.

O convite nasceu por intermédio de um maestro paraibano amigo dos músicos que trabalha na Itália. Ele soube que o circo francês precisava de uma banda instrumental e indicou o sexteto. Os músicos, então, deixaram a banda de Cruzeta para formar a Orquestra Brasil. Casado e com uma boa grana no bolso, Petrônio leva agora a esposa e a filha na bagagem. Cada músico de Cruzeta recebe 1100 euros (cerca de 3 mil reais) e não gasta quase nada para viver na França. Todos moram num Moto Home – espécie de trailler de luxo (como Petrônio é o único casado, tem direito a um só para a família dele). Também não pagam pela alimentação nem pelo transporte. Se bem que, no caso da comida, os músicos preferiam pagar um pouquinho mais. “A gente está levando duas esposas para ver se melhora um pouco nossa culinária. Os franceses comem muito pão, arroz e macarrão. É engraçado porque os ingredientes e temperos que a gente come no Brasil só encontramos nas lojas que vendem comida africana. Acho que o Brasil deve ter um pé na África”, conta rindo, desconhecendo a ligação entre as duas culturas.   

Com o salário mínimo de Paris na casa dos 1200 euros (cerca de 3200 reais), o poder de compra dos franceses assustou no início. Principalmente porque, quando a banda não trabalha nem ensaia, o tempo ocioso é gasto nos shoppings de Paris.  “A gente conheceu alguns lugares como a torre Eiffell e o cabaré Moulin Rouge (casa de espetáculo), mas corríamos mesmo para os shoppings. É gente demais! Não acho as coisas tão caras assim na França. O litro de gasolina mesmo, custa menos de 1 euro (cerca de R$ 2,7)”, disse.     

Indagado se adaptação ao novo idioma ocorreu sem problemas, ele admite que “está dando para enrolar”. E faz questão de ressaltar que não fosse o trabalho desenvolvido pelo maestro Humberto Carlos Dantas, o Bembem, na Banda Sinfônica de Cruzeta, não cruzaria nem as fronteiras do Rio Grande do Norte. “A gente deve tudo isso ao professor Bembem. Todo mundo começou na flauta doce, está desde o início.  Na França, já comprei um terreno aqui em Natal, muita coisa para a casa. Estamos realizando um sonho”, disse.

A Orquestra Brasil é formada pelos músicos: Petrônio Clébio Espíndola (trombone), Vilamir (saxofone), Sanderson Almeida Dantas (teclados), Hudson Guedes (baixo) e Anchieta Santos (bateria).

Os sonhos do maestro Bembem

Idealizador da Banda Sinfônica de Cruzeta, Bembem Dantas destaca o lado social do trabalho  que levou os seis jovens músicos da cidade a Europa. Indagado se o sucesso dos pupilos o deixa com a sensação de dever cumprido, ele prefere ressaltar o processo completo de transformação porque passam vários outros adolescentes que encontram na música uma dignidade quase perdida. “A gente trabalha hoje com cerca de 200 adolescentes entre 7 e 22 anos de idade. E o melhor disso tudo é você perceber a mudança de um menino que chega na banda todo desajeitado, cheirando cola, sem perspectiva, escutando música de péssima qualidade, e um mês depois já está preocupado em ajeitar o cabelo, cuidar das unhas, escutando e gostando de Beethoven! Esse é a grande contribuição da música para a vida das pessoas. E em Cruzeta, mesmo sem um grande apoio, a gente vem conseguindo fazer esse trabalho”, conta.

O curioso é que ao mesmo tempo em que a qualidade dos músicos de Cruzeta é motivo de orgulho para o maestro Bembem, o mercado aberto pela competência dos instrumentistas é encarado com preocupação. Isso porque o assédio das bandas de forró comercial, hoje, é um dos maiores calos do Conservatório. Embora esses grupos apareçam, na maioria das vezes, como a primeira oportunidade de emprego remunerado, o músico sofre pressão, ganha mal e a escola que o formou não tem nenhum retorno. O maestro compara a situação com a devastação da natureza pelo homem e sugere alternativas. “Vejo que os nossos músicos são como árvores, que se arrancadas precisariam ser replantadas em maior quantidade. Ou seja, a banda que levar um músico tem que investir em outros para equilibrar. Existe uma preocupação muito grande nesse sentido, até porque a maioria desses meninos é muito maltratado quando vai parar numa banda dessas”, disse.    O trombonista Petrônio Espíndola, que já passou por grupos como Cavaleiros do Forró e Circuito Musical, confirma as palavras do professor e revela que sentiu na pele as dificuldades.  “Teve um dono de banda que chegou para os músicos e disse que já tinha dinheiro suficiente, que não precisava de ninguém dali, e quem quisesse poderia ir embora porque querendo nosso lugar tinha umas 30 pessoas. Quando o Cavaleiros do Forró sofreu aquele acidente de ônibus em Goianinha eu estava na última poltrona do ônibus e sei o que a gente passou”,  conta.

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