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“Falta definir a ideologia tributária do país”

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Lauro Pinto Cardoso Neto

A legislação brasileira é contraditória. O país tem uma moderna Constituição, no entanto, “peca” ao não ter instrumentos eficazes de combater a sonegação de imposto. O procurador da República, Lauro Pinto Cardoso Neto, observa que o problema da sonegação recai sobre a impunidade.

“O contribuinte arrisca, aposta que vai sonegar e não será fiscalizado. Se for fiscalizado ele paga e não sofre sanção do imposto, pode pagar até uma multa, mas compensa pecuniariamente não pagar tributo. Para pessoa desonesta é vantajoso. Precisamos de normas claras para punição pelo não pagamento de imposto”, comenta o procurador, que esteve em Natal ministrando palestra no Congresso Brasileiro dos Auditores Fiscais, promovido pelo UNAFISCO. 

Lauro Pinto, que tem atuação em Brasília, chama atenção também para os crimes de improbidade administrativa. No caso da Receita Federal, foi esse  procurador que entrou com ações contra o ex-diretor da Receita Federal, Evardo Maciel. Para o procurador uma das alternativas de moralizar e tentar evitar que os ocupantes de cargos comissionados cometam crimes de improbidade, seria a nomeação dos cargos de diretor da Receita Federal e do Banco Central através de lista tríplice.

• As ações que o senhor impetrou sobre crime de improbidade cometidos por diretores da Receita Federal ganharam um “eco” muito grande no país. Será que se deve pela imagem até então “zelosa” que a população tinha da Receita?

Existem já ações propostas. Acredito que são quatro ou cinco ações propostas, sobre algumas irregularidade que ocorreram no âmbito da Receita Federal. Na verdade, as ações de improbidade vêm corrigir imperfeições setoriais. Não é algo que ocorre sistematicamente. Houve investigação do Ministério Público junto com a Corregedoria Geral da Receita. Acho que elas ganharam notoriedade porque as pessoas viram que propomos algumas coisas contra atuais e ex-dirigentes da Receita Federal.

• Depois de atuar nessas ações contra gestores da Receita o senhor defenderia uma análise mais criteriosa na escolha desses gestores de um órgão tão delicado quanto é a Receita?
Partimos do pressuposto de que a escolha do secretário dentre os integrantes da carreira valorizará muito o corpo técnico, a qualificação da função. Isso reduz muito ai interferência de grupos econômico pela administração da Receita Federal. A formação de uma lista tríplice seria um ganho muito grande. A instituição apresenta nomes reconhecidos para conduzir a política tributária. O que falta também é transparência e definição da ideologia da política tributária nacional. Não há transparência de motivos e finalidade. É colocada uma política tributária e o cidadão não sabe quem e qual o setor da economia que ganha e perde.

• A informação só chega ao contribuinte no final de tudo, faltaria uma comunicação para a população?
O contribuinte nunca sabe o que está pagando. Os tributos não geram distribuição de renda, e ocorre uma concentração. Você onera o consumidor, agregando tributo aos produtos, e desonera o capital ou outras rendas dos grandes grupos econômicos. Tem que haver uma correção do que o sistema tributário faz e o que prevê a Constituição. Quando a gente trabalha com igualdade substancional garantida pela Constituição, tem que trabalhar com igualdade tributária. O sistema gera distorção. Falta um processo legislativo participativo do contribuinte. As normas tributárias são editadas pela Receita, mas o contribuinte não entende e não tem conhecimento do quanto vai pesar ou não.

• De que forma poderia ocorrer o processo participativo a que o senhor se referiu na resposta anterior?

No processo legislativo ordinário já há audiências públicas. Na Câmara e no Senado há esse tipo de discussão. Não vejo problema na elaboração de lei no processo legislativo ordinário, o problema ocorre na edição de Medida Provisória no âmbito da Receita Federal. As MPs são gestadas dentro da Receita  não se sabe quem elaborou os estudos, quem tem interesse, quem ganha e quem perde; não sabemos de onde vieram os estudos técnicos, quem elaborou, a pessoa que elaborou a redação final. Ela (a Medida Provisória) é gestada na Receita. O presidente da República é incapaz, ele não tem condição material de examinar todas as MPs que passam. Ele (o presidente da República) trabalha numa relação de confiança com o seu Ministério. As Medidas Provisórias e os atos normativos são feitos sem qualquer participação ou transparência com a sociedade. No Estado democrático de Direito, pressupõe ética, transparência e participação da sociedade.

• Não seria uma utopia essa defesa do processo transparente?
Não é utopia. No momento em que temos  audiência pública, com comunicação ao Ministério Público, convite a Unafisco, convite a setores da economia. Isso provoca a boa discussão em audiência pública ou mesmo, com processo parecido, estabelece-se prazo para proposta. E você cria um processo legislativo negocial; é o legislador negociador. Além de estabelecer regras, essas discussões incentivam o destinatário da norma a cumprir. O legislador trabalha sob pena de não ter o cumprimento de norma tributária. Muitas vezes a política tributária mal feita inviabiliza até determinado setor da economia.

• Seria viável a lista tríplice para escolha do diretor da Receita Federal?
A Receita e o Banco Central são dois órgãos muito sensíveis da Justiça Federal. Para uma política de Governo necessita estabelecer política monetária e tributária. Só é possível trabalhar com política de Governo usando a participação da Receita e trabalhando para que ela seja capaz de fazer cumprir de forma ética e transparente aquele projeto de Governo. Quando você tem a escolha do secretário do Banco Central legitimada pela escolha de uma lista tríplice a situação é outra.

• A ética do ponto de vista macro hoje na gestão pública é raridade porque os órgãos e a fiscalização deixam a “brecha” para a atuação dos maus gestores?
Eu acho que avançamos muito na discussão sobre ética e transparência. O fundamento da ética e transparência, baliza a boa conduta da gestão pública e a moral administrativa. Temos consagrado na Constituição o princípio da moral administrativa e da ética e transparência. A Constituição traz o princípio da moralidade administrativa e publicidade administrativa. São direitos fundamentais da Constituição. E o legislador teve a preocupação de estabelecer uma maior proteção a moralidade administrativa. O Constituinte de 1988 previu severas sanções ao agente ímprobo, que não se pauta na ética e transparência.

• Não seria sonhar demais com moralidade na gestão pública?
É uma luta muito grande. O fundamento constitucional é uma mudança de paradigma, com uma participação maior dos diversos segmentos da sociedade e uma exigência de administração pública. Ser revolucionário hoje é cumprir a Constituição, que (nossa Constituição) é muito moderna. Ela (a Constituição) cria, estabelece direção de conduta que deve ser observada por todos.

• Mas essa maior participação da sociedade necessitaria de um amadurecimento, o senhor acredita nesse “amadurecimento” por parte da sociedade?
Nos anos 70 foi necessário reformular, demitir, contratar novos policiais em Nova York porque chegaram a conclusão que toda cúpula estava comprometida com o crime organizado. Mesmo em um país desenvolvido (Estados Unidos) eles trabalham com essa prática, o ilícito, condutas não adequadas a boa administração pública. A questão central do ponto de vista tributário é a impunidade. Temos que fazer reformação do sistema. Hoje há um incentivo de sonegar tributos. O contribuinte arrisca, aposta que vai sonegar e não será fiscalizado. Se for fiscalizado ele paga e não sofre sanção do imposto, pode pagar multa, mas compensa pecuniariamente não pagar tributo. Para pessoa desonesta é vantajoso. Precisamos de normas claras para punição pelo não pagamento. Há uma percepção penal e ao final ele reconhece, soneguei, mas vou pagar e acaba aí. Você mobiliza todo aparato estatal.

• O senhor vê alguma relação entre o cargo comissionado e os escândalos de corrupção na gestão pública?
Ao que me parece os maiores problemas são com servidores temporários, justamente a exigência de grande número de cargos comissionado ocupando funções, primeiro escalão, direção. Não há compromisso das pessoas com o interesse público. Eles são comprometidos com determinado grupo, interesses particulares.

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