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Famílias pobres querem gerar sua própria renda

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SOCIAL - Marleide Lopes da Silva resolve fazer planejamento familiar depois de dar à luz a cinco filhos

A velha política de “dar o peixe” em vez de “ensinar o povo a pescar” tem sido o carro-chefe do governo Lula, no âmbito social. No  entanto, o programa Bolsa-Família não é acessível a todas as pessoas que estão na condição de pobreza e extrema pobreza. Moradores das comunidades rurais ficam à margem do programa e estão sobrevivendo sem o dinheiro que é depositado todo mês na conta de alguns “privilegiados”.

Mas até que ponto é válido receber um pouco de recurso financeiro do governo? O povo quer mais. O povo quer trabalhar, quer gerar sua própria renda.  Os trabalhadores rurais querem ter acesso às novas tecnologias para melhorar o plantio, as mulheres do campo querem  continuar tendo acesso aos benefícios do INSS, como o salário-maternidade, mas elas também querem aprender a planejar a família.  

A comunidade de Traíras, em Macaíba, localizada a 20 km  da sede do município, é um lugar que vive em “câmara lenta”. Mesmo tão perto da Capital, os moradores podem se considerar distantes do centro da cidade e de Natal. Os cursos de capacitação promovidos pela prefeitura não chegam à comunidade. O diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Manoel Severiano da Silva, 47, explicou que os organizadores fazem inúmeras exigências quanto à escolaridade das pessoas e não liberam as vagas. “Os cursos de licores, artesanato, bolos, quando aparecem em Traíras, não podem ser feitos pelas mulheres daqui”.

Na cidade, são promovidos vários cursos na área de informática, mas a distância dificulta o acesso para os jovens de Traíras. A secretária do sindicato, Ednalva Trajano, 37 anos, lamenta que os recursos do Bolsa-Família voltados para a capacitação não vão para as comunidades rurais. “O homem e a mulher do campo devem ser valorizados”.  

A dona-de-casa Marleide Lopes da Silva, 34, começou a fazer planejamento familiar na tentativa de dar um basta em sua prole. Ela não recebeu nenhuma orientação: partiu de seu interesse ir ao posto de saúde e pedir pílulas anticoncepcionais. Mãe de cinco filhos, Marleide recebeu salário-maternidade do mais novo e é beneficiária do bolsa-família. Mesmo assim, pensa que ganhar seu próprio dinheiro deve ser melhor do que se contentar com pouco mais de R$ 100. O marido é agricultor, porém, vende bolos e pães quando não está na lida do campo.

“Eu queria aprender a fazer alguma coisa, porque não gosto de trabalhar na roça. E se tivesse um jeito das mulheres da comunidade ficarem em um só lugar, para cuidar dos filhos e trabalhar?”, sonha. A jovem Simone Bernardo de Lima, 23, mãe de dois filhos, não recebe a bolsa mensal, tampouco teve acesso ao salário-maternidade.

“Eu concordo com minha cunhada. O governo está falhando no bolsa-família, porque é um dinheiro que não chega para todos. Já faz mais de ano que fiz meu cartão e todo mês procuro saber se chegou, mas até agora nada”. Com os estudos incompletos, ela também sonha com um futuro melhor para si e sua família. Simone não quer seguir a saga de seus pais, que tiveram 12 filhos. “Aprender a trabalhar para viver, a gente não quer mais nada além disso. Encher a casa de filhos para quê”, questiona.

Poucos aplicam com sensatez o benefício

Algumas ruas abaixo do centro do distrito de Traíras, mora uma mulher que sonha em fazer crochê. Ela acha lindo ofícios como bordados e outros tipos de artesanato. Como é portadora de deficiência física, Maria Cordeiro, 30 anos, precisa de um serviço leve, que possa ser desempenhado sem sofreguidão. O marido é agricultor e ganha diária que varia entre R$ 15 e 20, nos poucos dias em que é chamado a trabalhar. “Se levar o almoço, ganha mais”, explica.

Neidinha, como é mais conhecida entre a vizinhança, é mãe de quatro filhos e recebeu salário-maternidade de três. Com os benefícios assegurados pelo INSS, comprou um garrote e construiu aos poucos a casa em que a família mora. Na quarta gravidez, decidiu dar por encerrada a família. Procurou um vereador e conseguiu fazer a cirurgia de ligaduras de trompas. “Eu e mais três vizinhas não tiramos o bolsa-família. Disseram que eu tinha dois cartões. Como, se nunca tive nenhum?”.

Na visão do presidente em exercício da Fetarn (Federação dos Trabalhadores Rurais do RN), José Ferreira, Neidinha aplicou de modo sensato o dinheiro retirado do salário-maternidade. Ele afirmou que à medida do possível faz um trabalho de orientação junto aos sindicatos, para que as beneficiárias não comprem apenas coisas supérfluas. “As mulheres, os homens e os jovens do campo têm os mesmos desejos de consumo das pessoas que vivem nas áreas urbanas. Muitas pegam o dinheiro e compram eletrodomésticos”.

O líder sindical não condena a atitude das mulheres, no entanto, observa que a aquisição de uma vaca ou de um bezerro será de maior valia para as famílias. “Faltam projetos para a população do campo. Falta orientação para as mulheres procriarem.

Mulheres saem em busca de recursos do INSS

A doméstica Ana (nome fictício) presta serviços para a pensionista Maria Luíza Melo, 66, há nove anos. A funcionária sempre ficou na informalidade porque não queria perder seu vínculo com as origens da família, que reside no interior do RN. Em quase uma década, ela teve alguns filhos e conseguiu o benefício do salário-maternidade de todos eles.

Mesmo trabalhando na cidade, e engravidando fora do prazo determinado pela legislação (a mulher do campo tem que estar há 10 meses na terra para provar que é agricultora), a doméstica teve acesso ao benefício. Uma amiga dela acha normal e também está se filiando a um sindicato rural para ter acesso aos benefícios, porque se casou com um agricultor e os direitos são válidos para a família.

O presidente em exercício da Fetarn, José Ferreira, acha pouco provável que algumas pessoas consigam infligir as regras do INSS. “Elas são bem claras, exigem uma série de documentos comprobatórios”, reforça. Ao mesmo tempo, o líder sindical critica o governo federal por não  modificar a forma de comprovação da atividade de agricultura, que ocorre por ações declaratórias, e não exatamente por recolhimento de contribuição.

Atualmente, para requerer os benefício da previdência, os trabalhadores precisam apresentar documento expedido pelo sindicato (mesmo que a pessoa em questão não seja filiada), três testemunhas, documentos da propriedade ou declaração do proprietário de que o requerente presta serviços naquela terra. Pela condição de regime familiar, as filhas e os filhos têm direitos aos benefícios.

O funcionário do INSS, João Maria Lopes, explicou que a legislação está mais branda para os agricultores porque é coerente com as condições de sazonalidade da profissão. “No período de seca, os trabalhadores podem trabalhar na zona urbana, desempenhar outro tipo de atividade”.

Para a funcionária do sindicato dos trabalhadores rurais de Macaíba, Francisca Rogéria, esse tipo de “brecha” na lei tem incentivado as pessoas que não têm direitos a procurar o sindicato mesmo fora do período de carência. “A gente enfrenta muitos problemas com as mulheres que trabalham de doméstica na cidade”.

RN tem 300 famílias que recebem auxílio

No Rio Grande do Norte, 300 mil famílias recebem auxílio financeiro que varia entre R$ 20 e R$ 182 por mês, referente ao Bolsa-Família (programa social do governo federal). De acordo com as regras, todas as famílias que possuem renda per capita até R$ 120 têm direito ao benefício. As secretarias municipais de assistência social fazem o cadastramento.

No manual publicado pelo Ministério  do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, “não há privilégio individual na seleção das famílias. Ela é feita de forma automatizada…”. No entanto, pessoas como os moradores da  comunidade Traíras, em Macaíba, ficam de fora do programa. Isso demonstra as falhas no sistema e provável situação de favoritismo.

O sociólogo Manoel Eustáquio  de Barros, da coordenadoria de benefícios sociais da Sethas (Secretaria Estadual do Trabalho, Habitação e Ação Social) considera que o governo tem a obrigação de proporcionar alguma segurança para o cidadão, “inclusive financeira”. Ele acha interessante as condições impostas pelo programa, que são a freqüência das crianças acima de seis anos na escola e o cartão de vacinas atualizado.

Vinculado ao programa, o governo disponibiliza recursos para a capacitação da população, repassados aos municípios de acordo com o IGD (Índice de Gestão Descentralizada).  O indicador mede a qualidade da gestão municipal do Programa Bolsa-Família. Quanto maior o IGD, mais será o valor do recurso transferido. Para o cálculo, são levados em conta quatro variáveis, que são a qualidade e a integridade das informações constantes no cadastro único, a atualização da base de dados, as informações sobre o cumprimento das condicionalidades da área de educação e da área de saúde. 

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