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Famílias saem em busca de água

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Francisco da Câmara, acompanhado dos quatro netos, vai buscar água no riacho do Juazeiro, que já está praticamente seco

De chapéu marrom, camisa quadriculada e faca na cintura, o agricultor Francisco Dionísio da Câmara, 70 anos, conduz a carroça na companhia dos quatro netos. O destino é o que sobrou do riacho de Juazeiro (seco pela falta de chuvas na região), na comunidade rural Lagoa do Juazeiro, no município de Poço Branco. Debaixo do sol quente das dez horas da manhã, eles vão buscar água para os animais do sítio. A água é salgada e tem lodo. Mesmo assim, a carroça só volta do riacho com os dois tonéis de 20 litros (que antes guardavam produtos químicos, conforme a indicação escrita) e os baldes cheios. Se não os bichos morrem de sede.

Natural de uma comunidade rural vizinha, Contador, o agricultor Francisco está acostumado à realidade de buscar água longe de casa. “Vivo nesse lugar desde 1955, sempre foi assim. Já teve vez pior, de ter de ir ao centro de Poço Branco comprar água mineral porque não tinha o que beber”, conta. Com a ajuda dos netos de cinco, oito, nove e doze anos, ele enche os baldes e toca a carroça de volta para casa. Assim como em Lagoa do Juazeiro, muitas outras comunidades rurais enfrentam dificuldades por falta de água.

O assentamento Santa Tereza fica 20 quilômetros distante do centro do município de Bento Fernandes. Com 21 famílias vivendo no local o assentamento tem sérios problemas de falta de água. Chove pouco e o acesso é difícil. Lá Yara da Rocha Sena, 26 anos, vive com o marido agricultor e os quatro filhos, há três anos. Quando a falta de água aperta, ela se muda com as crianças para Poço Branco, para a casa de parentes. “Agora até que está melhor, choveu um pouco, mas quando falta só resta esperar. Quando fica muito difícil vou com as crianças pra cidade”, diz.

O assentamento Santa Tereza é um dos lugares do Rio Grande do Norte que recebe ajuda do Exército Brasileiro. São sete carros-pipa por mês, que levam 20 litros de água, para cada habitante utilizar por dia, cada vez que aparece pela comunidade. “É pouco, mas não temos o que fazer, se não agradecer à ajuda”, informa uma outra moradora do assentamento, Luzinete Lima Gadelha, 47 anos.

Em Logradouro, zona rural do município de Taipú, a situação não é diferente. Quando falta água o jeito é esperar pelo carro-pipa, que este ano foi bancado pela prefeitura. A agricultora Damiana de Almeida, 46 anos, conta que se não fossem as cisternas, que armazenam águas das chuvas, não haveria como manter um reservatório para “os tempos piores, no verão”. As cisternas de que Damiana fala, fazem parte do programa “Um Milhão de Cisternas”, do Governo Federal. O programa beneficia mais de 10 milhões de pessoas com a construção de cisternas em várias localidades do Nordeste. Todas as casas visitadas pela equipe da TRIBUNA DO NORTE, tinham cisterna há pelo menos seis meses.

Carros-pipas são a salvação no RN

O problema com a falta de água em Taipú, é antigo. Apesar de algumas chuvas e da vegetação ainda verde ao longo das estradas, os reservatórios, lagoas, açudes estão vazios. Isso preocupa as autoridades locais, porque ainda não chegou o período mais seco do ano, o verão.

“Andou chovendo, ainda não estamos no pior momento. Até agora ainda não foi preciso decretar estado de calamidade, mas já temos sérios problemas com a falta de água nas comunidades rurais”, explica o secretário de ação social de Poço Branco, Williams Gomes da Rocha. Segundo ele, não costuma faltar água para consumo humano na cidade, mas a principal fonte de renda do município, a agricultura, fica prejudicada. “A água para beber vem de Pureza (melhor qualidade), mas não tem água para agricultura. A barragem está com menos de 10% da capacidade”.

A barragem a qual o secretário se refere é o reservatório Engenheiro José Batista do Rego Pereira, em Poço Branco e que fornece água para a agricultura e animais de várias outras localidades próximas, como Bento Fernandes e Taipu.

De acordo com o chefe de gabinete de Bento Fernandes, José Pinheiro, a situação da barragem é preocupante. Bento Fernandes já decretou estado de calamidade e vai receber esse mês 156 carradas de água (em dois carros), com carros pipa do Exército. “Aqui às vezes falta até água para consumo humano”.

Na cidade de Taipú, a situação não é diferente. O secretário de obras do município, Nivaldo Paulino da Costa, conta que desde novembro de 2006 até o mês passado a prefeitura bancou carros pipa para a população. “Optamos por não decretar estado de calamidade porque perderíamos alguns convênios com o Governo Federal, como um apoio à pavimentação”. Taipú tem 26 comunidades rurais que dependem durante meses do carro pipa. Sem essa ajuda cerca de 25 mil pessoas que vivem nas zonas rural e urbana dessas três cidades, sofrem com a falta de água e a queda na produção da agricultura.

Operação pipa abastece municípios  do interior

O Exército brasileiro tem realizado um trabalho de abastecimento de água em municípios que decretaram estado de calamidade. A “Operação Pipa” é uma parceria entre o Exército e o Ministério da Integração Nacional, que garante os recursos para o abastecimento. Os recursos são enviados mensalmente, de acordo com a demanda de municípios que solicitam ajuda.

Este ano, 62 municípios decretaram estado de calamidade, dos quais 43 ainda estão recebendo abastecimento de água. Estão disponibilizados 131 carros-pipa para essas localidades. O número se manteve em relação ao ano passado. Em 2006 foram 63 municípios em estado de calamidade e 155 carros utilizados na operação. O exército não informou quanto foi enviado pelo ministério para este ano.

Os municípios em dificuldade procuram a Defesa Civil do Estado, através da Secretaria Estadual de Interior, Justiça e Cidadania (Sejuc). O Governo do Estado comunica ao Ministério da Integração, que encaminha recursos ao exército para incluir o município no programa “Operação Pipa”. De acordo com o secretário de Justiça, Leonardo Arruda, o Exército têm abastecido os municípios e isso tem ajudado a melhorar a situação de algumas localidades.

Alguns municípios abastecidos pelo Exército estão em situação de calamidade porque houve pouca precipitação ao longo do ano. É o caso de Bento Fernandes, onde choveu 381milímetros, e Taipu, com 496mm. Muito abaixo da média de chuvas em outros pontos do Estado, como o município de Baía Formosa, onde choveu 1.393,5mm, ou Natal, com 1.377mm.

[Entrevista]  José Mário Borba
Gerente de estudos e projetos do Proágua

“Alguns municípios terão problemas”

Como foi o inverno este ano no interior do Estado?

O inverno foi caracterizado pela irregularidade e fraco. Houve intervalos grandes entre uma chuva e outra, e distância entre as localidades onde choveu. Ocorreu uma relação direta entre o inverno e o volume acumulado em termos de tempo e espaço. Em alguns lugares choveu muito, mas em outros quase não teve chuva.

Em que isso reflete para o RN?

Reflete que hoje temos alguns reservatórios cheios e outros com nível muito baixo. Temos os três maiores reservatórios do Estado em níveis bons de armazenamento. A barragem Armando Ribeiro Gonçalves está com 92% da sua capacidade. Do total de 2 bilhões e 400 milhões de metros cúbicos que ela pode armazenar, está com dois bilhões e 200 milhões. As outras barragens também estão com bons volumes, como a de Santa Cruz, que está com 82% da capacidade e a de Umarí, que tem 52%. Atualmente o RN está com 78% da capacidade de armazenamento de água preenchida. Os 45 maiores reservatórios do estado, com capacidade acima de cinco milhões de metros cúbicos, estão em boas condições. A capacidade de armazenamento desses reservatórios é de 4 bilhões e 380 milhões. Hoje temos armazenados 3 bilhões e 400 milhões de metros cúbicos.

Quais os reservatórios que estão em más condições?

Dos maiores o reservatório de Poço Branco. Esse é o quarto maior do Estado e está com menos de 10% da sua capacidade. O açude Dourado, em Currais Novos também está com nível baixo. Dos 10 milhões de metros cúbicos que podem ser armazenado, está com menos de um milhão.

Deve faltar água até o próximo inverno?

Para consumo humano não deve faltar. Mas para a agricultura e pesca (níveis baixos prejudicam a pesca) pode haver problemas em alguns lugares. No caso dos municípios que dependem do reservatório de Poço Branco, provavelmente haverá problemas. Em Bento Fernandes, João Câmara, Taipu, podem ocorrer. Mas nesses lugares não vai faltar água para consumo humano, porque a água do reservatório é imprópria (salgada e com lodo), serve apenas para agricultura e pesca. A água para beber vem de Pureza, onde não houve problemas.

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