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Famílias se estabelecem em bairros da Grande Natal

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MIGRAÇÃO - Júlia veio da Bahia com a família para morar em Emaús e não se arrepende da escolha pelo RN

A dona-de-casa Júlia Lima, 44 anos, é baiana do município de Catu. A família do empresário João Mesquita, 39, é da região do Algarve, em Portugal. O aposentado Severino Faustino, 78, morava em Angicos, zona Central do Rio Grande do Norte.  Os três não possuiriam nada em comum, se não fosse o fato de que são exemplos das milhares de pessoas que migraram para a Região Metropolitana de Natal, ampliando o crescimento populacional.

Enquanto João Mesquita vive em uma área nobre da capital, o bairro de Candelária; Severino Faustino habita uma das mais carentes, os Guarapes; e Júlia Lima é moradora de uma das que mais cresce em Parnamirim, Emaús. “Viemos para cá sem conhecer nada, mas hoje isso aqui está se valorizando muito rápido e não penso mais em voltar para a Bahia, até minha irmã já fala em vir morar por aqui”, afirma a dona-de-casa.

Após 18 anos vivendo na “Grande Natal”, Júlia se diz satisfeita em ter aceitado, junto com seu marido José Lima, o convite feito pelo cunhado há 18 anos. “Ele trabalhava aqui, nos chamou e a gente decidiu vir. Depois que chegamos não quisemos mais sair. Aqui em Emaús é assim, já tem uns 20 baianos, fora os que foram morar lá para os lados do Parque Industrial”, ressalta.

A família do casal de Catu não parou de chegar. Depois da de Júlia, vieram para o Rio Grande do Norte outras três ligadas a seu esposo. “Eles querem vir mesmo, porque aqui as coisas são mais próximas (Catu fica a 78 km de Salvador) e mesmo que os salários não sejam tão altos quanto os de lá, pelo menos se gasta bem menos. Em Natal, você pode ir a pé do Centro para o Alecrim e economizar, já em Salvador tudo é distante”, exemplifica. 

Os três filhos, Luan de 13 anos, Pedro Davi e João Vitor, ambos de 7, nasceram em Natal e, pela vontade da mãe, vão formar suas famílias no Rio Grande do Norte mesmo. “Não acho que eles vão para a Bahia, quero que façam faculdade aqui”, afirma. Júlia Lima diz não ter saudades da vida em Catu e garante que, agora, o objetivo é resistir ao crescimento de Emaús e permanecer no local. “Muita gente saiu daqui, vendeu suas casas. Meu marido até já colocou a nossa para vender, mas se arrependeu e não vai fazer mais isso”, comemora.

Caso a família resista a deixar o bairro, Júlia deverá ganhar muitos vizinhos novos nos próximos anos e grande parte vindo de outros Estados. “Tem muita gente de fora”, confirma. Emaús é apontado pelas projeções do professor de Estatística Flávio Henrique Miranda, da UFRN, como um dos locais que vai crescer em ritmo mais acelerado na Região Metropolitana de Natal, a uma taxa de 5% ao ano, passando dos 11 mil moradores registrados no censo de 2000, para mais de 30 mil em 2020.

Casal troca a roça pela cidade

A esposa de Severino Faustino, “dona Raimunda”, usa um bom exemplo para explicar como era a vida do casal em Angicos. “Teve tempo dele só ter uma calça e uma camisa. Um dia foi trabalhar e o garrote do chefe comeu a camisa dele. Severino acabou indo para a feira só com a calça”, relembra a dona-de-casa. Ela, prestes a fazer 60 anos, nasceu em Macau. Ele, de 78, é natural de Santana do Matos. Após viverem em Angicos, terminaram vindo para a Grande Natal por conta de um problema comum a muitos sertanejos: a seca.

Embora não lembrem o ano exato (“faz mais de 15”, dizem os dois), a certeza é que a falta de chuvas motivou a migração para as proximidades da capital. “Era um desmantelo lá, não tínhamos nada e até fazendeiro estava se inscrevendo nas frentes de trabalho”, recorda Severino Faustino, que trabalhava no campo, só possuía uma pequena roça e hoje, além da aposentadoria, ganha a vida como apontador de “jogo do bicho”.

A primeira parada do casal foi na comunidade do Pajuçara, município de São Gonçalo do Amarante. “Só há uns 10 anos conseguimos essa casa aqui nos Guarapes. Hoje, tenho vontade nenhuma de voltar para o interior. Aqui a vida é melhor, dá para sobreviver, lá tinha dia que não tinha quase nada para comer. Aqui, a gente tem pelo menos os meios para ir vivendo”, compara.

Português tem visão crítica sobre a cidade

Como tantos outros estrangeiros, o português João Mesquita foi atraído para Natal pelo potencial econômico que a região demonstrava. “Viemos à procura de investimentos. Na primeira vez vimos a casa para morar e também imóveis para comprar. Depois, voltamos para ver a escola para as crianças e tratar da abertura da empresa. No final de outubro (de 2004) chegamos em definitivo”, descreve o empresário.

Hoje, porém, ele teme que Natal esteja “matando a galinha dos ovos de ouro” e possa perder a atração que possuía sobre os europeus. “Quando chegamos cá, achamos falta de muita coisa. Supermercados, produtos e infra-estrutura geral. Hoje, tem estado a melhorar lentamente, mas o custo de vida em Natal tem aumentado muito e a cidade não se desenvolveu para manter o interesse dos turistas”, avalia.  

João destaca que aqueles que já adquiriram residência acabam “presos” ao local. Porém, o mesmo não acontece com os demais estrangeiros. “Muitos que vêm morar procuram a qualidade de vida melhor. O turista, no entanto, vem a primeira vez e se apaixona, conhece o litoral Norte, litoral Sul. Na segunda vez tem exatamente as mesmas coisas. Na terceira vez, acaba optando por outro lugar, porque o Brasil é enorme e o interesse por Natal diminui”, observa.

O empresário considera que se houvesse, de parte do governo, apoio aos investidores para o desenvolvimento ocorrer de forma mais acelerada, isso ajudaria a manter o interesse dos estrangeiros, através da criação de opções de lazer. Hoje, porém, a expectativa não é das mais positivas. “Os cancelamentos de vôos têm aumentado e até amigos nossos de São Paulo vieram aqui e consideraram que na cidade tudo está muito caro”, revela.

Ele e a esposa, a também portuguesa Carla Mesquita, observaram nesses quatro anos outras mudanças negativas. “Notamos 30% a 40% a mais de volume de trânsito. Algo muito prejudicial também é a questão da população jogar lixo nas ruas. Assim como a dengue. Um vôo charter lá de Portugal foi cancelado por conta da epidemia”, reforça.

Um ponto positivo, reconhece, é ainda o baixo nível de violência em Natal. Mesmo assim, essa característica não deverá ser suficiente para o casal manter as filhas (duas nascidas em Portugal e uma no Brasil) em terras potiguares. “Isso é complicado, porque os estudos no Brasil não tem equivalência com os da Europa”, compara.

Atualmente, até mesmo a empresa de João Mesquita vem sofrendo com o mau momento do mercado imobiliário internacional e do próprio “destino Natal”. “Primeiro, levou muito tempo para obter os licenciamentos ambientais e agora, que consegui tudo, está em uma fase ruim para as vendas”, lamenta.

Moradores antigos acompanham as mudanças

Enquanto não param de chegar moradores novos, os habitantes mais antigos da Região Metropolitana acompanham as rápidas mudanças das cidades. E não são poucas. Quando Remarque Fernandes, de 72 anos, era uma criança, Natal possuía apenas seis bairros. “Tinha as Rocas, Ribeira, Cidade Alta, Petrópolis, Tirol e Alecrim, sem contar o Carrasco”, lembra o engenheiro, aposentado da UFRN, que há 58 anos mora na avenida Rodrigues Alves, no Tirol.

Hoje, ele vê a capital se expandir em uma velocidade além da que consegue acompanhar. “Se eu for andar por Natal me perco”, reconhece. Há seis décadas, um antigo ônibus “circular” era suficiente para levar os moradores da capital a todas as regiões urbanas da cidade. “Pegávamos ele na Maxaranguape para ir ao Centro. Aqui na Rodrigues Alves quase não havia casas, a rua era de areia. Por esses lados, só ia até a lagoa Manoel Felipe (onde fica a Cidade da Criança) e depois só coqueiros e cajueiros”, recorda.

Remarque acredita que, em breve, ruas centrais como a Rodrigues Alves tendem a se tornar exclusivamente comerciais. “Muitos moradores antigos têm morrido e as casas são vendidas para construir clínicas, escritórios ou espigões.” Já os mais jovens acabam buscando áreas mais distantes para viver. Dos tempos nostálgicos do bairro, o que mais o aposentado sente falta é da tranqüilidade. “Você saía a qualquer hora sem ser assaltado. Andava a pé para todo canto. A violência não deixa mais”, lamenta.

A tranqüilidade vivida por Remarque no Tirol, há mais de meio século, foi também a companheira do comerciante Juarez Araújo nos primeiros anos após chegar a Nova Parnamirim, duas décadas atrás. A área que hoje é uma das que mais cresce na Grande Natal não possuía sequer infra-estrutura básica. “Era quase tudo só granja. A gente tinha de ir pegar água no conjunto IPE”, afirma.

Ele acompanhou e se aproveitou do surgimento dos primeiros núcleos habitacionais do bairro para iniciar seus negócios. Em 1989, quando começou a construção de um grande condomínio, abriu um mercadinho. Um ano depois inaugurou uma escola. “Nessa época a Maria Lacerda era praticamente intransitável, mas as pessoas continuaram chegando e a região foi crescendo”, destaca.

Hoje, Juarez Araújo acredita que a expansão da área se dará principalmente em outra direção, a vertical. “Vai crescer muito para cima”, prevê.

Entrevista

Aldo Dantas – Professor de Geografia da UFRN com doutorado pela USP

O que leva as populações a migrarem para uma Região Metropolitana?
É difícil definir, mas é claro que há variáveis mais comuns e movimentos mais claros. Não há, porém, uma razão única. Um antigo geógrafo francês, Max Sorre, dizia que a migração é uma soma das necessidades, desejos, sofrimentos e esperanças das pessoas. Com relação a Natal, temos uma sociedade urbana e o urbano é o lugar preferencial para alocação de novas tecnologias, de capital, dos sistemas de engenharia, que se instalam preferencialmente onde já há algum tipo de instalação e isso atrai a população, do ponto de vista da mão de obra. Uma boa parcela vê na cidade formas de estratégia de sobrevivência melhores do que as que tinham no interior.

Então quanto mais “metrópole” Natal se tornar, maior será essa atração? 
Exatamente. Quanto mais ela se transforma em um lugar de alta densidade técnica, alta densidade de informação, de cultura, vai congregar mais pessoas.

Então não se pode resumir essa migração apenas à fuga do homem do campo, devido às dificuldades no interior?
Não. É também isso, mas não é só isso. Você tem sempre um conjunto de variáveis que leva as pessoas a tomar a decisão de migrar e é bom lembrar que as pessoas migram para lugares diferentes da metrópole. Não é uma massa homogênea, que segue um caminho único. Tem gente que vem morar em Ponta Negra, Morro Branco, Candelária, e há uma grande massa que, aí sim, pode estar sofrendo no campo, em áreas estagnadas, e migra para a periferia das cidades em busca de melhores oportunidades.

E essa população traz consigo muitas necessidades?
Com certeza. Porque os empreendimentos privados se instalam preferencialmente onde já há outros e em função de determinados interesses econômicos, que não estão muito preocupados em saber das condições das periferias. Por isso a importância de desenvolver políticas públicas onde não há esse interesse. Uma empresa, podendo se instalar em uma região central, não vai se instalar na periferia. Quem tem de fazer com que isso aconteça são os governantes, a sociedade civil. Isso vale para o turismo, que é extremamente segregador e seletivo. Grandes empreendimentos estão sendo erguidos para europeus e mesmo brasileiros com dinheiro são excluídos. É uma verdadeira segregação branca.

E esse processo de migração tende a diminuir com o tempo?
Seguramente. Os últimos dados do IBGE afirmam que 93% dos que moram no Rio Grande do Norte são daqui mesmo, mas 40% não vive no lugar onde nasceu. Esses dados são de 1990, mas não devem ter mudado muito. Então, existe uma tendência a muito forte de diminuição desse processo, porque chega um momento em que vai estar todo mundo na cidade. Agora, o que não há é uma tendência de diminuição dos problemas.

Então ninguém espere que os problemas desapareçam?
Não. O trânsito não vai melhorar, as condições de habitação devem piorar, assim como educação, saúde, a questão ambiental. Territorialmente a gente vai ter uma segregação muito grande. A violência é outra variável que pode se agravar. É um cenário não muito interessante e exige mais do que apenas contar as pessoas e as coisas, demanda um conhecimento claro desse território, que a gente não tem. Trabalhamos com dados secundários do IBGE, que dizem pouco sobre as pessoas e como elas vivem.

O que é preciso, então?
Falta visão conjunta. As atividades sociais e deslocamentos da população independem de divisões administrativas, de territórios. O que os governantes precisam é deixar de lado as suas vaidades e entender que, ou pensamos a região metropolitana integrada, ou não vamos promover nenhum avanço.

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