A decisão do juiz Sérgio Moro de impedir o uso de provas obtidas pela
Lava Jato contra delatores deflagrou um clima de insegurança na
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) em relação à cobrança de
R$ 2,3 bilhões em débitos tributários dos investigados. O órgão jurídico
do Ministério da Fazenda vai pedir esclarecimentos sobre o alcance da
decisão, pois teme que a medida acabe limitando a atuação dos
procuradores, já que as apurações tiveram as delações como ponto de
partida.
De acordo com despacho divulgado no dia 13, Moro proibiu órgãos de
controle de usar informações da Lava Jato contra empresas e delatores
que colaboram com as investigações. Determinou também que, caso as
instituições queiram utilizar os dados, devem solicitar a ele
autorização específica sobre o colaborador ou a empresa leniente.
A medida atinge, por exemplo, a Advocacia-Geral da União (AGU), o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a Receita Federal e o
Tribunal de Contas da União (TCU).
A Receita Federal já fez autuações no valor de R$ 14,6 bilhões
relacionadas à Lava Jato. O Fisco e a PGFN fazem um monitoramento para
identificar se há risco de não pagamento devido à dilapidação do
patrimônio desses devedores. Quando esse perigo existe, o órgão jurídico
entra em campo para pedir o bloqueio de bens e assegurar a quitação do
débito no futuro. As medidas cautelares deferidas já chegam a R$ 2,3
bilhões, parte delas tendo delatores como alvos. Os pedidos são feitos à
Justiça do local de domicílio dos devedores.
A avaliação dos procuradores é de que cabe esclarecimento, pois se a
decisão tiver de fato a intenção de impedir o compartilhamento, todo o
trabalho feito nos últimos dois anos será perdido. Como as apurações dos
débitos tributários começaram com as informações fornecidas pelos
colaboradores, a vedação do uso dessas informações “contaminaria” todas
as demais provas obtidas, anulando todo o processo.
“Entendemos que a decisão não tem esse alcance, mas a gente, em contato
com o Ministério Público e com a própria 13.ª Vara (do juiz Sergio
Moro), vai solicitar um esclarecimento para que seja passado a limpo e
realmente não haja nenhuma dúvida em relação a isso”, diz o
coordenador-geral de Estratégias de Recuperação de Créditos da PGFN,
Daniel de Saboia Xavier. “Não faz sentido a gente dar um tratamento
privilegiado ao delator em relação a quem não cometeu crime nenhum.”
Segundo o Broadcast (serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado)
apurou, a Receita Federal também está pedindo esclarecimentos sobre a
decisão de Moro. O entendimento é que o despacho, da forma como foi
redigido, pode atrapalhar as atuações do Fisco e que o juiz não teria
esse condão, já que a cobrança de tributos é prevista em lei e é um
direito do Estado.
Embora as conversas sejam informais, uma manifestação formal de Moro é
considerada necessária para que não haja dúvidas da possibilidade de
atuação da Receita e que os delatores não terão nenhum privilégio em
relação a quem paga seus tributos em dia.
A Receita não se manifestou. A reportagem também procurou a 13.ª Vara
Federal de Curitiba, mas não obteve resposta até a conclusão desta
edição.
Risco
Uma das preocupações é que os alvos das autuações do Fisco usem a
decisão de Moro para se defender na esfera fiscal. “Aí, tudo vai por
água abaixo. E novos lançamentos também ficarão prejudicados porque
eventuais provas coletadas em novas delações não poderão ser utilizadas
para deflagrar procedimentos de fiscalização. É um risco muito alto para
tudo que já foi feito”, afirma Xavier.
Moro já defendeu o compartilhamento de provas em decisões tomadas no
passado no âmbito da Lava Jato. No entanto, a pedido do Ministério
Público, o juiz revogou parte desses compartilhamentos em abril e vetou o
uso de provas contra os delatores pelos órgãos de controle e pelo
governo federal, como revelou o jornal Folha de S.Paulo.
A avaliação nos bastidores é de que a medida tinha por objetivo blindar
empresas e pessoas que colaboraram com a Lava Jato para desvendar crimes
de sanções e punições proferidas pelos órgãos de controle, mas acabou
ameaçando também os trabalhos da Receita e da PGFN.
Estadão Conteúdo