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Festival dá visibilidade a mulheres bonequeiras do RN

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Tádzio França
Repórter
Elas já entraram na brincadeira há muito tempo, mas ainda não receberam a devida visibilidade. Por isso surgiu o 1º Festival de Mulheres Bonequeiras do RN, um evento que exibe a diversidade do talento feminino nessa arte tradicional, seja à frente ou por trás dos panos, manipulando ou produzindo os bonecos. O festival já começou e irá até sábado (6), com programação toda online, entre apresentações e bate-papos com pioneiras e novos nomes do segmento no Estado. O projeto foi contemplado pela Lei Aldir Blanc.
Catarina Medeiros (Calungueira), moradora da cidade de Ipueira, é a idealizadora do evento
A base do festival está na pequena Ipueira, município do Seridó a 319 km de Natal. Lá vive a idealizadora do projeto, Catarina Medeiros, ou melhor, Catarina Calungueira, educadora popular e brincante. Ela conta que o festival vinha sendo pensado desde 2019, mas devido à pandemia não aconteceu no ano passado. Em decorrência disso, Catarina conseguiu formar no Whatsapp o grupo da Rede Nacional de Bonequeiras, cuja articulação tornou possível a realização do festival em formato virtual neste ano.
“A ideia é de fato colocar as mulheres como protagonistas das brincadeiras. Elas sempre estiveram de alguma forma no processo, na maioria das vezes costurando ou pintando os bonecos para os homens. Então, esse é o momento de mostrar a importância e o papel delas em um cenário que sempre foi muito masculino”, explica a calungueira para a TRIBUNA DO NORTE. Ela ressalta que bonequeira não é só quem se apresenta, mas também quem produz.
Festival vai abordar o trabalho das bonequeiras, em toda a sua variedade, o fazer e o brincar
Bonecas virtuais
A programação do festival vai abordar o trabalho das bonequeiras em toda a sua variedade, incluindo a arte tradicional e a não tradicional, o fazer e o brincar. A transmissão é pelo Youtube, no canal do evento. Nesta terça-feira (02), tem às 14h bate-papo com a mestra Benedita das Bonecas, e a bonequeira Wilkflane Azevedo, da comunidade indígena de Lagoa do Tapará, entre Macaíba e São Gonçalo do Amarante. Às 19h terá brincadeira de João Redondo e conversa com a bonequeira natalense Zildalte Macedo.
Na quarta (03), terá a apresentação do espetáculo “Flor de Mamulengos”, às 19h, e bate-papo com a bonequeira Elane Letícia, do Sítio Baixa Verde, em Cerro Corá. Na quinta-feira, às 14h, a própria Catarina Calungueira mostrará suas brincadeiras, e baterá um papo sobre sua carreira e a vida de bonequeira com a mediadora Márcia Rossana. Logo mais, às 19h, terá o espetáculo “Convite 19”, e conversa com a bonequeira Luanita Praes, de Tibau do Sul.
Mestra Dadi, que morreu dia 25 de janeiro passado, aos 82 anos, em Carnaúba dos Dantas, foi a primeira mulher a ser registrada como uma brincante no Brasil. Dona Dadi só começou a brincar aos 50 anos, pois a família não costumava incentivá-la na arte, um fato a mais que ressalta sua importância nessa cultura
O espetáculo “Terra” será apresentado na sexta-feira (5) às 19h, seguido de um bate-papo com as bonequeiras Lenilda Sousa e Odara Inaê, de Mossoró. No último dia do festival, sábado (06), terá às 14h apresentação do espetáculo “A peleja da cientista com a negacionista”, mais conversa com as mestras Lydia Brasileira e Raquel Litterio, de Caicó; às 19h será a vez do espetáculo “Era assim no sertão”, e bate-papo com a família Verso e Prosa, de Caicó.
Pioneiras
Ser bonequeira no Rio Grande do Norte é automaticamente evocar a imagem da potiguar Dona Dadi Calungueira, a primeira mulher a ser registrada como uma brincante dessa arte no Brasil. Mestra Dadi faleceu no dia 25 de janeiro passado, aos 82 anos, em Carnaúba dos Dantas. “Eu comecei a me interessar pelos bonecos em 2014, quando conheci meu futuro companheiro. No início eu só pintava e fazia as roupas dos bonecos. Até que conheci pessoalmente a Dona Dadi e fiquei encantada pela arte e pela história dela. Foi aí que eu decidi que também iria brincar”, afirma Catarina.
Catarina conta que Dona Dadi só começou a brincar aos 50 anos, pois a família não costumava incentivá-la na arte. Mais um fato que ressalta a importância dela nessa cultura. Outra personagem importante na trajetória bonequeira de Catarina é Lydia Brasileira, uma caicoense que já foi professora da UFRN, criou o grupo Verso e Prosa, e a ensinou a importância da construção dos bonecos. No final de 2014 Catarina começou a brincar, primeiramente junto com o marido, e depois alternando apresentações solo com bonecos próprios, como o Boi Aurora e Catirina.
Novo espetáculo da caicoense Lydia Brasileira aborda a questão de quem se recusa a ser vacinado
Brincadeira de mulher
A presença feminina no palco bonequeiro é capaz sim de fazer a diferença, mesmo em um terreno tão tradicionalista, afirma Catarina. “A cultura popular não é uma coisa parada no tempo, ela se renova e está sempre ligada ao agora, antenada com o que está acontecendo ao redor dela. É possível colocar novas ideias nas brincadeiras, mas sem descaracterizá-las”, explica. O novo espetáculo de Lydia Brasileira, por exemplo, aborda a questão de quem se recusa a ser vacinado contra a Covid-19. Mais atual, impossível.  
A calungueira sabe que o teatro popular de bonecos tem uma grande leitura masculina, já que era totalmente feito por homens, mas como a brincadeira sempre põe algo de autobiográfico nas histórias, uma mulher bonequeira  pode acrescentar seu ponto de vista e sua sensibilidade. “Na brincadeira tem histórias clássicas e personagens dos quais não podemos abrir mão, como o João Redondo e o Capitão, mas eu dou um jeito de focar no protagonismo das bonecas, sem perder a essência da brincadeira”, diz ela.
Aos 27 anos, Catarina é da novíssima geração de brincantes. Ela mesma admite que demorou bastante tempo para ter contato com essa cultura, que andava meio esquecida por pessoas de sua faixa etária. Junto com o companheiro, a jovem veterana já tocou um Festival de Cultura Popular e lançou uma revista/catálogo sobre os brincantes do Seridó, em 2019. Já esteve em lugares como Brasília e Paraíba se apresentando e ministrando oficinas de bonecos.
Apesar de a cultura do João Redondo ser bem forte no Seridó, ela conta que era algo quase desaparecido do cotidiano das pessoas dessa região há alguns anos. “Quando eu conheci as brincadeiras, elas estavam quase sumidas, ninguém de 20 e poucos anos sabia de nada sobre. Mas eu sinto que do ano retrasado pra cá esse cenário está mudando, e até ficando mais inclusivo com as mulheres”, analisa. Ela ressalta que foi no Seridó que surgiu Bastos Calungueiro, o brincante que inspirou Dona Dadi a querer ter seus bonecos. E o ciclo se renova.
Serviço:
I Festival de Mulheres Bonequeiras do RN. Até dia 06 (sábado), no canal do evento no Youtube. Transmissões às 14h e às 19h.         

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