Tádzio França
Repórter
Edgar surgiu como uma entidade invocada de um terreiro futurista
Entre o sobe e desce da ladeira que separava os quatro palcos do festival, aproveitou mais quem fez um “mapeamento” prévio do que gostaria de ver. Mas, quem se jogou sem programações, experimentou vários sons distintos ao longo da noite. O sábado pode ter começado para uns com o batuque forte e ancestral da Nação Zambêracatu, e para outros com a lânguida brisa sonora da cantora BEX – que talvez rendesse melhor num palco menor. O jazz millennial da moça pede um cenário mais intimista.
Nada intimista foi a apresentação das rappers da Sinta a Liga Crew. As paraibanas são conhecidas pelo rap combativo, ao mesmo tempo que fogem de seus clichês. Com língua afiadíssima – e ótimo flow – elas debocharam dos machistas, desceram até o chão, sensualizaram, e detonaram os machistas mais um pouco. O tom político – mas em ritmo de rock melódico – também imperou no show de Talma & Gadelha, que mostrou seu novo trabalho para o público.
Mas o ponto alto da noite – e do festival – chegou ao som sintético e grave do rapper paulista Edgar. Aliás, ele não parece com nada no hip hop brasileiro atual. No palco, surgiu como uma entidade invocada de um terreiro futurista: a roupa, uma combinação antiga de saia e blusa, a máscara, uma releitura de paramentos do candomblé. A força cênica de sua presença harmonizou perfeitamente com a música, quase toda do elogiado álbum “Ultrassom”.
Edgar, entre o canto e a fala, mandou vários pontos altos de seu disco, como “Go pro”, “Print”, “Liquida”, “O amor está preso?”, e a assustadora “Plástico” – em que, já sem máscara, encena um vômito (de plástico) e faz a plateia se arrepiar com a frase “O futuro é uma criança com medo de nós!”. A distopia nunca foi tão hip hop.
Para suavizar o ambiente, a cantora Céu veio com seus hits (e quase hits) e algumas covers – como “Enjoy the silence”, do Depeche Mode. Nem a voz fragilizada impediu Céu de embevecer os fãs. Quem aguentou o rojão, não perdeu por esperar pelo DJ Patricktor4, que foi até a madrugada com um set que foi do ragga ao house ao rap ao jungle a Tim Maia – e algo mais.
No domingo, em meio a uma programação de acento rocker, destacou-se a cantora Letícia Novaes, que encerrou o festival com o projeto “Letrux Em Noite de Climão”. Presente em todas as listas de melhores álbuns de 2017, Letrux não decepcionou. Tocou todas as 10 músicas do festejado disco. Teve trilha sonora de Ghost na abertura da dramática “Amoruim”. Teve referência a um poema de E.e cummings em “5 years old”. Teve discurso político e gritos de “elenão”. E teve a característica e marcante postura teatral de Letícia.
Ao longo de dois dias a 15ª edição do DoSol apresentou quase 54 atrações, numa seleção eclética de nomes que estão despontando na música brasileira contemporânea, e alguns consagrados na seara alternativa.