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Fim de ano

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Ivan Maciel de Andrade                                                                                                            
Procurador de Justiça e professor da UFRN (inativo)
Nas festas de Natal e de passagem de ano, nossa mente, nossa imaginação e nossa saudade ficam mais do que nunca povoadas com os parentes e amigos que foram habitar o mundo além da morte, o país desconhecido, do qual nada sabemos, de que fala Shakespeare. Embora não possamos transformar esses seres abstratos, incorpóreos, fugidios em criaturas de carne e osso, a nosssa memória busca desesperadamente ressuscitá-los. A recordação traz de volta traços fisiônomicos, episódios alegres ou tristes e fatos marcantes que só duraram um breve momento. Frequentemente, descobrimos que encontros que pareciam irrelevantes ficaram, entretanto, guardados para sempre. 
Nessas ocasiões a lembrança de meus pais é tão forte que tenho a sensação de que eles ainda continuam vivos, embora distantes do meu abraço e da minha voz. Se quisesse homenageá-los, não encontraria as palavras certas, me perderia num redemoinho de sentimentos, diria coisas que não serviriam para retratá-los e sim para revelar as minhas inseguranças, perplexidades e angústias diante da eterna busca pelo significado da vida. Mas sei muito bem que na medida em que falasse sobre mim mesmo estaria pouco a pouco redesenhando os modos de ser e de viver dos meus pais. Porque esses modos de ser e de viver estão profundamente impregnados em mim, no que sou, nos meus sonhos, ideais e limitadas aptidões (por deficiências minhas, não tenho as aptidões que eles poderiam me transmitir). Apesar disso, sobrevivem muito mais nas minhas qualidades do que em meus defeitos. 
Quantos parentes e amigos já fizeram a transição trágica para o outro lado da vida – que as religiões insistem em nos fazer acreditar que existe. Com eles começamos a morrer também. É uma espécie de aprendizado. O peso real dessas ausências – que custamos a nos convencer de que são definitivas – somente pode ser dimensionado pelas marcas que ficam escondidas no subconsciente e ressurgem através de “insights” inesperados como feridas emocionais que nunca chegam a cicatrizar. É difícil, muito difícil, nos adaptarmos à insubsistência de um mundo habitado por pessoas a quem estimamos e com que convivemos e que somem, de repente, de nossas vidas. No entanto, fomos feitos para nos adaptarmos a essa transitoriedade. Eros, o instinto de vida, é muito mais forte do que Tânatos, a pulsão de morte, na teoria freudiana. Sempre reinventamos as nossas razões de viver. 
A figura central dessas festividades de fim de ano é o Cristo do amor e do perdão cujas palavras transpuseram os séculos, os avanços científicos, as grandezas e misérias da história humana. Às vezes tento imaginar o que aconteceria se Cristo retornasse ao mundo de hoje. Seria preso e expulso da Europa, caso fosse imigrante fugindo da fome ou da guerra. Não conseguiria também entrar nos Estados Unidos, pois o governo Trump o enquadraria fatalmente como terrorista. Sua pregação iria soar sacrílega e desagregadora para governos e religiões. Não seria bem-aceito nem bem-visto em parte nenhuma do mundo. Iria se sentir bem ao lado do Papa Francisco, mas muito mal diante do ouro e do esplendor do Vaticano. Talvez tivesse de suplicar novamente: “Pai, afasta de mim este cálice!”. 
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