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Fitando o “mal”

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Dr. Jorge Boucinhas – Médico e Professor

Desde a barbárie nazista, sequenciada pelos absurdos cometidos por regimes de extrema esquerda (quais os de Stalin, Mao e Pol Pot) e ditaduras em geral, acrescendo-se certos extremismos religiosos, cientistas têm procurado aprofundar-se na compreensão do que leva o ser humano a ser tão cruel com seus semelhantes.  Num nível mais limitado, há nem tanto tempo atrás uma das novelas “globais” serviu a difundir muito um personagem que tipificava condutas perversas.  O “Félix” era ficção mas, como todas as fantasias bem estruturadas, adentrava o mundo real, pois que sua concepção obedecera à descrição clássica dos comportamentos aberrantes com traços francamente malignos.

Tão momentoso tornou-se o tema que, de anos para cá, os Congressos da American Society of Criminology têm contabilizado mais e mais apresentações nas quais crime e Biologia passaram a ser correlacionados, muitas defendendo a idéia de que criminosos violentos podem ser geneticamente condicionados, o que tem sido muito apoiado por avanços da Neurociência.

Na obra The Anatomy of Violence, Adrian Raine, Professor da Pennsylvania University, EUA, quase como que numa atualização da Frenologia, lançada no século XIX pelo italiano Cesare Lombroso (que argumentava que o formato craniano determinaria quem viria a ser malfeitor), lançou a idéia da “Neurocriminologia”, postulando que muita violência, ainda que estimulada pelo ambiente, guardaria relação com cérebros estruturalmente anormais.  Usando a moderna Ressonância Magnética Raine dedicou-se a investigar a atividade cerebral de homicidas, marginais cruéis e psicopatas.  Em particular nestes últimos detectou que a amígdala (área encefálica crida responsável por engendrar medo, ansiedade, culpa, assim colaborando na toma de decisões éticas e morais) tinha um volume de aproximadamente 4/5 do médio da população geral, também mostrando atividade elétrica proporcionalmente menor.  Ao estudar celerados condenados por mortes brutais, em outra área cerebral, o córtex pré-frontal (controlador de ímpetos e rompantes e que responde por ponderação e planejamento), encontrou funcionamento reduzido, possivelmente relacionado à dificuldade em esses controlarem-se quando defrontados com situações de stress.

Outros pesquisadores voltaram-se para o estudo de dados fisiológicos como preditores de inadequação social.  Na New Mexico University, EUA, Kent Kiehl publicou uma análise de imagens cerebrais obtidas em criminosos então encarcerados, tendo verificado que 4 anos após a soltura os que tinham apresentado baixa eletroatividade nas áreas de regulação do comportamento apresentaram o dobro de reincidências quando comparados com presos com as regiões normalmente ativas.

A base genética do comportamento criminoso foi bem revisada pelo psicólogo dinamarquês Sarnoff Mednick, que coletou dados de 14.427 adoções de crianças e afirmou que a quantidade de crimes cometidos pelos pais biológicos aumentava o risco de seus filhos homens cometerem-nos.  Publicou que enquanto apenas 13% dos filhos de pais biológicos sem ficha criminal sofriam condenações penais, o percentual subia a 25% nos casos de filhos de pais com três ou mais crimes.

O crime também é examinado sob a ótica de um novo campo da Biologia, que estuda como o ambiente e/ou os hábitos de vida (em especial fumo e drogadição) interagem com os genes.  Trata-se da Epigenética. Numa das pesquisas os neurocientistas Avshalom Caspi e Terrie Moffitt, da Duke University, EUA, analisaram as histórias pessoais de indivíduos de uma comunidade neozelandesa, cruzando-as com comportamentos antissociais adultos, tendo descoberto, dentre todos os que sofreram abusos físicos na infância, apenas os com níveis baixos de certas endorfinas tornavam-se predispostos a manifestar traços psicopáticos quando adultos.

O comportamento humano é, ao que se sabe até o momento, produto da interação genótipo (carga genética, herança) e fenótipo (fatores ambientais, história de vida), e quiçá o mais importante resultado das pesquisas modernas da Neurociência sobre criminalidade seja reconhecer que há causas múltiplas para a mesma.  Como alguns estudos psicológicos propõem-se a ajudar a controlá-las, ve-se-los-á domingo.

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