Antonio Gonçalves Filho
A redescoberta de Jorge Amado (1912-2001) na Europa e EUA já seria um bom motivo para uma homenagem ao escritor baiano na 4ª Festa Literária Internacional (Flip) de Paraty (de 9 a 13 de agosto), não fosse o autor a expressão espiritual de um encontro heterodoxo que vai reunir 37 autores de diferentes credos e tendências. Desde esquerdistas (Tariq Ali, Olivier Rolin) até poetas rastafári (Benjamin Zephaniah), passando por ganhadores do Nobel (Toni Morrison) e militantes gays (Edmund White).
Amado, o mais popular entre os escritores brasileiros, uniu militância política, livros, sensualidade e religião em livros como “Gabriela, Cravo e Canela” (cuja versão cinematográfica foi rodada em Paraty). “Gabriela” acaba de ser relançado pela Bloomsbury na Inglaterra, a mesma editora da série Harry Potter, publicada, aliás, por iniciativa de um dos idealizadores da Flip, a editora inglesa Liz Calder.
A presidente da Flip não está mais no comando da programação da festa, cargo ocupado há dois anos pela editora brasileira Ruth Lanna. De Londres, por telefone, a inglesa elogia a seleção deste ano, mas diz que a sugestão da homenagem a Amado – justíssima, segundo a mesma – não partiu dela. Assume, sim, a indicação de alguns autores, entre eles o DJ e dramaturgo Benjamin Zephaniah, o ensaísta político Tariq Ali e a romancista escocesa Ali Smith, que vai lançar na Flip seu elogiado “Por Acaso” (The Accidental, prêmio Whitebread de melhor romance do ano que passou na Inglaterra).
Ali tem 44 anos e já publicou quatro livros, entre eles “Hotel World” (2001), que conta um dia na vida de cinco mulheres numa grande cadeia de hotéis e resume as principais questões existenciais de Ali, entre elas a urgência de uma nova visão da sexualidade humana.
O antecessor da autora na questão é o norte-americano Edmund White, autor da biografia do escritor francês Jean Genet (publicada aqui pela Record). White foi considerado pela ensaísta Susan Sontag (com justiça) um dos melhores escritores dos EUA, mas a autobiografia do autor (“My Lives: an Autobiography”, 2005) continua inédita, privando o leitor brasileiro da leitura da história comovente desse americano atípico. White não é a estrela da festa, mas outra americana, Toni Morrison, que recebeu o Nobel de Literatura em 1993. A autora escreve sobre a causa negra, o que não transforma a Flip num evento político, garante Liz Calder. “Ela continua sendo uma festa das letras, da boa literatura acima de tudo”, diz. “É uma coincidência que a Flip seja uma tapeçaria de várias tendências, trazendo desde veteranos como Toni Morrison, uma superstar em qualquer festival literário, a jovens de origem africana como Ondjaki e Uzodinma Iweala”, conclui.
Encontro de gerações aconteceu por acaso
Esse encontro da nova com a velha geração – sendo a lendária figura do jornalismo americano Lillian Ross sua maior representante – aconteceu por acaso, na hora de montar as mesas de debates, segundo a diretora de programação Ruth Lanna, editora cujo currículo responde por alguns dos melhores livros publicados pela Companhia das Letras. Na mesa dos escritores que passaram pelo exílio está, por exemplo, Ferreira Gullar, associado aleatoriamente ao palestino Mourid Barghouti (“Eu Vi Ramalah”), que passou mais de trinta anos longe de sua terra.