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Fole

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Dácio Galvão
Mestre em Literatura Comparada, doutor em Literatura e Memória Cultural/UFRN e secretário de Cultura de Natal
Junho é mês joanino. Alegrias espalhadas nos sertões agrestes e litorais. Celebrações atravessam julho sob diversos argumentos. Não relacionados aos santos José, João e Pedro de onde se originaram. As escolas de samba não soam as mesmas depois que desceram o morro e pisaram o asfalto. O fenômeno se transmuda para as quadrilhas juninas. Puristas lamentam. O musical, traz coreografia, enredo alegórico e andamento acelerado apresentando nova configuração. São as quadrilhas juninas estilizadas. Presentes nos festivais competitivos mobilizando comunidades. Elas torcem energizando a performance. Cultura popular massificada. Substituição da espontaneidade pelo investimento. O terreiro por quadras embandeiradas postando atentas comissões julgadoras especializadas. Marchinhas juninas compõem trilhas sonoras, de Gonzagão a Raul Seixas. Figurinos matutos, cortejos à lá mestre-sala e porta-bandeira. Espetacularização tecnológicas e atualizações de linguagens. Os trajes típicos, a rainha do milho, o casal de noivos, o marcador são itens destacados. Imprimem demarcações de critérios pontuadores na classificação. Emoldurando, os festivais gastronômicos trazem receitas de milho e da mandioca cabendo rangos de sabores italianos, japoneses… quase tudo em nome da empregabilidade e da cidadania. Ativação da cadeia produtiva da economia da cultura em conexão com a mapeada cadeia do turismo. Enfim, migrações cambiantes de aspectos díspares ou em consonância. Antropofagia cultural pelo avesso.
A sanfona presente num outro sotaque. A baixaria – teclas pretas do instrumento – que faz diferença quase não é acionada. O resfolego gonzaguiano, as harmonias extraídas por Sivuca, Dominguinhos e Zé Calixto no fole de 8 baixos – instrumento de Januário, pai de LG – ficam a margem da margem. A resistência de certa tradição constituída, sem xenofobismo, subsiste nas mãos de virtuoses: no fole de 12 baixos de Luizinho Calixto, nos toques de Cicinho de Assis, Targino Gondim, Genaro, Zé Hilton, Mestrinho…
Nos cantares tributários de Jackson do Pandeiro e Jacinto Silva: na verve de Biliu de Campina. De Silvério Pessoa. Discípulos diretos do Rei do Ritmo de Alagoa Grande, Brejo paraibano. Marcando vocalizações dos erres dobrados, vibrantes.
A massificação bruta. Sem saudosismo. Processo de dinâmica complexa. Objeto de dissertações e teses acadêmicas. Em tempos de neoliberalismo exacerbado políticas públicas devem ser cada vez mais contribuidoras das identidades ou singularidades de elementos formadores. Há conceituações para tanto. As massas precisam degustar biscoito fino! Não só o indigesto que a indústria disponibiliza, alienando-as. A tal linha evolutiva de que falavam os Tropicalistas quando se referiam ao salto qualitativo que a Bossa Nova havia construído com João Gilberto é premissa para todo o sempre. Educar na diversidade é necessário.
Dominguinhos, quando lúcido: – “há lugar para todos!”. Era estratégia. A sociedade civil exige demandas de consumo descartável. Mas é possível devolver-lhe formulações estéticas qualitativas. Equilíbrio é palavra de ordem pois “a alegria é a verdadeira prova dos nove” vaticinou o moderno canibal Oswald. Puxar o som do fole é preciso.
* Artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da TRIBUNA DO NORTE, sendo de responsabilidade total do autor
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