quinta-feira, 28 de março, 2024
24.1 C
Natal
quinta-feira, 28 de março, 2024

Forbes, Olimpíadas e a síndrome de pavão

- Publicidade -

Luciano Ramos – Mestre em Direito do Estado, Professor universitário e Procurador do MPJTCE/RN 

“O brasileiro não está preparado para ser o maior do mundo em coisa nenhuma. Ser o maior do mundo em qualquer coisa, mesmo em cuspe à distância, implica uma grave, pesada e sufocante responsabilidade.” – Nelson Rodrigues

Quase sessenta anos se passaram desde o célebre texto de Nelson Rodrigues, o qual cunhou nossa então “síndrome de vira-lata”, derrotados que vínhamos das Copas do Mundo anteriores, incluindo o histórico “maracanaço” imposto pelos uruguaios à seleção brasileira de futebol em 1950.

Ao longo destas seis décadas, muitas mudanças ocorreram em nossa sociedade. Tornamo-nos os maiores campeões mundiais de futebol, com cinco títulos (inclusive a Copa de 1958, logo após o texto de Nelson Rodrigues), saímos de uma economia predominantemente rural para uma economia diversificada, que nos coloca em posição de destaque em diversos mercados, negociando de commodities agrícolas a aviões aqui produzidos.

Portanto, nossa trajetória neste período leva-nos a crer que superamos esta canina síndrome, que nos levava a auto-degradação, com a então inferioridade que imaginávamos ter diante de nações supostamente mais desenvolvidas e com maior destaque no cenário internacional. Infelizmente, não me parece que tenhamos livrado nossa alma das inúmeras síndromes a que ela pode estar submetida; mas, sim, alteramos apenas a casa do jogo do bicho, de cachorro vira-lata para pavão. E, coincidentemente, é no fracasso esportivo recente que melhor visualizamos esta nuance de nossa “psique” coletiva.

 Como costuma acontecer de quatro em quatro, nossos atletas favoritos saíram das Olimpíadas de Londres derrotados, nas mais diversas modalidades, de Cielo a Fabiana Maurer, de Leandro Guilheiro a Thiago Camilo, passando pela seleção de Neymar, endeusado há pelo menos 2 anos, nada obstante os bilhões de reais empregados para se conseguir parcas 3 medalhas de ouro.

Aparentemente, sem desconsiderar que o insucesso esportivo sempre decorre de múltiplos fatores, o brasileiro tende a embevecer-se com o próprio sucesso e deixa de ter a dedicação de longo prazo e a concentração necessárias para transformar a perspectiva favorável em resultado consistente (exceção feita ao vôlei, masculino e feminino, que permanece no topo ao longo dos anos).

A esta altura, o leitor deverá estar a se perguntar o que isto tem a ver com economia, pano de fundo dos artigos dominicais neste espaço. A exemplo dos indivíduos, as sociedades reproduzem padrões de comportamento nas diversas nuances da vida, sendo o esporte e a economia microcosmos absolutamente imbricados neste aspecto, ainda que o primeiro tenha resultados aferíveis de imediato, e o segundo demande análises mais complexas.

Tal qual nossos atletas favoritos, estivemos por um átimo como país cortejado pela economia mundial, importante destino de recursos que continuamente se dispersam pelo mundo desde a crise do subprime nos Estados Unidos, em 2008, o que até conseguiu elevar nosso PIB, por um breve momento superior ao da Inglaterra. Mas nos embevecemos com nosso suposto status, ao invés de nos prepararmos adequadamente para os desafios que virão cada vez maiores.

Mas, detentores da síndrome do pavão, calcamos nossa economia em consumo e gastos faraônicos (como os estádios para a Copa do Mundo, em locais que o futebol não se sustenta, como Cuiabá/MT e Manaus/AM). No mais das vezes gastamos em itens supérfluos, pois em devaneios megalômanos, precisamos cuidar de nossa aparência como economia não apenas emergente, mas recém-emergida, convidada para tomar chá com americanos, europeus e asiáticos. O que vale para o individual e o coletivo.

Com este perfil de comportamento, que privilegia o consumo em detrimento da poupança e do investimento, não espanta recente artigo da revista Forbes, publicado no dia 11/08/2012, que sonoramente ri do fato de que pagamos três vezes mais que americanos para adquirir um carro de determinadas marcas, o que, segundo a revista americana especializada em economia, teria origem no custo Brasil e no suposto status que estes produtos dariam a quem os adquire.

Evidentemente, o propalado custo Brasil, os gargalos da falta de infraestrutura, a excessiva carga tributária, explicam parte deste fenômeno negativo para nossa economia. Mas a eles não se resume, havendo de ser colocada nesta equação o quanto valorizamos a aparência, independentemente do custo que isto significa e do prévio esforço necessário para gerar o lastro que deveria sustentá-la.

Para tanto, propomo-nos em demasia a fazer financiamentos, empréstimos, utilizar cheque especial e cartão de crédito, tudo para garantir que consumamos hoje o supérfluo que não pode deixar para ser consumido amanhã, sobretudo se o pavão ao lado já tem novas aquisições e está a mostrá-las graciosamente. Imersa neste contexto, a sociedade potiguar dele não difere, ao revés, muitas vezes o acentua, sendo nítido que pagamos mais por determinados produtos que nossos irmãos-vizinhos paraibanos, cearenses e pernambucanos, exemplos colhidos para isolar a influência do fator frete. Chegamos até mesmo ao absurdo de ser mais barato alugar um castelo na Europa do que um espaço para realizar um casamento em Natal.

Nossos produtos não tem mais seu preço balizado pelo valor agregado, mas pela “aparência agregada”, levando-os a patamares astronômicos, com margens de lucro insustentáveis no longo prazo, pois muitos já se negam a pagar esta novel “mais valia”, driblada com a aquisição em outros estados e em outros países, de produtos como vestuário, perfumes, bebidas e eletrônicos, entre outros.

Entre nossa viralatice de outrora e a pavonice de então, fiquemos com o meio-termo de uma nação importante, sem dúvida, mas que tem que fazer o dever de casa para competir em pé de igualdade, no esporte assim como na economia.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas