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François Silvestre

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Nei Leandro de Castro – Escritor

Quando saí de Natal, em 1968, François era um adolescente engajado na luta por uma pátria socialista, arriscando a vida pelos seus ideais. Poderia ter morrido, poderia ter sido assassinado pelos truculentos agentes da repressão, como o foram Luiz Ignácio Maranhão Filho, Emanuel Bezerra e tantos outros idealistas como ele.  Não morreu, mas amargou a prisão, uma solidão cruel e humilhante que ele narraria depois, em “A pátria não é ninguém”, excelente romance, um dos melhores da nossa literatura.  A diferença de idade e os meus 37 anos vividos no Rio de Janeiro não permitiram uma aproximação maior com o poeta e escritor François Silvestre, que eu via somente em minhas rápidas visitas a Natal.  Eu só o conheci mais de perto quando ele assumiu a direção da Fundação José Augusto. E então fiquei conhecendo outras marcas de qualidade que ele trazia, sem ostentação: a solidariedade, a franqueza, a boa-fé, o bom humor, o esplendor de sua oratória, a inteligência fora do comum. As lembranças que tenho dele só o enaltecem.

Por um pedido meu, reforçado por Rubens Lemos Filho, François manteve no cargo de assessor de imprensa da FJA o jornalista Tácito Costa, que trabalhara no governo anterior. Um gesto bonito, pouco usual, que foi bem recompensado: ao criar a revista “Preá” e confiar sua redação a Tácito, ele estava inaugurando a mais bem feita e criativa revista da história do jornalismo do Estado. Fico triste, indignado, ao saber que a revista “Preá” dificilmente terá continuidade.

Nos primeiros dias da administração de François na FJA, eu ainda estava às voltas com a minha reintegração ao funcionalismo estadual, numa batalha de quatro anos em que fui bombardeado, dia após dia, por um secretário de Estado que simplesmente queria me destruir.  François Silvestre se colocou ao meu lado, disse que a Fundação estava ao meu dispor, que eu contasse com ele para o que fosse preciso. Gestos assim, convém lembrar, nos ajuda a esquecer e perdoar os espíritos mesquinhos.

Ao me aproximar de François, também fiquei conhecendo o grande orador que ele é. Uma noite, em Caicó, na inauguração de uma casa de cultura, ele tomou a palavra e fez um dos mais líricos e bem-humorados discursos que já ouvi.  Falou da sua infância, dos caminhos de que dispunham os adolescentes de sua época: de um lado, as lições do Ginásio Diocesano, que poderiam levar ao paraíso;  de outro, a zona do Cai Pedaço, que arrebatava os meninos, que os levava a achar que o éden talvez fosse muito monótono e sem prazer. A governadora Vilma de Faria, mesmo mantendo a liturgia do cargo, não resistiu e deu umas discretas risadas. 

 Por onde anda François? Vale aqui um comentário pertinente: os cafajestes, os trambiqueiros, não sabem o que é boa-fé. Essa virtude, essa ausência de intenção dolosa, só existe nas pessoas boas, sinceras, que confiam no próximo. Foi a boa-fé que levou François Silvestre a amargar, no final de sua administração e ainda hoje, o que talvez só tenha amargado na prisão, nos porões da ditadura. Por que tanto sofrimento imposto a um homem honrado?  Por que a justiça não aponta logo os verdadeiros culpados e os pune na forma da lei?  Por que condenar um homem bom, solidário, leal, cheio de grandes virtudes, ao degredo de sua solidão?

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