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Futebol dos gordos

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Woden Madruga
[email protected]

O Brasil joga amanhã contra o México, a seleção parece mais aliviada depois de vencer a primeira fase da Copa e os brasileiros mais confiantes no time de Tite. Foram dias tensos. A Copa é o mote dominante em todas as conversas até mesmo entre os que não são muitos chegados ao futebol. O futebol também é paixão. Nelson Rodrigues dizia: “Sei que há no futebol e na vida reveses inexplicáveis”. Há alegria e sofrimento. Esta semana remexendo a gaveta dos papéis desarrumados encontrei uma carta de Romildo Gurgel (05/05/1929-31/05/1995) na qual ele fala desses sentimentos provocados pelo futebol. Nele, até mais porque era gordo. Muito gordo.

Romildo Gurgel, é bom lembrar para os mais novos e os esquecidos de sempre, foi um dos mais importantes jornalistas do Rio Grande do Norte, diretor de “A República” e o “Democrata”, e atuou também na imprensa do Rio de Janeiro como repórter dos Diários Associados (no jornal Diário da Noite e na revista O Cruzeiro, à época, a mais importante do país). Foi diretor da Faculdade de Jornalismo Eloy de Souza, da Fundação José Augusto, e professor da Faculdade de Direito da UFRN. Exerceu vários cargos públicos, como o de Secretário de Educação do Estado (Governo Dinarte Mariz) e de ministro do Tribunal de Contas do Estado, do qual foi presidente.

Temperamento forte, pagava por uma briga, mormente se a encrenca fosse política.  Na roda dos amigos era um excepcional conversador e contador de histórias, bem mais temperadas quando o papo acontecia ao redor de uma mesa farta. Romildo era um glutão, horas de almoços e jantares, daí a figura gorda que era, passando dos 140 quilos, que ele chamava de “avançadas condições físicas”.

Nesta carta, escrita em julho de 1966, lá se vão 58 anos, ele fala de suas desilusões com o futebol, que tentou praticar na adolescência (desencantos talvez por conta do excesso de peso), e também se refere a Copa do Mundo de 1966, realizada na Inglaterra e na qual o Brasil tentava o tri-campeonato e foi eliminado logo na primeira fase. A seleção de Feola, também um gordo, só ganhou uma partida: contra a Bulgária (2 a zero) e perdeu as outras duas: 3 a 1 para a Hungria e o mesmo placar no jogo com Portugal.  Foi Portugal de Euzébio (o artilheiro daquela Copa) que eliminou o Brasil.

Vejamos a carta:

“Natal, 22 de julho de 1966

Caro Woden:

As minhas desilusões pebolísticas datam de muitos anos, e começaram pelas preterições sofridas nas peladas, onde sempre me relegaram, a pretexto de melhor aproveitamento de minhas avantajadas condições físicas, ao papel de goleiro intransponível, quando aspirava figurar na linha de ataque.

Resultado: engolia, sob protestos e achincalhes, os goals que honestamente passavam ao desalcance de minha estrutura material, e ficava sem oportunidade de praticar os tantos indefensáveis vividos na minha adolescente imaginação.

Mas, sempre acreditei nos gordos, pensado que a economia de movimentos mecânicos dessa injustiçada categoria de seres humanos, era compensada – como tudo na natureza – pelo raciocínio prudente e tranquilo.

Por isso, falei, um dia, antes do tricampeonato malogrado:

– Tenhamos fé nos gordos!

Referia-me, evidentemente, ao conhecido Feola, cujas elucubrações técnicas inspiravam-me certo desafogo emocional, antes os perigos, dúvidas e ameaças da copa agora perdida.

Atribuía os doestos e desconfianças às mesquinharias dos tradicionais adversários da nossa malsinada espécie, elementos portadores de uma falsa elegância, desprovida de carnes e músculos, e que não perdem a ocasião para manifestar congênita inveja diante da superioridade do tipo humano que representamos.

Mas verifico, contristado, que o Feola não se tornou digno da confiança geral e encontrei a solução e o castigo para o caso: ele não merece mais ser gordo!

Proponho, pelo seu valioso intermédio, seja o infame submetido a rigoroso jejum, até que purgue os pecados cometidos na condição de nossa equipe.

Rebaixando Feola à condição de peso pena, estará vingada a decepção nacional e desagravada a imensa e sofredora legião de godos, sobre os quais recaem, por curioso processo sub-liminar, as iras e antipatias da nossa torcida contrariada.

Contando com a sua ajuda, subscrevo-me cordialmente, o velho colega e amigo,

Romildo Gurgel”

Da ervilha e do feijão
Bilhete de Verissimo de Melo, sem data, coisa certamente dos anos de 1990:

“Woden: vai aí esta contribuição apreciável sobre a distinção entre a ervilha e o feijão, de Joaquim Luz!  Abraço do amigo, Veríssimo de Melo:

‘Num papo sobre o valor nutritivo dos alimentos, Veríssimo de Melo indagava ao dr. Joaquim Luz, médico, muito versado no tema, se o feijão era da mesma família da ervilha.

– Claro, ambos são leguminosas.

– E como você explica – cientificamente – a distinção que se faz entre a ervilha, vendida em latas bonitinhas, caras, enquanto o feijão verde, por exemplo, vive aí largado, em sacos, aos molhos, às vezes no chão das nossas feiras livres?

Resposta do dr. Joaquim Luz:

– É que a ervilha é um feijão fresco! …’

Poesia 
“A bola não é inimiga/ como o touro, numa corrida;/ e embora seja um utensílio/ caseiro e que se usa sem risco,/ não é o utensílio impessoal,/ sempre manso, de gesto usual;/ é um utensílio semivivo,/ de reações próprias, como bicho,/ e que, como bicho, é mister/ (mais que bicho, como mulher)/ usar com malícia e atenção/ dando aos pés astúcias de mão.” (Do poema “O futebol brasileiro evocado na Europa”, João Cabral de Melo Neto, em seu livro “O Museu de Tudo”).

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