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Futuro de DPs no interior é mistério

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NOVA CRUZ - Com a decisão do STF, as delegacias aguardam uma solução da Secretaria

O forró acabou de repente. “No melhor do bom”. Em plena madrugada, o juiz da cidade mandou tomar a sanfona, o triângulo, a zabumba e o pandeiro. A festa já era proibida e a “autoridade” já tinha avisado, mas tradição sabe como é: vai-se fazendo, empurrando com a barriga e seja lá o que Deus quiser, até o dia que ele quiser. Mas aí o “homi” arrochou o nó e acabou com o fuzuê.

Agora, depois da determinação irrevogável e definitiva, ninguém sabe para onde vai. O dono da festa está aperreado, tentando remediar a situação. O sanfoneiro, que estava ali de bom grado, fazendo seu servicinho a bom gosto do público e ganhando o de cada dia, abana as mãos, totalmente perdido.  

Em evidente metáfora essa é a sensação nas cidades do interior do estado, cujo delegado é um policial militar. Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional a lei estadual que permitia que PMs e civis pudessem desenvolver atividades de direção e chefia de delegacias. A decisão exige a exoneração de todos os  delegados não concursados do Rio Grande do Norte.

A resolução do STF foi publicada em 17 de outubro deste ano e desde então deveria ter sido cumprida. A Delegacia Geral de Polícia (Degepol) já preparou as portarias com as exonerações, mas a Secretaria Estadual de Defesa Social e Segurança Pública (Sesed) ainda não as publicou, já que ainda hoje está sendo procurada a melhor forma de cumprir a ordem judicial, visando uma menor penalização do povo.

Diz-se “ainda hoje” literalmente. Como no forró supracitado, o arranjo para a situação ainda é discutido nos gabinetes da Degepol, e apesar de seguidas reuniões, ainda não se sabe em detalhes como ficará a segurança nas cidades do interior. Algumas medidas já estão praticamente certas, mas outros procedimentos ainda estão sem definição e o futuro é previsto em cima de conjecturas.

E se a cúpula da Polícia Civil ainda busca alternativas para tentar remediar paliativamente a questão, nas cidades do interior, nos pequenos gabinetes das delegacias, os próximos dias são um mistério. Os delegados recebem poucas informações concretas – a única certa é sobre a decisão do STF – e continuam desenvolvendo seus trabalhos.

São cerca de 150 cidades, cujos chefes de delegacias são sargentos e tenentes da PM ou agentes de Polícia Civil diplomados em direito. Eles continuam recebendo queixas, realizando audiências, concluindo inquéritos e fazendo prisões, como lhes foi determinado. Alguns esperam a situação tranqüilos, outros, chateados.

Em alguns casos isolados os delegados-militares já pediram exoneração por conta própria, cansados de esperar uma decisão do governo e conformados com a inexorabilidade de sua saída do cargo. Enquanto isso, a Degepol vai se virando como pode, também dependendo de uma posição da Sesed, que entrou com um recurso tido como inócuo junto ao Supremo, através da Procuradoria do Estado.  

A solução momentânea – enquanto não há um concurso que preencha a demanda de delegados -proposta pela chefia da Polícia Civil é que as delegacias municipais sejam passadas para as mãos dos delegados regionais. Atualmente são 10 Delegacias Regionais de Polícia (DRP) em todo o Estado e seus titulares têm como função coordenar o trabalho das respectivas municipais e proceder investigações mais importantes.

Mas se a medida for adotada de fato, quando da exoneração dos não concursados, os delegados regionais não sabem como darão conta dos trabalhos de suas municipais. O delegado de carreira Fábio Rogério da Silva, que hoje responde pela regional de João Câmara (10ª DRP), deverá trabalhar ao todo em mais 16 delegacias. O colega dele, José Carlos de Oliveira, já responde hoje, além da regional (6ª DRP), pela municipal de Nova Cruz, e deve assumir mais 23 municipais.

A função de delegado regional é cargo comissionado e é conseguida em tese, por requisitos como classe alcançada na carreira e bons serviços prestados. Mas como cargo de confiança, há de se levar em conta o bom relacionamento com a cúpula e por isso não é fácil encontrar delegados regionais dispostos a falar. Muitos se recatam a comentar o assunto, mas nos bastidores os comentários dão conta de que poucos são os satisfeitos com o acúmulo de função.

Delegacias passam por dificuldades

Mas o que mais chamou a atenção nas visitas é que as delegacias regionais de Nova Cruz e Santa Cruz, que devem assumir todas a municipais, já passam por dificuldades antes mesmo disso acontecer. Nos dois casos, os delegados respondem pelas regionais e municipais da mesma cidade, o que não era para acontecer. O prédio também é o mesmo, que também diverge do ideal.

Em Nova Cruz a sede das delegacias municipal e regional é uma casa alugada. Não conta sequer com celas. O titular José Carlos Oliveira mora em Natal e comparece geralmente às sextas-feiras, para as audiências, em um dia repleto de trabalho na sede. Hoje são cerca de 10 agentes que após as exonerações dos militares, deverão dispor das mesmas três viaturas para atender a nada mais, nada menos que 24 municípios.  

Atualmente o delegado José Carlos está de férias e chegou a conversar com a reportagem por telefone. Mas não quis dar declarações sobre o assunto. Em seu lugar, responde o delegado de Arês, que por isso, atualmente toma conta de três delegacias: a municipal de Arês, mais a regional e a municipal de Nova Cruz. Haja serviço.  O agente encontrado de plantão na delegacia de Nova Cruz não quis dar informações.

Na delegacia de Santa Cruz, situação parecida. Municipal e regional em um mesmo prédio, com um mesmo delegado, que está de licença médica. Marcelo Marcos Alves de Lima também se vira como pode para atender à demanda e trabalha na delegacia geralmente às terças, quartas e quintas-feiras. Hoje em dia a cidade conta com 5 agentes de polícia civil.

TANGARÁ – Viaturas estão quebradas

Tangará é um município maior que Várzea e Espírito Santo. Pertencente à 9ª DRP, a delegacia tem como titular o  1º tenente Adalberto Pessoa de Roure e conta com sete soldados, um cabo e mais três sargentos. Das três viaturas, uma não tem a menor condição de funcionamento. O Santana está deteriorado e fica na frente da delegacia. Para completar, os 250 litros de gasolina cedidos pelo Estado foram cortados.

No momento da visita, o ten. Roure não estava. A princípio, um soldado informou que ele estava em casa, mas ao falar com o delegado por telefone, corrigiu a informação. “O tenente mandou dizer que não vai poder atender porque está em diligência”. Cerca de uma hora e meia mais tarde, um outro soldado falou novamente com o delegado, mas a notícia dada foi que a entrevista não seria possível porque o horário era “inviável para ele”. Ainda não eram cinco da tarde.

 O último delegado municipal com que a reportagem teve contato foi o 3º Sgt. Edmilson Emanoel da Silva, de Lajes Pintadas. O delegado resolvia um problema na regional de Santa Cruz, e na entrevista, mostrou-se tranqüilo e paciente com a situação. Há 10 anos como delegado,  o sargento se disse interessado em ser o comandante do destacamento.

Militares esperam exoneração

Esta semana a TRIBUNA DO NORTE esteve em três delegacias municipais, conversou com o delegado de mais uma e visitou as DRPs de Nova Cruz e Santa Cruz. O objetivo era conferir como os militares que exercem a função de delegado estão vendo a situação, assim como saber de populares o que acham do impasse criado no setor de segurança. As condições estruturais das delegacias também foram observadas.

A primeira cidade visitada foi Espírito Santo, a aproximadamente 70km ao sul da capital e cuja delegacia pertence à 6ª DRP. Com a área de 143,673km² e uma população de 11.154 habitantes, o município tem povo pacato e os registros são sempre de delitos de baixo potencial ofensivo. Brigas, arruaças motivadas por bebedeiras, calúnias e difamações são as ocorrências mais comuns. Mas ainda assim, há serviço a ser feito. Nesta semana, um homem tentou matar outro a golpes de facão e acabou preso.

O delegado de Espírito Santo é o 3º Sgt. Adilson Cezino da Silva, que conta com uma viatura e nove homens para o policiamento. O sargento Adilson confirmou que não tem muitas informações sobre como a delegacia vai ficar. “Só sei que o governo está se adeqüando, se organizando”. O delegado não se opõe ao cumprimento da determinação e espera sossegado o dia da exoneração.  “É nosso interesse que venha o bacharel porque os procedimentos serão mais efetivos e eficazes. E eu, vou fazer meu trabalho original, que é o policiamento ostensivo”. Ele diz ainda que aguarda o cumprimento de uma outra idéia da Sesed, de transformar as delegacias em destacamentos da PM e seus atuais delegados em comandantes do destacamento.

Em Várzea, também município da 6ª DRP, o delegado é o 3º Sgt. Lucinaldo Alves de Lima, que pensa diferente do colega de Espírito Santo. O militar gosta do trabalho que faz, mas não tem interesse em continuar no município. Ele teme que a população continue achando que ele é o delegado e passe para ele as responsabilidades que serão do bacharel. “Pretendo voltar para o meu batalhão de origem”.

Várzea tem poucas ocorrências. Com 5 mil habitantes e área de 67.245km² a cidade não registra um homicídio há 32 anos. Mas se o sargento Lucinaldo difere da opinião do delegado de Espírito Santo, uma coisa eles têm em comum: a incerteza sobre o dia da exoneração e sobre a situação da cidade após isso.

Populares querem policiais nas ruas

Seu José Iran, de 37 anos, é vendedor ambulante. Sobrevive da venda de CDs e DVDs piratas no centro de Espírito Santo. Rafaela de Oliveira tem 17 anos e atende em uma pequena loja de roupas femininas na mesma cidade. Já seu João Soares, 76 e dona Maria Rosendo, 54, são agricultores em Várzea. Brasileiros comuns, trabalhadores, que nunca entraram em uma delegacia.

Sob o sol do dia-a-dia ganhando a vida, os quatro têm preocupações mais importantes e urgentes que os novos delegados de suas cidades. Eles são bons exemplos do quanto toda essa celeuma não é, na prática, assunto do povo. As pessoas querem polícia na rua, querem sentir segurança. Se o homem que comanda a delegacia veste farda ou não, se é concursado ou não, não sabem dizer porquê.

José Iran dos Santos nunca havia falado na determinação do STF. Segundo ele, entre os assuntos que permeiam os bate-papos na sua barraquinha, a saída dos militares das delegacias não é um deles. “Estou tendo conhecimento disso agora”, falou enquanto atendia a mais um cliente adepto dos “piratas”. Mas informado sobre o tema, o ambulante se mostrou preocupado. “A festa da padroeira está vindo aí e sempre tem muito arrombamento”.

A loja em que Rafaela trabalha estava cheia. Mocinhas da cidade atrás dos últimos lançamentos da moda, com preços populares, trazidos dos grandes centros de confecções. Perguntada sobre o que achava de delegados regionais assumirem as delegacias municipais,  a moça estranhou. “Eu não estou sabendo disso. Você está sabendo disso, Danielle?”, perguntou a uma das clientes. Diante da negativa, completou: “Olhe que Danielle é bem informada”. Rafaela é concluinte do ensino médio e fala bem, de forma eloqüente e correta. Ela mostra ter estudo e se interessar pelo assunto, mas ironiza, “Se fosse morte, todo mundo saberia. Porque hoje o povo está se matando antes do tempo”.

João Soares de Oliveira, 76 anos de idade, e Maria Rosendo da Silva Santos, 56 anos, são vizinhos. Agricultores, nascidos e criados em Várzea. Gente simples, quiçá nem saberiam dizer o que significa STF. Mas com propriedade, falaram do assunto, após informados do que se tratava. E também pedem mais segurança na cidade.

Situação ainda está indefinida

A delegada geral, Suerda Cruz,  declarou que a situação dos delegados não concursados ainda não foi definida porque a Secretaria de Segurança entrou com um recurso através da Procuradoria Geral do Estado, na tentativa de derrubar a determinação do Supremo Tribunal Federal. “Até que saia o julgamento do recurso, a situação está indefinida. Algumas pessoas dizem que a resolução é irrevogável, mas estamos tentando”.

Incessantes reuniões estão sendo realizadas no gabinete da delegada geral e, por hora, a medida encontrada é mesmo o da distribuição das delegacias municipais entre as regionais, para tirar as dúvidas dos delegados militares. “Além disso, podemos citar exceções, como o caso de Caicó, que tem quatro delegados. As delegacias da região serão distribuídas entre todos eles. Isso vai ajudar a diminuir a carga”, esclareceu Suerda.

A Degepol está tentando ainda junto ao Governo do Estado a criação de mais três delegacias regionais, nas cidades de Currais Novos, Assu e Apodi e seus delegados também devem receber o cargo de chefia de algumas municipais. Na verdade, a distribuição já começou antes mesmo da decisão final da Sesed, já que alguns delegados não concursados já estão entregando os cargos. “Alguns delegados já estão pedindo exoneração por conta própria e os regionais já estão assumindo”.

Quanto à situação dos sargentos e tenentes a serem exonerados, a delegada confirmou a tendência de eles assumirem os destacamentos de Polícia Militar dos municípios. “Eles vão continuar lá. Nós estamos dispensando somente da função de delegados, mas a de comandante deve permanecer na ativa”, disse Suerda.

Advogado faz críticas aos militares

O advogado Celso Meireles estava na frente da delegacia de Espírito Santo, à espera do delegado, o 3º sargento Adilson. Ele pretendia tomar conhecimento das circunstâncias da prisão de seu cliente, Valmir Augusto da Silva, preso esta semana, acusado de tentar matar um outro homem da cidade, a golpes de facão. Enquanto aguardava, Celso concedeu entrevista, fazendo críticas à presença de militares na chefia das municipais.

“Em primeiro lugar é importante dizer que a decisão do Supremo é única e definitiva. Tem que ser cumprida. Se há dificuldades para isso, a culpa é do próprio Estado”, disse o advogado. Segundo ele, a decisão judicial é importante porque a legislação estaria sendo desrespeitada em delegacias, cujos chefes são PMs. “Há muito desrespeito das garantias constitucionais por parte da maioria dos delegados”.

Celso se diz credenciado a fazer tais reclamações porque advoga na região há 13 anos e diz vivenciar as dificuldades dia-a-dia. “Digo tudo isso com segurança. Às vezes tentam nos impedir de advogar. Escondem o preso, tudo. Se você não for duro, não consegue”. O advogado disse ainda que Valmir, seu cliente, reclamou de ter sido espancado nas dependências da delegacia de Espírito Santo.

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