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Garimpador de novas realidades

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Ramon Ribeiro
Repóter

Quando o nome de Estevão Azevedo estampou jornais por ter faturado o prêmio São Paulo de Literatura de melhor livro de 2015, com o romance “Tempo de Espalhar Pedras” (Cosac Naify), poucos eram os potiguares a ter  conhecimento do conterrâneo escritor de 38 anos. Também pudera, nascido em Natal, com quatro anos ele partiu com a família para São Paulo, cidade onde vive até hoje, atuando como escritor e editor.

“Acho bacana que falem que sou autor potiguar. O mercado literário é tão restrito ao eixo sul sudeste. E eu sou potiguar mesmo. Nasci em Natal, meu pai nasceu em Jardim do Seridó. Tenho família no interior. Gosto de levar o nome do meu Estado”, diz o autor em entrevista ao VIVER, revelando um carregado sotaque paulistano. Próxima semana, Estevão retorna ao estado de origem para contar histórias e conversar com os potiguares sobre seus livros na 7ª edição do Festival Literário da Pipa (Flipipa), entre os dias 10 e 13 de agosto). Estevão falará na sexta-feira, às 20h, com mediação do editor literário Carlos Fialho.
Desafio de escrever sobre realidade nova tirou o autor da zona de conforto: “Bebi em outras fontes”
Semana passada, Ezevedo foi incluído na lista do jornal El País como uma das 16 vozes que retratam o Brasil em suas obras – nomes que imprimem um olhar novo pela via da oralidade ao pop passando pela vanguarda ou crítica sócial.

Quarto livro do autor, “Tempo de Espalhar Pedras” parte de uma história real que aconteceu num garimpo de diamantes. A obra fala de cobiça, coronéis, poder, sexo, desejo. O premiado livro, no entanto, é difícil de ser encontrado. Na semana que Estevão ganhou o Prêmio São Paulo, sua editora, a Cosac Naify, anunciou o encerramento das atividades.  Isso atrapalhou a distribuição da obra, já que a editora resolveu fechar um acordo de exclusividade de com a gigante Amazon. Agora o autor já está de casa nova, a editora Record, que relançou em julho seu romance anterior “Nunca o Nome do Menino”. Esse livro, ele avisa, que com certeza estará acessível ao público da Flipipa.

Muito gente comenta sobre um apego da literatura brasileira contemporânea a temas urbanos. Você buscou um cenário diferente.
A literatura brasileira contemporânea está muito voltada para personagens urbanos, cosmopolitas, do universo letrado. Meu primeiro romance também foi assim, num lugar que não nomeio, mas que podia ser São Paulo.
'Nunca o nome do Menino' é o primeiro de seus livros a ser republicado pela editora Record
Fiquei na minha zona de conforto, falando sobre o meu entorno e sobre coisas próximas da vida que eu levo. Para o segundo livro eu pensei: será que eu só consigo escrever sobre as coisas do meu universo? Como é que eu me sairia escrevendo sobre outra realidade? Esse desejo, esse desafio, me motivou a escrever o segundo romance. Somado a essa história que eu ouvi na trilha, sobre o vilarejo. Dai que nasceu “Tempo de Espalhar Pedras”.

Quando eu comecei o livro não tinha esse percepção do que era a literatura brasileira contemporânea, sobre ela estar monotemática.  Depois que o livro saiu eu vi o quanto isso era verdade. Ele foi recebido com essa surpresa das pessoas, que acharam ele bastante diferente do que vinha sendo escrito. Acabou atendendo uma demanda grande de gente cansada de ler temas muito parecidos.

Como surgiu a história de “Tempo de Espalhar Pedras”?
Essa história eu ouvi quando fiz uma trilha na Chapada Diamantina. Um guia me contou. É sobre uma comunidade de garimpeiros que destrói a própria vila escavando em busca de diamante. É uma história poderosa. Peguei isso como ponto de partida para contar tramas paralelas, que envolve coronéis, sexo, poder. Mas para o livro as pesquisas foram mais literárias. Pesquisei em romances da literatura brasileira, obras que tinham a ver com a história que estava contando. Bebi em outros autores que tinha a ver com o tema e a atmosfera que estava contando.

Para publicar, foi fácil?
Não. Publicar foi difícil, mesmo depois de ser finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2009 (como autor estreante). Do término da escrita até a publicação foram mais de dois anos. Tentei várias editoras até a Cosac Naify topar publicar meu livro. O mercado literário para autor brasileiro jovem é muito complicado. Nunca é fácil. As editoras que fazem são muito concentradas. O livro saiu em setembro de 2014 e o resultado do prêmio São Paulo de Literatura foi divulgado em dezembro de 2015. É um percurso muito longo. Não dá para imaginar que tudo isso poderia acontecer.

O que mudou na sua vida de escritor depois do prêmio?
No dia que eu ganhei o prêmio a Cosac Naify anunciou que fecharia as portas. No instante que eu chegava num momento de grande visibilidade, eu ficava sem editora. Isso causou um problema porque o livro ficou difícil de ser encontrado. Deixei de vender nesse período. Por outro lado, no momento de maior visibilidade eu pude trocar de editora numa condição legal. Fui para a editora Record. A parte mais bacana é que eles topara republicar meus dois romances. O que não seria fácil em outras editoras. Depois de um editor premiado elas querem muito mais obras inéditas. “Nunca o Nome do Menino” saiu agora em julho, e o “Tempo de Espalhar Pedras” sai próximo ano.

Com o prêmio também comecei a ser convidados para festivais. É muito legal porque é o momento que você conhece gente que leu seu livro ou que tem interesse em ler. O escritor não tem muito esse contato. Não tem muito essa troca. Você escreve sozinho e a leitura é sozinha. Esses momentos de encontro com leitores reais são bons para ter feedback. Fora isso minha vida segue a mesma.

Você é mestre em literatura brasileira, especializado em Raduan Nassar. Ele é uma referência marcante na sua literatura?
Não faz muito tempo que tive contato com a obra dele. Eu já estava escrevendo meu último romance. Nesse processo não teve influência. Mas agora eu acho que tem totalmente. Ele tem um grau de excelência incrível. Ele tem um tipo de literatura que eu gosto, que tem a ver com o que gosto de escrever. Não me influenciou porque só tive contato com ele agora. Do que tem a ver com o que eu faço, com o que eu gosto de escrever, ele é a maior referência. É um afeto tardio.

Que outros autores ou linguagens são importantes na construção do teu trabalho?
Como escritor, editor, sobretudo leitor, eu tenho contato a todo tipo de literatura, mesmo a que não tem a ver comigo. Meu estilo é de frases mais longas, rebuscadas, que usa elementos de poesia, rima, embora seja prosa. Gosto do trabalho de linguagem. Mas isso não quer dizer que eu não me impressione com outros tipos de escrita, como Nelson Rodrigues, Rubem Fonseca, capazes de fazer um texto tão cru, sem excesso. Frases menos poética possível, ainda assim, incrível. Como leitor eu gosto.

Você também é editor. Há público no Brasil para novos escritores? O que leva uma pessoa a se interessar por uma obra de um total desconhecido?
A literatura brasileira contemporânea tem poucos leitores. É uma zona de conforto só ler os clássicos, os livros que alguém já carimbou. Mas as vezes é preciso correr o risco e descobrir algo que se está fazendo neste momento. Isso também é prazeroso. Como leitor a gente corre pouco esse risco.

O problema da literatura na verdade é um problema estrutural.  O brasileiro lê pouco livro na média. Isso tem a ver com um sistema educacional falido, que não forma leitor. Não é um problema do mercado editorial, é algo estrutural mesmo. Mas isso não exime os editores, os escritores, as livrarias, os jornalistas. Somos todos parte dessa cadeia. O livro não chega a todos os lugares. Lê-se pouco porque publica-se pouco e publica-se pouco porque lê-se pouco. A gente está parado nesse atoleiro.

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