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Garrote vil?

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Cláudio Emerenciano
[ Professor da UFRN]
As nuvens, quando se chocam, densamente impregnadas e cheias de vapor de água, derramam chuvas sobre a natureza e os homens. “Lágrimas do céu” que despertam os mais puros sentimentos. Renovam a alegria de viver. Desde tempos imemoriais, bíblicos, o arco-íris é símbolo da aliança entre Deus e os homens. Pacto eterno da convergência entre a criatura e o Criador. Imaginemos o espetáculo que Noé descortinou, em êxtase, do monte Ararat (Turquia). As múltiplas cores da vida que semeiam paz, ternura, sonhos e encantamentos.  Milênios mais tarde, as genialidades de Vincent Van Gogh, Degas, Renoir, Monet, Cézanne e Gauguin legaram obras que captaram, desvendaram e traduziram a plenitude dessas belezas universais.. Há os que dizem e ensinam que esses gênios do impressionismo e do pós-impressionismo revelaram à posteridade as variáveis das cores que permeiam a vida em nosso planeta. Dádiva com a qual Deus afortunou a Terra e os homens. É sempre trágica e desalentadora a constatação de que os homens, nem sempre, convertem ou empregam a harmonia da natureza numa síntese do seu existir. Esquecem-na e a erradicam de sua postura ante o mundo e a vida. Paradoxo entre o real e o ideal? Segundo psicólogos isso refletiria a intensidade da paz interior ou dos conflitos que acometem o pensar e o existir na condição humana. Observação relativa ou imprecisa, pois Van Gogh, mesmo atormentado, e Gauguin, em fuga de si mesmo, captaram a beleza e o esplendor da natureza como ninguém. Ainda hoje extasiam quem contempla suas obras. Elas falam por si mesmas.

Os homens carregam dentro de si um universo ilimitado e inesgotável de sentimentos, ideias, crenças, sonhos, esperanças, inventividade, percepções e sensibilidade. A marcha do tempo é o cenário das superações e retrocessos da condição humana. É impossível ao homem ser feliz isoladamente. Alheio ao que se passa em redor de si. A felicidade é, no mínimo, grupal. Desfruta-se e se exercita a partir da menor forma de vida em comum: a família. Eis o modelo básico, essencial, intransferível e irrevogável da existência humana. Partilhar, comungar, dividir e distribuir são expressões da grandeza de cada homem em toda a vertente dos tempos. Egoísmos desvirtuam a destinação da humanidade. Subvertem-na em sentido. Despojam-na de sua essência e dignidade.

As misérias do mundo, em todo o fluir dos tempos, tem origem nos egoísmos, que obliteram o dom e o imperativo da partilha entre uns e outros. A questão nos encaminha a uma interpelação feita a Jesus Cristo (Lucas, 10,29). “Quem é o próximo?” Jesus respondeu com uma das mais belas parábolas: a do Bom Samaritano. Resumidamente, um homem foi assaltado na estrada, despojado de tudo o que tinha e agredido violentamente. Passaram seguidamente um sacerdote e um magistrado, que o ignoraram. O samaritano (presuntivo pecador) o socorreu. Levou-o para uma estalagem, pagou-lhe as despesas com hospedagem e médicos. Seguiu viagem, mas autorizou novas despesas, que seriam pagas em seu retorno. Constata-se, então, que um dos desafios atuais é o exercício da solidariedade. O samaritano identificou na vítima seu próximo.

O garrote vil é um torniquete. Era um instrumento para executar condenados à morte na Espanha. Foi concebido pela malfadada Inquisição (a partir do séc. XV) e usdo com frequência pela ditadura fascista de Franco, que dominou a Espanha de 1936 a 1977. Metaforicamente significa estrangular a vontade social. Sufocar as aspirações coletivas. Especialmente aquelas que reivindicam liberdade, direitos individuais, reformas, avanços e revogação de privilégios. O escritor Mário Vargas Llosa, Nobel da literatura, vem advertindo e denunciando que a América Latina tem sido submetida, em vários países, a garrotes vis, nos quais estrangulam suas instituições democráticas e deflagram-se novos surtos de autoritarismo explícito ou disfarçado. São os casos, por exemplo, da Venezuela, da Bolívia e da Nicarágua. Além de ameaças, ou chamemos de nuvens turvas e cinzentas, onde se auspiciam confrontos retrógrados entre “direita e esquerda”, que se pautam por versões retrógradas, estúpidas e obscurantistas.

A crise política e moral mina a legitimidade de instituições. Desacredita partidos e políticos, órgãos e servidores públicos, empresariado e outras lideranças sociais. Atinge instituições nacionais, ou melhor, o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e o Ministério Público. Uns pela ação. Outros pela omissão. Ou ainda pelo marasmo de suas ações. Há também o abuso de autoridade Apesar da indignação coletiva, tentam minimizá-la, desqualificando-a. O modelo se exauriu. Enquanto o Congresso Nacional, sobretudo nossa Câmara dos Deputados, transformada em “bazar persa”, com 513 deputados, teima em não atender reclamos por ampla e efetiva reforma política.Óbvio  exemplo é a questão do sistema eleitoral, referente à eleição para mandatos parlamentares em níveis municipal, estadual e federal.. O sistema proporcional é obsoleto, anacrônico, corrupto e corruptor. Foi introduzido no Brasil na Constituição de 1946 como meio de perenizar oligarquias emergentes do Estado Novo (1937-1945). Estratégia para evitar uma maioria de deputados do meio urbano. Atribuem ao maquiavelismo de Getúlio Vargas, que, do seu “exílio” voluntário em São Borja (Rio Grande do Sul), tecia as coordenadas da incipiente democracia. Seus desdobramentos foram magistralmente denunciados por Victor Nunes Leal em “Coronelismo, enxada e voto” (1948).

O Brasil ainda aspira ampla reforma institucional. Ignorá-la é submeter o país a um “garrote vil”. Exemplo: o voto distrital, na pior das hipóteses, permite atenta e eficaz fiscalização de quem é eleito por quem o elege. Eis aí um dos nós górdios da questão. A magnitude dos temas suscita comparações com o México, Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, França, Itália, Portugal, Espanha, Suécia, Dinamarca, Noruega, Japão, Índia, Austrália etc. Afinal, temos muito a aprender com os outros. Ou não? 

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