O bom chef de cozinha, antes de tudo, é (ou deveria ser) um pesquisador dedicado. Não se conhece a destreza de Câmara Cascudo na cozinha mas, graças a ele, o imenso cardápio que forma a gastronomia nacional teve seu mais completo estudo no livro “História da Alimentação no Brasil”, lançado originalmente em 1963. É essa obra fundamental que inspira o evento “Pitadas de sabores e alimentos do Brasil – Homenagem a Câmara Cascudo”, promovido pelo SESC Carmo, São Paulo, de 14 de outubro a 1º de dezembro. A pesquisadora potiguar Adriana Lucena é uma das convidadas do encontro culinário, juntamente com Pedro Vicente Costa Sobrinho, da ANRL.
A programação busca analisar a formação da cozinha nacional com base no livro de Cascudo, através de bate-papos, degustações e apresentações a cargo de chefs de cozinha, donos de restaurante, pesquisadores e antropólogos. Serão ao todo oito encontros, nos quais teoria e prática vão se juntar para se entender a cultura alimentícia do país, a partir das influências portuguesas, indígenas e africanas tão bem delineadas e descritas pelo historiador potiguar.
“Fiquei muito feliz por ter sido convidada para participar deste encontro. Cascudo é uma referência sempre citada em minhas palestras, e fio condutor de muitos estudos que já fiz”, afirma Adriana Lucena, cuja participação ocorrerá no dia 24 de novembro, com a palestra “Pimenta na panela dos outros é tempero”, que ela dividirá com a sommelier e administradora Daniela Narciso.
Adriana Lucena é hábil cozinheira – não gosta de ser chamada de “chef” – e profunda pesquisadora da gastronomia nacional, tendo Câmara Cascudo e seu livro clássico como maiores referenciais. “Quando comecei a me especializar em pimentas, observei que apesar de ser um tempero 100% nacional, era bem pouco valorizado pelas pessoas. Pimenta não é só malagueta ou de cheiro, existem centenas de outras mais para saborear”, explica. Adriana ressalta o fato de o Cascado ter abordado com bastante propriedade a diversidade do uso da pimenta em molhos nacionais, incluindo afro-brasileiros e nortistas (no tucupi, por exemplo), traçando as características de cada região.
Para a apresentação no evento em São Paulo, Adriana vai falar sobre a pimenta na cultura brasileira, a difusão pelo mundo, molhos clássicos e seu uso em pratos modernos, como na tortinha de queijo com pimenta e até em sorvetes. Não precisa de assustar. Segundo ela, é tudo questão de harmonização: as pimentas amarelas são perfeitas para frutos do mar; as vermelhas para carnes, e as mais picantes para carnes exóticas. “Espero que esse evento sirva para o nosso Estado valorizar mais as coisas da terra”, alfineta.
A coordenadora de alimentação do Sesc Carmo, Mariana Meirelles Rucco, afirma que o objetivo do evento nasceu da própria importância que o livro tem para a gastronomia nacional. “É um trabalho importantíssimo, sempre oportuno para ser resgatado e celebrado”, diz. Ela ressalto o fato de o Sesc possuir dois restaurantes que atendem a um numeroso público, razão de valorizar bastante a gastronomia. “O evento terá um caráter interdisciplinar, portanto, vamos falar e também saborear, sempre com degustações a cargo de gente especializada”, completa.
Serviço: Pitadas de Sabores e Alimentos no Brasil – Homenagem a Câmara Cascudo. De 14/10 a 01/12, no Sesc Carmo, São Paulo. Tel: (11) 3111-7018.
PROGRAMAÇÃO
Abertura no dia 14 de outubro, com explanação de Pedro Vicente Costa Sobrinho, da Academia Norte Rio-Grandense de Letras, falando sobre a obra de Cascudo. Em seguida, a chef Carla Pernambuco, do restaurante Carlota, fará a palestra “Juntando a fome com a vontade de comer”, criando um prato baseado nas cozinhas de Portugal, África, e brasileira indígena.
Dia 20/10, o tema será o “Banquete dos Orixás”, com a chef Tereza Paim, do restaurante Terreiro da Bahia, apresentando um prato à base de elementos africanos. Reginaldo Prandi vai contextualizar as influências africanas na alimentação brasileira.
Dia 27/10, o tema será “Caciques do Brasil”, com o professor de história da gastronomia da Universidade Anhembi-Morumbi Ricardo Maranhão, abordando as influências indígenas na nossa culinária. O prato ficará a cargo do chef Ofir Oliveira, organizador do festival Sabor Selvagem da Amazônia.
Dia 03/11, a historiadora Wanessa Asfora ministra a palestra “Ora pois!”, sobre as influências lusitanas. O prato ficará a cargo do chef Mauro Fernandes, do restaurante O Marquês.
Dia 10/11 será a vez do “Baião-de-Todos”, abordando a importância da farinha, do feijão e carne seca durante o Brasil colonial. O chef Rodrigo Oliveira, do restaurante Cozinha Mocotó, fará um prato baseado nesses ingredientes.
Dia 17/11, o jornalista gastronômico e professor de antropologia da Estácio e Sá, André Bocatto, conduzirá o tema “Rapadura é doce, mas não é mole não”, falando sobre a chegada do açúcar no Brasil colonial. O prato ficará a cargo de Morena Leite, proprietária do restaurante Capim Santo.
Dia 24/11, Adriana Lucena e Daniela Narciso conduzirão o tema “Pimenta na panela dos outros é tempero”. Elas abordarão a presença cosntante da pimenta na dieta nacional, diversidade, e harmonização com vários pratos diferentes.
– Dia 01/12, o evento se encerra com “Por cima do leite não há fruta que deleite”, um bate-papo sobre as frutas favoritas dos brasileiros, conduzido por Douglas Bello, e também Flávio Frederico, conhecido por seu uso de frutas nacionais na alta confeitaria.