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Gaudêncio Torquato

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Democracias:  uma sobe, outra desce

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A democracia representativa desce, a democracia direta sobe. A observação pode servir para emoldurar a agitação social nos mais diferentes espaços do mundo: os protestos contra o sistema financeiro, em plena Wall Street, em Nova Iorque; contra o governo grego nas ruas de Atenas ou contra o presidente do Egito, na praça Tahrir, no centro do Cairo. Entre nós, explica o descrédito da sociedade na instituição política. A bateria crítica que se detonou, nos últimos meses, contra figurantes políticos, dentre os quais os envolvidos na Ação Penal 470, coroando com denúncias atingindo os novos presidentes do Senado e da Câmara, fere também a imagem do Congresso Nacional. Afinal, as pessoas acabam associando as partes ao todo. O fato é que o conceito da representação política está no fundo do poço. Nunca se viu massa tão densa de críticas, expandidas por mídia de grande audiência e com repercussão nas redes sociais eletrônicas. A par de situações envolvendo atores políticos, parcela da polêmica se volta para as prerrogativas dos três Poderes da República, eis que entram no foro de discussão questões como a perda de mandato parlamentar (quem tem a última palavra, Legislativo ou Judiciário?) e a restrição às famigeradas Medidas Provisórias (Executivo admite perder poder?).

A baixa avaliação da democracia representativa, aqui e alhures, tem fundamento histórico. A crise que a corrói se adensa desde a queda do muro de Berlim, no final de 1989. A derrubada daquela muralha, construída em 1961 no auge da Guerra Fria para separar a Alemanha Oriental da Alemanha Ocidental e dividir um povo irmão, arrebentou fronteiras ideológicas, amalgamou doutrinas, aproximou fronteiras, globalizou economias, mimetizou costumes. Hoje, em todos os quadrantes do planeta, o que se vê no tabuleiro do poder é um jogo político embaciado em função da pasteurização de partidos, declínio das oposições, enfraquecimento dos Parlamentos, desânimo de participantes e aderentes, espetacularização do Estado, ascensão das burocracias no seio de governos e relações frequentemente obscuras com os círculos de negócios. Nesse cenário, a política refunde-se e se redistribui pela cadeia de entidades que promovem a intermediação social, como associações, sindicatos, federações, grupos de defesa de categorias profissionais. Esses novos circuitos de representação acabam minando os polos tradicionais da política – partidos, Parlamento, ideologias – e criando bolsões corporativistas por todos os lados.

Ao arrefecimento da política tradicional soma-se a decepção com a democracia, por não ter cumprido as promessas feitas, como lembra Bobbio em seu clássico O Futuro da Democracia: o acesso de todos à justiça, o combate ao poder invisível e a segurança coletiva, a educação para a cidadania, a igualdade de oportunidades. Explica-se, assim, o vácuo criado entre a esfera política e o universo social. O espaço vazio é preenchido por organizações não governamentais, que se multiplicam, ora para representar setores, categorias e gêneros, ora para mobilizar as massas e energizar as ruas. Frustrações sociais acumuladas, a perda de bens materiais, a ameaça de desemprego e o pânico que se forma no bojo da deterioração das economias mundiais deflagram os mecanismos de uma nova disposição: a agitação, o desenvolvimento do espírito de corpo, a busca de referências e bandeiras, o personalismo na política e as ações táticas, como ocupações de espaços, prédios, praças e ruas. Essa é a engrenagem que explica a tomada de Wall Street, as ruas de Atenas e os movimentos que culminaram na Primavera Árabe.

Voltemos ao Brasil. O nosso federalismo, inspirado no norte-americano, é farto de incongruências. Parte das competências do governo central foi distribuída aos Estados-membros. O pacto federativo é sinônimo de desigualdade. Municípios vivem em estado vegetativo. E Estados esmolam de pires na mão junto ao governo federal, engalfinhando-se na guerra fiscal. Repactuar a Federação: eis o primeiro desafio da representação política. Meta plausível? Difícil. O dono da flauta é a União, que apita todas as gaitas, particularmente as de caráter pecuniário. Além disso, a balança dos Poderes pende para o Executivo, em dessintonia com a modelagem do barão de Montesquieu, que criou a estrutura de pesos e contrapesos. Veja-se o Orçamento de 2013, a ser votado dia 19 próximo. Recursos destinados por emendas parlamentares aos municípios, como se sabe, só são liberados com o aval da presidente. Por que o Parlamento não substitui o Orçamento Autorizativo pelo Impositivo e, assim, dispensando a chancela presidencial? Porque o nosso presidencialismo tem caráter imperial. São razões que explicam o Poder Legislativo como refém do Poder Executivo.

Não por acaso, a representação parlamentar é a que detém a pior imagem na esfera da política. Ora, a falta de autonomia para garantir o pleno exercício de suas funções está por trás da má avaliação. Criticam-se os atores políticos por desvios, atos de corrupção e atitudes imorais. De que adianta condenar figurantes se as práticas políticas não são mudadas? Os 513 deputados federais e 81 senadores desenvolvem uma ação sob o mesmo ordenamento, a saber: regras eleitorais obsoletas; sistema de voto ultrapassado; coligações proporcionais que geram injustiças; pedidos de liberação de verbas para as bases; facilidade para criação de partidos; a figura do senador suplente sem voto; doações de recursos privados para campanhas eleitorais; e excesso de Medidas Provisórias. Essa é a matéria prima sobre a qual deveria se debruçar a representação política. Sem reforma política, a radiografia congressual continuará borrada. E o Brasil, a cada nova legislatura, que sempre se abre às vésperas da folia de Momo, estará desfilando os motivos que o caracterizam como “o país do Eterno Retorno”. Sob as barbas do profeta Zaratustra.

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