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Geólogo alerta sobre contaminação no lençol freático

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LAGOA DE EXTREMOZ - Lagoa abastece hoje 70% da região
Ao olhar as áreas verdes do Parque das Dunas, praias, lagoas e paisagens dunares de Natal, é difícil acreditar que já não exista mais, nos 170 km2 da cidade, quase nenhum lugar onde encontrar água subterrânea sem a presença de uma alta concentração de nitrato (subproduto da contaminação por coliformes fecais). Pois que ninguém se deixe levar pelas aparências. A situação é exatamente essa. E preocupa muito.

O geólogo Marcelo Augusto de Queiroz, gerente da área de Hidrogeologia da Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern), faz um alerta: “Se demorar muito para a cidade ser dotada de saneamento, vamos ter problemas com a água, pois está ficando difícil encontrar áreas que não estejam contaminadas para perfurar novos poços. Já estamos começando a perfurar fora dos limites de Natal. Se continuar assim, teremos que ir cada vez mais longe, o que significa mais custos. E sem a garantia de que o volume vai ser suficiente”.

Até onde ele sabe, na Zona Sul, o San Vale é a única área onde o subsolo não apresenta contaminação por nitrato. Além disso, o potencial de vazão ali é muito grande, por isso a importância da área ser preservada a todo custo. Para se ter uma idéia, o terreno do Exército à margem da avenida Engenheiro Roberto Freire era um local onde a Caern tinha esperança de encontrar níveis baixos de nitrato.

“No final de 2004 e início de 2005, perfuramos dois poços lá e fizemos análise físico-química. Em um, o índice de nitrato estava no limite; no outro, a concentração de nitrato deu acima do índice aceitável. Deduzimos que a água contaminada chegou até lá se deslocando de bairros com problemas de contaminação”, diz Marcelo, que cita também o caso de Lagoinha, entre Ponta Negra, Cidade Verde e Capim Macio.

“Essa era uma das poucas áreas importantes para a recarga do aqüífero. Infelizmente, não podemos mais fazer estudos para a perfuração de poços, pois os empresários da construção civil garantiram, na Justiça, o direito de construir ali”. Já na região Norte, segundo o geólogo, os técnicos da Caern estão tendo que ir além dos limites da cidade para conseguir água de boa qualidade. “Perfuramos quatro poços à margem do rio Doce, já em Extremoz, para diluir na água da estação elevatória da Zona 16, que abrange os bairros de Pajussara, Guamaré e Nova Natal.

Com tudo isso, Marcelo Augusto de Queiroz garante que a água fornecida pela Caern à população natalense continua sendo de boa qualidade. A companhia mantém funcionando atualmente 159 poços, responsáveis pelo abastecimento da maior parte da população. Nas regiões sul, leste e oeste, os poços contribuem com 80% do abastecimento, enquanto que os 20% restantes são fornecidos pela lagoa do Jiqui.

Na Zona Norte, acontece o inverso. A maior contribuição é da lagoa de Extremoz. Alimentada pelos rios Guajiru e Mudo, a lagoa abastece hoje 70% da região, enquanto os outros 30% são retirados dos poços. Mas a tendência é a contribuição da lagoa sempre diminuir e a dos poços aumentar.

“A cada três meses fazemos uma análise físico-química da água. Naqueles poços menos afetados, tentamos resolver operacionalmente, diluindo a água contaminada em outra mais pura. Quando não é possível fazer esse controle, a solução é desativar”, diz Marcelo.

O problema todo é que os poços da Caern não representam nem 10% da quantidade de poços existentes. O total, nem os gestores das políticas de água sabem, mas estima-se que eles sejam em torno de 2 mil, entre públicos (da Caern) e particulares. “Como não há monitoramento nem qualquer controle sobre os particulares, pode ser que muita gente esteja usando água contaminada. E se não for por meio de uma análise químico-física não tem como detectar o índice de nitrato”, diz Marcelo.

Concentração de nitrato é um problema

Um dos primeiros estudos científicos sobre as potencialidades das águas subterrâneas de Natal, do início da década de 80, feito pela Universidade de São Paulo (USP), já chamava a atenção da sociedade e dos gestores públicos para o problema da concentração de nitrato no lençol freático. Mais na frente, muitas outras pesquisas se seguiram, feitas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e pela própria Caern. Constatou-se o agravamento da contaminação. Novos alertas foram dados.

Mas foi somente de dois anos para cá que os poderes públicos passaram a se voltar para o problema. O Ministério Público precisou pressionar, claro. Agora, o governo e os órgãos gestores da água estão tendo que correr para fazer em curto e médio prazo o que deixou de ser feito ao longo da história, devido ao descaso das autoridades.

Segundo o secretário de Planejamento Vágner Araújo, o governo pretende, num prazo de dois a três anos, sanear toda a cidade. De acordo com ele, já há recursos assegurados para isso. Uma das obras importantes é a construção da Estação Central de Tratamento de Esgotos, no Baldo, que vai tratar os efluentes de 13 bairros. A obra, prevista para começar em 2005, até agora ainda não foi iniciada.

Enquanto isso, a Secretaria Estadual de Recursos Hídricos (Sehid) deu início ao cadastramento dos poços existentes na Grande Natal, nos limites entre os rios Pitimbu, ao Sul, e Doce, ao Norte. A varredura é a primeira etapa de um trabalho que vai resultar num plano de gestão e manejo das águas subterrâneas, voltado para um melhor uso desses recursos hídricos.

“Primeiro, precisamos saber quantos poços existem e qual a qualidade da água”, diz o coordenador do trabalho, o geólogo Mickaelon Vasconcelos, mestre na área de Hidrogeologia. Ele e sua equipe começaram o trabalho pela atualização do cadastro dos poços da Caern, no dia 21 de fevereiro. No dia 6 de março, passaram a cadastrar os poços particulares, que representam a grande maioria.

“Estamos no início desse trabalho, que é muito lento porque temos que visitar cada um dos poços, e ainda dependemos da permissão dos proprietários”, fala Mickaelon. O prazo para a conclusão dessa primeira etapa é de nove semanas.

Crescimento desordenado contribui para contaminação

A contaminação do lençol freático de Natal atingiu o nível atual devido ao acelerado e desordenado crescimento urbano, somado à falta de saneamento básico. O adensamento populacional ocorreu de forma tão descontrolada e rápida que a cidade não suportou o impacto, mesmo encontrando-se em uma situação das mais privilegiadas, diante da grande quantidade de áreas verdes e de dunas — hoje bastante reduzidas devido às ocupações irregulares e aos investimentos imobiliários de grandes construtoras.

Quanto ao esgoto produzido na cidade, desde sempre ele é lançado no lençol freático, de onde é retirada a maior parte da água que serve ao abastecimento da população. No começo a contaminação se deu lentamente, devido à capacidade de recuperação natural, mas com o desenvolvimento de Natal a realidade passou a ser outra.

Especialistas e estudiosos do assunto são unânimes ao afirmar que o crescimento desordenado elevou a quantidade de esgoto no lençol freático, o que também tem provocado a impermeabilização do solo. Isso vem fazendo com que boa parte da chuva que serviria para abastecê-lo escoe em direção ao mar.

O geólogo Elmo Marinho de Figueiredo, especialista em Hidrogeologia, lembra que há 20 anos a água que saía da torneira era como se fosse mineral, embora já existissem manchas de poluição no lençol freático. “Com o adensamento, essas manchas foram se unindo e hoje temos bairros completamente contaminados e até áreas afastadas do centro onde teoricamente a água deveria estar menos poluída”. Ele cita o caso do Campus Universitário. Ainda em 2004 foi detectado nos cinco poços de abastecimento da UFRN teor de nitrato acima do aceito pelo Ministério da Saúde.

De 1980 para 2001, segundo dados do IBGE, a população de Natal aumentou de 416 mil e 898 habitantes para 712 mil e 898 habitantes. “Imagine que cada casa tem uma fossa e que cada uma injeta, dioturnamente, nos 365 dias do ano, poluentes no aqüífero. Não tinha como a situação estar diferente”, diz o geólogo, lembrando que apenas 33% das habitações de Natal têm saneamento, e apenas 14% dos esgotos são tratados.

Diante disso, ele chama a atenção para a preservação do rio Pitimbu, que alimenta a lagoa do Jiqui. O reservatório superficial é responsável pelo abastecimento de 20% das regiões Sul, Leste e Oeste, e ainda serve como fonte para diluir e tratar a água contaminada de dezenas de poços.

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