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Gestos que falam

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Daísa Alves – Repórter

Mesas na calçada, bebidas à mesa, cadeiras lotadas, amigos reunidos, silêncio total. Ao invés de cantos e risadas, gestos e expressões faciais que despertam olhares curiosos de quem se aproxima. A cena comum se diferencia pelos seus participantes. Todas as sextas-feiras, um grupo de deficientes auditivos se reúne em uma espetaria no bairro de Nova Parnamirim. A prática já dura mais de seis meses e chegou a agrupar até 60 surdos de diversas nacionalidades no local.

O grupo é animado, sempre sorridente. Entre um espetinho e uma bebida, as mãos não param. Não para também de chegar mais gente à mesa. Bem próximo a uma das principais avenidas do bairro, av. Abel Cabral, os sotaques gestuais do Rio de Janeiro, Recife, João Pessoa e até da Itália se misturam aos potiguares. Reunidos pelo que têm de comum – a deficiência – eles valorizam o momento para integração e divertimento.
O primeiro encontro do grupo ocorreu há seis meses e reúne surdos até de outros países que visitam o Estado
“Surdo não gosta de estar afastado, quer sempre estar junto, em grupo”, relata Najana Nayana, 24, formada em Letras Libras. Sua mãe teve rubéola durante a gravidez, causando a surdez nela ainda bebê. Com tratamento especializado, ela adquiriu parte da audição, conseguindo se comunicar na fala e também através da Libras. Najana quem auxiliou a reportagem como tradutora intérprete. Ela é uma das pessoas mais assíduas aos encontros.

“As pessoas fazem várias imagens dos surdos, mas poucos sabem sobre nós. Por exemplo, surdo gosta de conversar. Passa mais de horas conversando. Aqui no bar já chegamos a amanhecer se divertindo e conversando”, relata Najana. Ela ressalta a influência das Associações como facilitador na geração de vínculos entre eles. Em Natal, existe a Associação de Surdos de Natal (Asnat), reunindo cerca de 400 deficientes auditivos, além de profissionais e parentes dos associados.

Existem encontros locais, regionais, nacionais e até internacionais, aproveitando para proporcionar intercâmbios após os eventos. No mês passado, houve um Encontro Internacional de Surdos em Natal, reunindo associados de diversos países. A espetaria foi ponto de encontro após a programação oficial. “Nesse dia aqui ficou lotado, eram mais de 60 surdos aqui. Tinha gente em pé, mas nem por isso saíram daqui não. Ficaram todos reunidos”, relata Nissônia Trindade, proprietária do estabelecimento.

Francisco José dos Santos, 29, técnico em informática, já foi vice-presidente da Asnat. Apesar de não possuir mais cargos na entidade, ele não deixou de exercer influência sobre o grupo. Chico, como é mais conhecido, é o mentor e incentivador dos encontros. De uma maneira espontânea, ele convida os amigos para o estabelecimento, contando com uma vantagem: os proprietários do local são conhecidos dele e, mesmo sem dominar a Língua Brasileira de Sinas (Libras) conseguem desenvolver uma comunicação.

“Em outros lugares sempre demora muito. Se não nos entendem por mímicas temos de escrever. Não é diretamente como aqui”, expõe. Entre encontros na associação e saídas como as da sexta-feira, Chico firmou relacionamento com Najana. Eles namoram há sete anos. O relacionamento entre pessoas com a deficiência é outra característica marcante. Segundo Najana, isso acontece porque há uma relação de convivência mais frequente entre eles, do que com pessoas que não falam pela Libras. “Mas não há outra diferença entre surdos e não surdos que não seja a fala. Às vezes nos olham como se fôssemos um nível abaixo, a gente não escuta, o resto é igual”, frisa.

Comprovando a mesma potencialidade de um surdo, é exemplo Izabel Maia. Aos 21 anos ela é Miss Brasil Surda 2014 e vai representar o país na disputa pelo título internacional Miss Deaf World, que será realizada em Praga, na República Tcheca, em março desse ano. Ela fez faculdade de Gastronomia e possui pós-graduação em Letras Libras. “Temos os mesmos direitos e mesma competência para participação em concursos comuns da sociedade”, diz.

Na formação de professores, Libras é disciplina obrigatória

“Considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – Libras”. Este é o trecho inicial do decreto de número 5.626, de 22 de dezembro de 2005. A determinação dispõe para legitimação dos direitos das pessoas com a deficiência, como também fundamenta a obrigatoriedade da inclusão da Língua  Brasileira de Sinais como disciplina curricular na formação de professores para o exercício do magistério e da instituição de tradutores e intérpretes de Libras nas escolas, do ensino infantil ao superior.

No RN, a inclusão de profissionais à rede de ensino já é uma realidade. Somente nas escolas estaduais, de acordo com informações da Secretaria Estadual de Educação, contabiliza-se cerca de 800 estudantes surdos. Para eles, estão dispostos 120 professores capacitados a interpretação da língua. Na rede municipal de Natal existem duas formas de atender aos surdos. Uma delas é pelos Complexos Educacionais Bilíngues. Existem também escolas, fora destes complexos que recebem os estudantes, no entanto, não se tem o levantamento, pois ainda está sendo processada a matrícula. Em 2013, eram 115 os estudantes com a deficiência em toda a rede. Neste ano, já se contabiliza 61 apenas nos Complexos. Concursados, atualmente, são 15 professores intérpretes, destes 5 são surdos. No recente processo seletivo mais 17 foram chamados para compor a rede.

Aproximação

Na sociedade é habitual a aproximação das pessoas pelas semelhanças encontradas entre si. Para os surdos essa dinâmica é mais intensa. A comunicação, base para todo relacionamento, é diferenciada. Os olhos substituem o serviço da audição, e as mãos exercem a função da fala. No Brasil, é reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais – Libras e outros recursos de expressão a ela associados. 

Declara a lei de número 10.436, de 24 de abril de 2002. “Entende-se como Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil”, acrescenta a lei.

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