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Governo substitui lei para a carcinicultura

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INSATISFAÇÃO - Pequenos produtores se sentem prejudicados com as mudanças na legislação

Após o carnaval deste ano os carcinicultores potiguares deverão ver atendido um pleito que nasceu em 1998: a regulamentação do setor. Vendo dessa forma, pode parecer que isso mereceria um prolongamento do carnaval para a categoria. Mas não é bem assim. Apesar de representar realmente um avanço no que diz respeito ao setor e à proteção ao meio ambiente, a alteração da Lei 272/2004 – enviada semana passada à Assembléia Legislativa – não é o que os carcinicultores esperavam.

Ao que tudo indica, a insatisfação terá que ser transformada em resignação. Além de votar o projeto que atualiza a política do meio ambiente no Estado, após o carnaval (também) deverá ser ratificado pelos deputados o veto da governadora Wilma de Faria ao projeto 0037/2005, ao qual os carcinicultores eram favoráveis. Política e interesses à parte, a TRIBUNA DO NORTE ouviu os envolvidos, comparou as leis e comprovou – seguindo o Ministério Público – que a nova lei é um avanço.

A história envolvendo esse embate começou em 1998, segundo o presidente da Cooperativa dos Produtores de Camarão Marinho do Estado (Coopercam), Pedro Fernandes Pereira. Essa entidade é a maior das cinco cooperativas do Estado e possui 142 associados. Ele conta que naquele ano começou a reivindicação, por parte dos produtores, de um regulamento para a atividade e também da produção do Zoneamento Econômico.

Nesse ínterim, em 2001, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recurso Renováveis (Ibama) promoveu no Estado uma megaoperação para fiscalizar e punir os produtores irregulares. Muitos foram multados e até hoje respondem às autuações. Ano passado, tentando pôr um fim à espera, a categoria elaborou uma proposta de projeto de lei contendo seus anseios. Quem lhes acudiu nessa batalha por melhoras foi o deputado Robinson Faria (PMN), presidente da Assembléia Legislativa.

Após entendimento, foi elaborado um projeto de lei complementar que acabou aprovado por 19 votos favoráveis e apenas um contra, do deputado Fernando Mineiro. Era o paraíso na terra para os produtores de camarão. Entre outras coisas, os carcinicultores que operam em locais irregulares tinham a chance de se livrar do fantasma da irregularidade porque – pela lei – só precisavam cumprir a legislação “na medida do possível”. Foi então que veio a resistência por parte dos órgãos ambientais e de defesa do meio ambiente, que alertaram sobre a inconstitucionalidade do projeto 0037/2005.

Diante do quadro, e da elaboração de uma atualização da Lei 272/2004 (que regulamenta a política de meio ambiente no Estado), a governadora vetou o projeto. Segundo informações da assessoria do deputado Robinson Faria, esse veto deve ser mantido. O novo projeto – de atualização da legislação – chegou ao parlamento estadual sexta-feira (18) e foi lido quarta-feira (22). Agora são os carcinicultores que querem resistir e trabalhar pela derrubada do veto.

Críticas antecipam votação na AL

A maior crítica por parte dos carcinicultores com relação à atualização da política ambiental do Estado diz respeito à falta de diálogo. Segundo o presidente da Coopercam, Pedro Fernandes Pereira, a categoria não foi ouvida na elaboração do projeto. O presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Camarão (ABCC), Itamar Paiva Rocha, concorda. Os dois estão juntos também no entendimento de que a nova lei não beneficia os pequenos produtores.

Pedro Fernandes observa que o projeto do Governo se prende a detalhes periféricos e que não possuem tanta importância para a categoria. Ele cita, por exemplo, a alteração do prazo de validade das licenças que mudaram de um a cinco anos para um a seis anos. “Por que não colocam um prazo fixo?”, questionou. No projeto do deputado Robinson Faria era assim. Outra crítica diz respeito às alterações nos enquadramentos dos empreendimentos.

O presidente da Coopercam questiona ainda como o diretor-geral do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente (Idema), Eugênio Cunha, afirma que 64% dos pequenos produtores serão beneficiados pela nova lei se 189 carcinicultores não receberão a licença após a aprovação da nova redação da Lei 272/2004. Tem que haver uma convergência para regularizar a vida desses produtores”, diz.

Itamar Rocha vai na mesma linha argumentativa: “A lei não resolve o problema”. Segundo ele, os carcinicultores não tomaram conhecimento de que estava sendo elaborada uma nova redação para a 272/2004. Para o presidente da ANCC, com o veto ao projeto do deputado Robinson Faria e o encaminhamento de um projeto do Executivo, o governo perde a oportunidade de melhorar o setor. De acordo com ele, a nova redação dificulta a obtenção de licença e impede o acesso às linhas de crédito. “As alterações nos preços são para desviar a atenção”, afirma.

Os dois presidentes informam que apesar da decepção provocada pelo novo projeto, continuarão lutando para que o veto da governadora Wilma de Faria seja derrubado e mantenha-se a lei aprovada pela Assembléia. Cogita-se o envio de uma carta aos deputados no sentido de sensibilizá-los sobre o assunto. “Vamos continuar lutando”, diz Itamar Rocha.

Texto vetado tinha redação confusa

O projeto sonhado pelos carcinicultores; proposto pelo deputado Robinson Faria, aprovado pela Assembléia Legislativa; e vetado pela governadora Wilma de Faria, feria as constituições Federal e Estadual e tinha uma redação confusa. O alerta sobre o problema foi dado em conjunto pelo Ministério Público (Federal e Estadual), pela Secretaria de Recursos Hídricos (Serhid), pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) e pelo Idema.

A resistência ao projeto dos carcinicultores também contou com o apoio do Instituto de Gestão das Águas do Estado (Igarn) e da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes). Segundo o promotor e representante das instituições federais de ensino no Conselho Estadual de Meio Ambiente (Conema), João Batista Machado, foi realmente um trabalho em grupo que culminou com o veto e a revisão da legislação.

Pelo projeto aprovado na Assembléia, o primeiro ponto a ser atacado dizia respeito à criação de legislação específica para o setor da carcinicultura. Depois, a proposição mudava a classificação dos empreendimentos. Com relação a prazos, o projeto 0037/2005 também trazia mudanças: as de operação e simplificada passavam a ter seis anos de validade. Além disso, o projeto orientado pelos carcinicultores permitia a instalação de viveiros em áreas de salinas, de salgados, de apicuns, de restinga, e de toda e qualquer área adjacente aos manguezais, rios, lagoas e dunas.

Outra medida incluída na lei estabelecia que os empreendimentos de carcinicultura já em operação deveriam, “na medida do possível, adaptar-se às normas da Lei”. Por fim, o projeto 0037/2005 concedia o caráter de utilidade pública aos empreendimentos de carcinicultura já existentes e também aos que estavam sendo implantados. Esse foi um dos pontos mais atacados na hora do veto da governadora Wilma de Faria, publicado no Diário Oficial do Estado dia 19 de janeiro passado.

Se permanecessem como utilidade pública, os empreendimentos ficariam liberados de respeitar áreas de proteção. O projeto também foi vetado porque proposições deste tipo são de exclusividade do Poder Executivo; áreas de restinga e adjacências de manguezais, rios, lagunas e dunas são Áreas de Preservação Permanente (APP) e não podem ser ocupadas; e, por fim, porque ao determinar o cumprimento da lei o projeto desobrigava os carcinicultores de cumprir a legislação. O projeto “favorecia o exercício da carcinicultura, oferecendo risco ao equilíbrio do meio ambiente” – trazia o veto.

Idema vê as críticas como injustas

O diretor-geral do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (Idema), Eugênio Cunha, considera injustas as críticas ao projeto de atualização da legislação ambiental. Ele explica que os 189 empreendimentos que não serão atingidos pelas mudanças encontram-se em situação irregular ante a legislação vigente. Alguns, inclusive, foram implantados dentro de Áreas de Proteção Permanente (APPs).

Eugênio Cunha esclarece que no início do trabalho do Idema junto a esses produtores irregulares, o total de empreendimentos era de 289. Após uma ação mais focada, o Instituto conseguiu encaminhar à regularização 100 empreendimentos. “O Idema foi ao produtor”, diz. Eugênio Cunha destaca como maiores progressos na legislação o reenquadramento dos empreendimentos e a reavaliação dos valores exigidos para as licenças ambientais. “O projeto é um grande avanço”.

Para ele, a votação prevista para depois do Carnaval não trará problemas ao projeto do Governo do Estado nem ao veto da governadora. Eugênio Cunha afirma isso com base nas reuniões realizadas na Assembléia Legislativa com os deputados para esclarecer o equívoco cometido com a aprovação do 0037/2005. O Ministério Público Estadual também considera que houve avanço com a atualização do texto da Lei 272/2004.

O promotor João Batista Machado, que integra o Conema como representante das instituições de ensino superior, indica como maiores ganhos a simplifica no processo de licenciamento e o incentivo à legalização, proposto no artigo 61. “O Governo facilitou a vida dos carcinicultores”. O promotor cita ainda que esse projeto a ser votado na Assembléia passou pela avaliação de duas câmaras técnicas dentro do Conema e que sua aprovação dará fim a uma ação de inconstitucionalidade contra a 272/2004 original.

João Batista Machado também não acredita que haverá problemas na votação pelos deputados. Na opinião dele, os carcinicultores não deveriam se colocar como inimigos mas apresentar propostas que possam melhorar a lei. Outro promotor envolvido na questão, Antonio de Siqueira Cabral, também vê a nova lei como um avanço. Ele é coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Defesa do Meio Ambiente (Caopma); e foi um dos que assinou a carta pedindo atenção ao projeto aprovado na Assembléia Legislativa.

Principais mudanças propostas pela atualização da lei 272/2004

• Com relação à composição do CONEMA (artigo 8), a nova lei:
– retira a vaga reservada ao consultor-geral do Estado;
– dispensa a participação específica de membro de FIERN e disponibiliza representação para um membro das federações patronais (qualquer uma)
– inclui vaga para representante de “uma organização da sociedade civil de interesse público, com sede no Rio Grande do Norte e que tenha como objetivo a defesa, preservação, conservação do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento sustentável.
– assegura assento à FEMURN
– aumenta de 14 para 15 a composição do Conselho

• Com a alteração nos artigos 22 e 23, que tratam da Compensação Ambiental, os empreendedores passam a ter que destinar parte dos 5% exigidos sobre o valor do investimento para a realização de programas de preservação, conservação, e recuperação ambiental.

• Pela alteração do artigo 24, os empreendedores que já possuem viveiros também poderão ter que destinar recursos para programas de preservação. Em ambos os casos, isso só ocorrerá quando ficar comprovado – com base em estudos ambientais – que a implantação do empreendimento provocará “significativo impacto para o meio ambiente”.

• Com o acréscimo de um inciso ao artigo 29, as empresas que lidam ou produzem substâncias de alto risco ambiental ficam obrigadas a apresentar plano de gerenciamento de risco quando exigido.

• Com a mudança no artigo 33, o empreendedor que promover grave dano ao meio ambiente deverá apresentar plano de remediação que só terá validade mediante aprovação da unidade executora, que terá poder para determinar alteração nesse plano. Um novo inciso nesse mesmo artigo obriga o empreendedor a fornecer uma fonte de água alternativa caso o dano ao meio ambiente tenha contaminado a fonte de abastecimento de água de determinada região.

• Pela alteração do artigo 46, ficou ampliada a Licença Simplificada, que agora vale para empreendimentos classificados nas categorias de pequeno ou médio potencial poluidor e degradador; e de micro ou pequeno porte.

• Ainda com relação ao artigo 46, a nova lei determina que:
– poderá ser concedida “autorização especial” para atividades de caráter temporário;
– poderá ser concedida uma “autorização para teste de operação”, antes da concessão da Licença de Operação e com prazo de validade de até 180 dias.
– a “licença simplificada” poderá ser expedida em duas etapas: previamente para localização do empreendimento; e posteriormente, início da exploração; e
– aumenta as exigências para a expedição da Licença de Regularização de Operação.

• Com a mudança no artigo 50, ficam alterados os prazos de validade das Licenças. A partir da aprovação da nova lei, os prazos serão:
– de um a seis anos para a Licença de Operação (era de um a cinco);
– no máximo de dois anos para a Licença de Regularização de Operação (era de dois a cinco anos);
– de um a seis anos para a Licença Simplificada (era de dois a cinco);
– de um a 10 anos para a Licença de Instalação e Operação (era de dois a cinco)
– Até quatro anos para a Licença de Alteração.
 
• O novo texto também altera os valores e enquadramentos para os pagamentos das licenças ambientais; e ainda:
– passa a permitir o parcelamento das dívidas em até três meses.
– dispensa a cobrança para empreendimentos classificados como de subsistência, artesanais, desenvolvidos por populações tradicionais e ainda para atividades executadas pelo poder público;
– define que as renovações terão o mesmo valor das licenças;

• Acrescenta no artigo 61 que também será considerada infração grave a criação de “embaraço à fiscalização da entidade executora, quer seja por causar danos aos seus equipamentos, desrespeito ou desacato a seus agentes, impedimento de seu acesso às instalações ou qualquer outro meio”.

• Ainda no artigo 61, prevê desconto de 90% na multa para aqueles produtores que tenham cometido infração grave mas se apresentarem espontaneamente para regularizar sua situação.

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