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Graciliano para prefeito

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Contando nos dedos faltam três dias para a eleição de prefeito e vereador, marcada para domingo. Amanhã será o último dia permitido para propaganda eleitoral no rádio e tevê. Um alívio para os ouvidos e para os olhos.  Confesso que vejo pouco, quase nada, a obra e a arte dos marqueteiros e publicitários. São inventivos pregadores da ficção, fornecedores também de rico manancial usado por blogueiros e artesãos das ditas redes sociais. Prefiro as de algodão. Esta semana saiu a notícia de que 26 prefeitos potiguares desistiram da reeleição. É um fato raro na nossa história político-eleitoral. Soma-se a este contingente mais cinco prefeitos cujas candidaturas tiveram o registro negado pela Justiça Eleitoral. Esperava-se mais. Bem mais.

Dos 26 que resolveram não se candidatar à reeleição está o prefeito de Mossoró (segundo colégio eleitoral do Estado), Francisco José Júnior. O curioso dessa história é que mesmo não sendo mais candidato, tem participado dos debates com os outros candidatos, “como se efetivo fosse”. Imagine qual seria a reação de Mota Neto, o saudoso Motinha, diante de tal espetáculo. Até Lampião acharia muito esquisito. Além de Mossoró há outros municípios importantes na lista dos desistentes. Por exemplo: Currais Novos, Macau Angicos e Nísia Floresta.

Os prefeitos apontam a crise financeira como o motivo principal da desistência em disputar a reeleição.  Para o mestre Gaspar, peagadê em política por estas bandas do Rio Grande do Norte, se a crise financeira fosse na verdade a pedra no caminho, talvez restassem uns seis sobreviventes andando por aí. Essa história de crise financeira nos livros de contabilidade das prefeituras brasileiras não é novidade. Já vem de muito tempo. Basta conferir as páginas da História. Foi até mote para Graciliano Ramos. A propósito, quantos prefeitos brasileiros já abriram um livro do velho Graça? Será que alguns deles saibam que o grande escritor antes de publicar seu primeiro livro (“Caetés”) foi prefeito de Palmeira dos Índios, em Alagoas?

Pois é, esta semana, na arrumação das prateleiras empoeiradas encontrei um exemplar da Brasiliana (Entrelivros) que contém os dois relatórios de Graciliano (anos de 1928/1930) quando foi prefeito. Relatórios enviados ao Governador de Alagoas e publicados no Diário Oficial do Estado. Mesmo mexendo com números e coisas que tais, a sua leitura encanta o leitor. Era o escritor escrevendo. O editor e poeta Augusto Frederico Schmidt ao tomar conhecimento desses relatórios, publicaria três anos depois Caetés, que já estava pronto na  gaveta derna de 1928.

Graciliano driblando a crise
Vou lendo e relendo, me deliciando com o estilo de Graciliano ao redigir os seus relatórios enviados ao governador de Alagoas. Começa assim:

– Exmo. Sr. Governador:  Trago a V.Exa. um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928.

– Não foram muitos, que os nossos recursos são exíguos. Assim minguados, entretanto, quase insensíveis ao observador afastado, que desconheça as condições em que o Município se achava, muito me custaram.

– O principal, o que sem demora iniciei, o de que dependiam todos os outros, segundo creio, foi estabelecer alguma ordem na administração.

– Dos funcionários que encontrei em janeiro do ano passado restam poucos: saíram os que faziam política e os que não faziam coisa nenhuma. Os atuais não se metem onde não são necessários, cumprem as suas obrigações e, sobretudo, não se enganam em contas.

Graciliano fala sobre Receita e Despesa:

–  A receita, orçada em 50:000$000, subiu, apesar de o ano ter sido péssimo, a 71:649$290, que não foram sempre bem aplicados por dois motivos: porque não me gabo de empregar dinheiro com inteligência e porque fiz despesas que não faria se elas não estivessem determinadas no orçamento.

– Despendi com o poder legislativo 1:616$484 – pagamento a dois secretários, um que trabalha, outro aposentado, telegramas, papel, selos.

– No cemitério enterrei 189$000 – pagamento ao coveiro e conservação.

– Cuidei bastante da limpeza pública. As ruas estão varridas; retirei da cidade o lixo acumulado pelas gerações que por aqui passaram; incinerei monturos imensos, que a Prefeitura não tinha suficientes recursos para remover.

– Houve lamúrias e reclamações por se haver mexido no cisco preciosamente guardado em fundos de quintais; lamúrias, reclamações e ameaças porque mandei matar algumas centenas de cães vagabundos; lamúrias, reclamações, ameaças, guinchos, berros e coices dos fazendeiros que criavam bichos nas praças.

Sobre Educação 
No segundo relatório (1929/ 1930),  destaco este trecho sobre Instrução:

– Instituíram-se escolas em três aldeias:  Serra da Mandioca, Anum e Canafístula. O Conselho mandou subvencionar uma sociedade aqui fundada por operários, sociedade que se dedica à educação de adultos.

– Presumo que esses estabelecimentos são de eficiência contestável. As aspirantes a professores revelaram, com admirável unanimidade, uma lastimosa ignorância. Escolhidas algumas delas, as escolas entraram a funcionar regularmente, como as outras.

– Não creio que os alunos aprendam ali grande coisa. Obterão, contudo, a habilidade precisa para ler jornais e almanaques, discutir política e decorar sonetos, passatempos acessíveis a quase todos os roceiros.

Música  Já no primeiro relatório, Graciliano destaca: “A Escola de Música: A Filarmônica 16 de Setembro consumiu 1:990$660 – ordenado de um mestre, aluguel de casa, material, luz”.

E arremata:
Não favoreci ninguém. Deve ter cometido numerosos disparates. Todos os meus erros, porém, foram de inteligência, que é fraca. Perdi vários amigos, ou indivíduos que possam ter semelhante nome.

 Não me fizeram falta. Há descontentamento. Se a minha estada na Prefeitura por estes dois anos dependesse de um plebiscito, talvez eu não obtivesse dez votos. Paz e prosperidade. Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929.

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