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Grupo ajuda a retomar a vida

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O mais difícil de tudo, após o grande impacto da perda de um filho de forma trágica, na opinião do físico Marcílio Colombo Oliveros, 66 anos, é retomar a vida normal. A pessoa tenta se isolar, não quer mais sair de casa, não quer mais ir a lugares de diversão, sente-se como estivesse traindo a memória do filho, diz ele.

“Mas a gente, aos poucos, mostra que não tem nada disso. A vida continua. Eu e Rosângela ainda temos dois filhos. Nós temos os nossos  amigos, temos o nosso trabalho, ocupamos a nossa vida com esse trabalho e com outros trabalhos de assistência social”, comenta Marcílio, que coordena o Gampee junto com a esposa.
Casal Marcílio e Rosângela fundou e coordena o grupo de apoio
#SAIBAMAIS#“A dor de perder um filho é sempre grande e inesperada, porque geralmente nós esperamos que as pessoas mais idosas morram primeiro. Mas isso não é o que acontece. A gente vê muitas pessoas; principalmente hoje em dia; morrendo por vários motivos. Os jovens principalmente, pela criminalidade, pela violência no trânsito, pela violência geral. Tem muita gente morrendo jovem ainda, como foi o caso de minha filha.”

Falta de apoio do Estado

A filha do professor Marcos Antônio de Araújo, 57 anos, morreu em um acidente automobilístico, na BR-304, nas proximidades de Angicos, onde também morreram mais dois servidores do Estado, além de Maria Lívia. A notícia do falecimento chegou de forma confusa e indireta. “Primeiro a gente não acredita, não aceita, acha que é um sonho;  depois entra num estado de torpor”, diz Marcos, que considera estar doente nesse período. “O enlutado, nesse grau de luto, não come o que presta, não dorme o que presta e sente várias dores musculares. Então você passa a ser uma pessoa doente.”

O professor diz ter ficado duas semanas nesse estado, com uma espécie de filme passando direto em sua cabeça, desorientado, como estive em um outro mundo, sem ouvir muito bem o que as outras pessoas dizem.
Marcos Antônio de Araújo faz críticas ao Estado após morte da filha
Além de reclamar da falta de dispositivos que controlassem a velocidade do carro — que ele diz estar a 160 km/h no momento do acidente, algo que Marcos Antônio diz ter sentido bastante falta foi a falta de apoio psicológico institucional por parte do Estado.

“A sociedade organizada como um todo não está preparada para receber o enlutado. É uma obrigação do estado tomar conta de seus cidadãos. E eu não tive apoio nenhum. Não tem um órgão que lhe dê apoio psicológico. Quem precisa tem que buscar na área privada e é caro”, desabafa o professor, comentando dizer ter encontrado o que precisava no Gampee.

Legado de amor

A empresária Renata Pfrimer Müller, 51 anos, estava finalizando os preparativos para a festa de formatura do seu filho de 24 anos, quando soube que ele havia morrido na hora, com o carro engavetado em uma carreta, em uma estrada de Goiás, em 2014. O choque da notícia foi grande. Quando chegou para as primeiras reuniões do grupo, ela havia perdido 17 kg. Questionada se acredita quando dizem que a morte do filho antes dos pais é contra a ordem “normal” da natureza, Renata diz não mais crer nessa máxima. Para ela, hoje, tudo tem a sua hora e seu tempo. “Se aconteceu é porque teve um propósito muito maior. Ele deixou um legado de amor muito grande. Ele, por fim, acabou unindo muito a família. E ele sempre foi amor e alegria.”
Empresária Renata Pfrimer perdeu filho em um acidente em Goiás
A empresária conta que o marido demorou mais tempo para aceitar o que havia ocorrido e questionou muito Deus. “Por que com a gente?”, ele dizia. Renata, porém, acredita que o filho foi chamado e ela  foi escolhida para passar por essa provação. Sendo assim, decidiu que seja da melhor forma, com alegria e celebrando.

Porém, ela acredita haver um tabu muito grande na sociedade quando o assunto é morte, luto. “As pessoas não falam de morte. Morte é vida. É a única certeza que nós temos.”

Um bálsamo para a família

O assassinato de Gizela Mousinho chocou Natal pela frieza da adolescente que atirou quando a funcionária pública, de 43 anos,  pedia aos  assaltantes que deixassem sua filha sair do carro. A notícia foi dada com bastante cuidado a seu pai, o servidor estadual João Batista de Paiva, 78 anos, já que ele tem uma ponte de safena. A ele foi dito que a filha estava sendo cirurgiada, quando na verdade ela faleceu no local do crime.
João Batista de Paiva é pai de Gizela Mousinho, assassinada em 2015
Ele lembra ter sido um desespero muito grande para a família e que o Gampee tem sido muito importante para amenizar todo o sofrimento. “A dor é permanente. Ela não passa.  Essa questão de dizer que o tempo se encarrega… não acredito nisso. Em janeiro vai completar um ano e nós sofremos da mesma forma”, diz o pai de Gizela. Ele confessa ter tido receio ao ser convidado a participar das reuniões, mas hoje considera ter sido um verdadeiro bálsamo em suas vidas. “Nós aqui nos sentimos iguais aos demais, pois todos sofrem da mesma dor que nós sofremos. Nunca escondemos nossas revoltas, mas sempre confiando em Deus. Isso tem melhorado demais o nosso sofrimento.”

“As pessoas não falam sobre a morte”


– Como a psicoterapia em grupo pode ajudar pessoas enlutadas que perderam filhos?

As pesquisas têm mostrado atualmente os benefícios da psicoterapia em grupo. Nós que estamos na prática clínica, a gente acompanha os progressos e os benefícios das pessoas que estão sendo acompanhadas em grupo. O grupo é muito rico, é um encontro de pessoas que estão passando pela mesma situação. Na verdade, existe psicoterapia de grupo geral, mas a nossa psicoterapia de grupo aqui trata de um tema específico, que é o luto de pais e mães. É um grupo de iguais. Eles conhecem a mesma dor. Eles se sentem mais à vontade para expressar os seus pensamentos e sentimentos. Eles se sentem aceitos. Se sentem compreendidos. Existe um silêncio social. O luto é um tema tabu ainda. As pessoas não falam sobre a morte. A gente vive como se a morte não existisse. Por que a gente não dá conta. Se eu quero planejar uma viagem para o ano que vem, planejar um curso novo, um curso universitário ou no exterior, enfim, quero planejar que meus filhos realizem determinada atividade. Então, se eu estiver vivendo com a presença da morte ali muito pertinho, eu não vou conseguir planejar. Então, a gente vive negando a morte. O ser humano nega a morte.

– E qual a origem desse tabu?

Cada cultura lida com a morte de uma determinada maneira. Estou falando da nossa cultura ocidental. A gente vive negando a morte. Quando nós somos lembrados que a morte existe? Quando a gente vê que perdeu um vizinho, uma pessoa próxima, um colega de trabalho. Aí, a gente diz: “Puxa, a morte existe”. É quando a gente começa a fazer essa associação. E aí, cada um vai digerir aquilo de uma determinada maneira. Então, quando eles chegam a esse grupo aqui, eles se sentem à vontade. Todo silêncio que eles encontram na sociedade e nos amigos lá fora, eles conseguem receber um colo aqui. Não é por maldade esse silêncio, mas é porque as pessoas não sabem muitas vezes o que dizer. Um grupo como esse traz todas essas queixas, todas as reflexões. Tem pessoas que já estão num estado mais avançado, já caminham um tempo maior no luto, e aí servem de parâmetro para outras, servem de referência.    

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