domingo, 12 de maio, 2024
30.1 C
Natal
domingo, 12 de maio, 2024

“Há uma promiscuidade entre os Poderes”, diz Cristovam Buarque

- Publicidade -

O senador Cristovam Buarque lançou um novo livro no qual faz um relato das barreiras que separam a Humanidade e propõe ações a serem tomadas em conjunto pelos líderes mundiais. Os textos foram escritos a partir da experiência que teve ao percorrer a fronteira da Turquia com a Síria. Na ocasião, ele conheceu de perto a realidade dos campos de refugiados entre Istambul e Kilis, na fronteira com a Síria, próximo a Alepo. O que viu e vivenciou nos quase 1.000Km percorridos na viagem foi o estopim para as reflexões que estão em “Mediterrâneos Invisíveis”, título do livro.
Senador e ex-ministro da Educação, Cristovam Buarque critica relação entre os poderes
Para o senador, as soluções dos problemas da Humanidade não podem ser individuais, mas sim articuladas entre os países. “Eu proponho um programa de transferência de renda em escala mundial e, ao mesmo tempo, de microcrédito para os países pobres”, afirma.

Cristovam Buarque — hoje líder do PPS-DF — foi fundador do PT. Ele ainda se considera de esquerda, mas assume posições que o distanciam dos ex-companheiros. Para o senador, em economia, é preciso deixar de lado as ideologias e o corporativismo, porque “o importante é a eficiência”. Com os resultados de uma economia eficiente, a esquerda poderia disputar os rumos do investimento para direcionar   a setores como Saúde e Educação. 

Cristovam Buarque é engenheiro mecânico formado pela Universidade Federal de Pernambuco e doutor em Economia, pela Sorbonne (Paris). Foi funcionário do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), reitor da UnB, onde ainda leciona, governou o Distrito Federal entre 1995 e 1998 e exerceu o cargo de ministro da Educação, em 2003. Concorreu à Presidência da República nas eleições de 2006. Atualmente, exerce o mandato de senador  pelo DF.

O senhor lançou um livro a partir da experiência que teve na fronteira da Síria. O que aborda neste texto?

Eu recebi um convite para visitar a Turquia. Estava lançando outro livro lá e pedi para organizarem uma visita à fronteira com a Síria. A intenção seria, a partir daí, escrever um artigo para um jornal. Estive na fronteira. Do lado turco, tem a cidade de Kilis; e do sírio, na cidade de Alepo. Conversei muito. Fui em acampamentos. Em vez de artigo, acabou virando um livro. No lugar de tratar dos refugiados sírios, fiz um livro sobre todos os que tentam ir da pobreza para a riqueza. O livro é sobre essa movimento. Abordei isso, os pobres do mundo que querem ir para a riqueza e são impedidos pelo que chamei de “Mediterrâneos Invisíveis”, que existem ao redor de cada restaurante, cada escola, cada pessoa rica. Alias, há vinte anos fiz outro livro que se chamava “A Cortina de Ouro”, que  já abordou esse assunto.

Como vê a possibilidade de transpor esse Mediterrâneo Invisível? É possível?

Para todos transporem é impossível. A riqueza construída no mundo, nos últimos dois séculos, não é distribuível para todos. Exige uma minoria privilegiada. Não dá para todos terem um carro. Imagine todos terem dois caros, que a parcela rica tem. Não cabem todos na Europa. Então, proponho que, para não ter que barrar a imigração, uma vez que não cabe todos na ‘Europa social’, vamos fazer com que não seja preciso emigrar. A Bolsa Família fez um pouco disso no Brasil. Muitas pessoas que recebem o Bolsa Família no Nordeste teriam emigrado para o Sul. Mas, em vez disso, ficaram. Então, eu proponho um programa de transferência de renda em escala mundial e, ao mesmo tempo, de microcrédito para os países pobre. E também um programa de Educação para os pobres. E colocar uma condição: Quem recebe [esses benefício], não emigra. Fica no seu país, na sua aldeia. De certa forma, a China faz isso. Quem é de uma região não pode ir para outra, a não ser com uma autorização. Alguns dizem que isso é autoritário. Mas, na China, até pode ir [de uma região para outra], no entanto não vai ter escola pública, atendimento médico gratuito.

Então é preciso ter alguns parâmetros?

Mas voltando, não dá para todos terem acesso ao padrão de vida dos ricos do mundo. Nem a ecologia suportaria, nem é possível. Não caberia a quantidade de carro. É uma questão até de geometria. 

Então a igualdade não é mais um ideal que se possa vislumbrar? Essa concepção que coloca a perspectiva da igualdade deve ser abandonada?

É preciso ter igualdade na educação e na saúde. Ninguém deve ter uma educação melhor do que outro. Ninguém deveria ser impedido de ter pleno desenvolvimento intelectual por falta de dinheiro. Isso também se pode afirmar com relação à saúde. Ninguém deveria morrer por falta de dinheiro. Fora disso, vamos ter que tolerar alguma desigualdade. Mas uma desigualdade definida pela ecologia. Precisará haver um piso social. Ninguém abaixo de certas condições. Precisa ter comida, a possibilidade de pagar um ônibus…  E também um teto ecológico. Ninguém deve ficar acima de determinado parâmetro. Mas não pela renda.  A renda pode ser infinita. Não pode é comprar a Amazônia e sair tocando fogo ou fazer um turismo para matar elefante. Entre um teto ecológico e um piso social, a desigualdade é tolerável. E não há constrangimento ético entre uma pessoa ter um carro e outra não ter nenhum, desde que todos possam pagar o transporte público de qualidade. O ideal mesmo seria até que ninguém precisasse de carro. E esse tempo está chegando. Em algumas décadas o transporte será como essas bicicletas que estão disponíveis em algumas cidades, onde o usuário pega, usa e deixa em outro ponto.

No Brasil, há um momento grave, após estabilização da moeda e algum crescimento. Mas há dois anos temos recessão, queda de renda e crise. Há perspectiva, saída?

Claro. Não tenho uma data, mas o Brasil vai sair da crise. Vamos sair da crise. O problema é quanto tempo levaremos. Para sair da crise, precisamos superar problemas políticos muito difíceis.  A política é feita por corporações.  Cada um de nós, hoje no Senado, representamos corporações. Mas o Brasil não é a soma das corporações. Para atender a todas as corporações, o país precisaria ter um PIB muito maior do que tem. O grande desafio é ter um Congresso que não seja vinculado a corporações. Mesmo aqueles que defendem a Educação, estão vinculados aos professores. Precisamos é de um Congresso vinculados à Educação. Agora mesmo nesta discussão da Previdência. Temos parlamentares vinculados aos aposentados. Mas devemos ter senadores preocupados com as aposentadorias, com a Previdência, que para sobreviver, vai precisar de uma reforma. Então, precisamos de políticos com lucidez e responsabilidade pública. E não com seu grupo. Vou dizer algo que pode parecer errado: Nem mesmo o com seus eleitores. Até mesmo porque quem tem menos de 16 anos não vota. E o político tem que representar também as crianças. Elas não votam.  Mas superado isso, encontra-se o caminho para tudo, para a política e para a economia.

É possível superar?

Vai superar. As catástrofes ensinam. Têm uma espécie de pedagogia. Na hora em que faltou água em São Paulo, as pessoas começaram a poupar. Como não há Educação, voltaram a consumir muito. Houve a pedagogia da catástrofe. Se não fizermos a reforma da previdência agora, daqui a dez anos, quando, por falta de recursos, os aposentados não receberam suas aposentadorias, ela será feita. Mas com um custo muito alto. Então, vamos sair desta crise. Não sei marcar a data, mas vamos sair.

Esse Congresso aprova a reforma da Previdência que foi enviada pelo Governo Federal?

Acho que sim. Esse Congresso no que se refere à reforma da Previdência e ao teto de gastos vai dar conta. Mas não basta isso, precisa de muito mais. Para fazer a reforma da Educação, precisa tomar medidas que, no primeiro momento. não tem a simpatia de muitos. Não sei se dará a resposta necessária.

Na Educação, foram divulgados os novos resultados do teste internacional, e os estudantes brasileiros regrediram em ciências e matemáticas…

O Brasil piorou de um ano em relação ao outro. Mas o que é mais grave, alguns países que estavam atrás do Brasil, agora estão na frente.

Trata-se de um desempenho muito preocupantes na Educação?

Não só preocupante. Isso é situação de uma nação suicida, sobretudo porque daqui para frente o mais importante em um país será a capacidade de criar, de inventar, de ser produtivo. Tudo isso passa pela Educação. Estamos ficando para trás em relação ao resto do mundo. E não é só por causa de dinheiro. Precisamos gastar quase duas vezes mais do que gastamos hoje. Mas o que gastamos, atualmente, daria para fazer muito melhor do que fazemos.

Qual seria o rumo necessário para o país dar uma virada na Educação?

O Brasil sabe o que precisa fazer. É necessário ter professor muito, muito bem preparado, selecionados entre os melhores do país. E bem remunerados. Com isso, poderíamos exigir deles dedicação exclusiva e avaliação frequente. Essa é a primeira coisa. Hoje só 2% dos alunos no ensino médio desejam ser professores. Em geral, estão entre os piores da turma. Mas precisamos dos melhores, dedicados, bem remunerados e avaliados. Além disso, tudo só vai dar certo em prédios bonitos, confortáveis, onde os alunos gostem de ficar e o professor se sintam bem. Os equipamentos devem ser modernos, com tecnologia e informática. Para fazer isso, precisa gastar de R$ 10 mil a R$ 15 mil por aluno. Hoje gasta R$ 6,5 mil. Para ser assim, em todo o país, é preciso que os recursos saiam do governo federal. Por isso, defendo a federalização da Educação. O Governo Federal precisa adotar as escolas das cidades. Podemos fazer isso com 100 cidades a cada ano. Em 20 ou 30 anos faríamos a revolução que você perguntou se é possível.

Mas a PEC do Teto de Gastos permite isso?

Claro. A PEC do Teto é para os gastos totais. Nada impede que tire dinheiro de um lugar para outro. Basta tirar dinheiro dos subsídios das indústrias, dos desperdícios e destinar à Educação. Pode também acabar com os vazamentos que acontecem na própria Educação. Tem desperdício de dinheiro. A PEC do Teto não impede. Por outro lado, eu falei, isso levaria 30 anos para fazer no Brasil inteiro.  Mas tem que começar. Não é falta de dinheiro, mas de professor. A PEC do Teto não será impedimento. E se fosse, adiaríamos. Não pode é fazer algo com dinheiro falso da inflação.

Nesta semana, tivemos este problema do presidente do Senado, Renan Calheiros com o STF. Isso é uma deterioração  institucional do país?

É prova da deterioração institucional do país que já vem de alguns anos. A verdade é que há uma promiscuidade entre os poderes. Os juízes frequentam os mesmos coquetéis dos políticos. Isso não é bom. Eu evito estes lugares. Em geral, mantenho uma separação. Temos uma promiscuidade. O Congresso não faz o dever de casa e há interferência. Uma prova foi a decisão da semana passada sobre aborto. O Congresso já deveria ter debatido e tomado uma posição. Não toma, a Justiça toma. Há uma crise institucional muito forte, porque os poderes não estão cada um no seu lugar, nem trabalhando como deveriam, sobretudo o Congresso que vai muito devagar. Essas decisões do ministro Marco Aurélio e do plenário do Supremo foram dentro deste contexto. Se tivéssemos tomado posições claras sobre o comportamento dos nossos senadores, não seriam necessárias. Por outro lado, se o ministro Marco Aurélio tivesse pensado mais um pouco, perceberia que bastava passar mais dez dias e o problema estaria resolvido, porque Renan Calheiros não será mais presidente do Senado. O mandato dele termina no dia primeiro de fevereiro, mas bem antes disso vai  iniciar o recesso. Mesmo assim, ele decidiu [afastar Renan], o Senado não poderia ter tomado a opção de não cumprir. Deveria ter cumprido e apelado. Poderia até voltar, com a decisão que foi tomada depois pelo plenário do STF.

Apesar disso, o Congresso tem perspectiva de discutir as saídas que o Brasil precisa?

Sim. Veja que aprovamos [em primeiro turno] a PEC do Teto dos Gastos. Falta apenas a votação em segundo turno. Pode ser votada na próxima semana. Há possibilidade de suspender o recesso. Eu, particularmente, defendo. Não é hora de ter recesso. Neste momento deveríamos ficar todos aqui, em Brasília.

Há muitos debates sobre as possibilidades até 2018. O senhor considera que deve ser discutida uma emenda constitucional para convocar eleição no próximo ano ou é melhor assegurar o respaldo ao governo atual para a conclusão do mandato?

Defendi novas eleições para substituir Dilma e Temer, mas isso há três ou dois anos, no máximo um ano e meio. A substituição de Michel Temer agora, de acordo com a Constituição, teria que ser por um presidente eleito pela Câmara. Isso não seria bom. Se for convocar eleição direta, teria que romper com a Constituição. Precisaria de um acordo com todos. Demoraria. Quem assumisse, o mandato seria de um ano. O país não aguentaria um presidente interino com um mandato tão curto. Temos que centrar esforços ao redor de Michel Temer e fazer com que ele seja nosso centro. Eu tentei com Dilma. Defendi um governo de coalizão nacional.

Lembro que o senhor fez vários pronunciamento insistindo para ela convocar as lideranças dos partidos, das bancadas, os parlamentares….

Que bom, porque pouca gente lembra dos pronunciamentos. Mas  fiz diversos.

Chegou a ir ao Planalto com essa proposta?

Fomos ao Planalto com mais cinco senadores. Marcamos um encontro dela com quinze senadores. Ela aceitou. Tentamos organizar, mas morreu [a iniciativa]. Creio que ela falou com algum assessor que disse: “Não vamos fazer isso não, a senhora está muito forte, não precisa discutir nada com esse povo”. Então morreu [a tentativa do diálogo]. Ela poderia ter feito isso, um governo de coalizão. Era mais difícil convencer a oposição, porque seria de quatro anos. Agora faltam apenas dois. Com esse tempo que resta de mandato, fazer uma eleição não seria bom para o Brasil. Melhor centrarmos esforços, fazermos um governo de coalizão e chegarmos bem a 2018.

Há algumas pessoas impacientes com os resultados da economia, consideram que deveriam haver as primeiras reações, os resultados precisariam ser mais expressivas. Como o senhor vê esse aspecto?

O povo está impaciente. Esse é o nosso desafio. O povo pode passar por cima do Congresso. A situação é difícil.

Quais as perspectivas do senhor para 2018?

Na crise que está aí só um louco tem perspectiva pessoal. É preciso servir ao país neste momento e esperar. Na situação em que estamos, faltam dois século para 18.

Entre os nomes que estão postos, algum com capacidade de liderar?

Hoje estamos com carência. Muita carência de liderança. Não me atrevo a citar nome nenhum.

No que diz respeito a projeto? Considera que deve ser mais liberal na economia ou com mais intervenção, presença estatal?

Eu tenho posição muito clara há algum tempo. A esquerda não tem que ideologizar a economia. A economia não tem que ser justa. A economia tem que ser eficiente. Com a economia eficiente, vamos ter dinheiro. Então, entra a esquerda para defender a Educação, por exemplo. Tem que lutar para a economia ser eficiente e disputar para o que fazer com o dinheiro da eficiência. Quando encher o cofre do Brasil, a gente pode investir em escolas.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas