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‘Há uma tecnologia brutal vindo para cima do ser humano’, diz Fernanda Montenegro

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Adriana Del Ré
AE

Quando a reportagem chega ao apartamento de Fernanda Montenegro, no Rio, a atriz está no 2º andar. E aparece, radiante, no alto da escada. A camisa vermelha contrasta com os cabelos brancos, marca de sua personagem na novela das 9, O Outro Lado do Paraíso, na Globo: a mística Mercedes, que mantém conexão com a espiritualidade. Com a bela vista da Lagoa ao fundo, Fernanda comenta que passa ali, no escritório, a maior parte do tempo quando está em casa – ela grava, em média, de duas a três vezes por semana no Projac. Sobre a escrivaninha, mostra esboços de seu livro de memórias, com entrevistas que está dando à jornalista Marta Góes, a ser lançado este ano, pela Companhia das Letras. Aponta também para uma pilha de imagens que está selecionando para outro livro, de fotos e documentos de sua trajetória, projeto para o Sesc que deve sair este ano também. Por coincidência, os dois serão publicados às vésperas de seus 90 anos, que ela completa em 2019. Leia entrevista abaixo:

Em O Outro Lado do Paraíso, Mercedes parece ser a única personagem pura, bondosa…
Ela é uma personagem de folhetim. Acho que tanto o Josafá (Lima Duarte) quanto a Mercedes são dois personagens que só podem existir desse jeito dentro de um folhetinão. E um dos grandes acordos que tenho com a história de O Outro Lado do Paraíso é justamente aceitar o absurdo do melodrama. E acho também que, como estamos vivendo uma época muito difícil, todos nós gostaríamos, sim, de um dia sair de dentro de um caixão que está no fundo do oceano. Então, essa viagem na fantasia da sobrevivência, acho que nossa novela tem isso muito vivo.

Você contracena com antigos amigos, como Lima, Laura Cardoso e Juca de Oliveira. Como é encontrá-los em cena?
Acho que somos uma geração em extinção. O mundo mudou, a estrutura cultural teatral no País mudou, o meio de comunicação amplo é a TV, com a internet atualmente também.

Sobre essa mudança no teatro, é possível qualificá-la?
Se você começar a avaliar se é bom, se é mau, a gente fica numa gangorra. A realidade é essa: há uma ciência e tecnologia brutal vindo para cima do ser humano, e o mundo vai ter que aprender a viver nessa modalidade. Tudo hoje em dia que você fala tem uma avaliação radical para cá ou para lá. Todo mundo, de repente, sabe que pode opinar. Por enquanto, não tem nada regendo isso: deixa vir, deixa se expressar.

Com Mercedes e Josafá, a novela fala do amor maduro, que não é dos jovenzinhos…
Da cama… Isso é engraçado, meus avós vieram da Sardenha (Itália), e sempre se falou em casa que, na velhice – pelo menos no tempo dos meus avós lá -, os velhos se casavam para se esquentar no inverno. Isso, para mim, não é uma história de folhetim. Sempre em casa se falou de como os velhos se juntavam, porque se amparavam. Porque é o seguinte: pode não ter sexo, mas tem eros. E sem eros ninguém vive. Pode até nem ter sexo, mas o erotismo existe. É observação de vida.

Estávamos falando do personagem gay que Eriberto Leão interpreta, e como isso tem esquentado a novela. E não tenho como não fazer uma relação com o casal que você fez com Nathalia Timberg, em Babilônia, e o beijo que vocês deram e que chocou.
Foi um beijo suave, de amor, sem erotismos, nem sexualidade, mas tenho impressão que hoje não causaria nenhum escândalo. Três anos depois, se eu e Nathalia nos beijássemos numa novela – não com tanta pureza, até poderia ter mais avanços -, não sei se teria aquela grita toda.

Acha que andamos para frente em algumas questões?
As coisas caminharam bastante. Geralmente, nas novelas passadas, quando tinha um amor que não fosse hétero, sempre ia devagar, mas, até chegar, é no final da novela. Mesmo a novela do Walcyr (Carrasco, ‘Amor à Vida’), o (Mateus) Solano só beijou no último capítulo. Mas eram namoros que começavam dentro da novela. No caso da Babilônia, era um amor que já vinha de 40 para 50 anos, de vida em comum. Hoje não causaria isso.

No ano passado, sua filha, Fernanda Torres, lançou o livro dela (A Glória e Seu Cortejo de Horrores), com sua participação, no Teatro Oficina. O que significa aquele espaço?
Na sequência de tanta desvalorização cultural que estamos sentindo ao longo dos últimos anos, o Oficina é o símbolo da resistência cultural deste País. Nem quero restringir só ao problema teatral. E acho que o Zé Celso é a mola corajosa, vital e centro dessa resistência. Vai além daquele espaço no Bexiga.

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