Porto Príncipe – Milhares de haitianos madrugaram para comemorar a vitória de René Préval, proclamado presidente eleito, com 51,15% dos votos, depois de oito dias de protestos nas ruas e denúncias de fraudes nas eleições do dia 7. Uma resolução do Conselho Eleitoral Provisório (CEP), com data de 15 de fevereiro, anunciou pela televisão, por volta das 2 horas da madrugada, que Préval ultrapassou a maioria absoluta – metade mais um – depois de contados os votos em branco, que foram distribuídos, proporcionalmente, entre os 33 candidatos. Ao meio-dia, uma multidão dançava e cantava diante do Palácio Presidencial, no Campo de Marte, sob os olhos vigilantes, mas agora tranqüilos, dos soldados da Força de Paz das Nações Unidas.
O esforço para contornar a crise provocada pela contestação dos resultados da eleição, que até a véspera davam 48,76% a Préval e 11,83% ao segundo colocado, Lesly François Manigat, exigiu horas de ginástica diplomática e jurídica em Porto Príncipe, até se chegar a uma saída legal. O quinteto formado pelos embaixadores do Brasil, Canadá, Chile, Estados Unidos e França – o grupo dos países amigos – partiu em busca de uma interpretação digerível do decreto eleitoral que determinou as regras para a escolha do presidente da República, depois de tentar, em vão, que Manigat renunciasse à candidatura e, portanto, renunciasse ao segundo turno. Quem achou a saída foi o embaixador canadense, que foi buscar na Constituição da Bélgica um paralelo capaz de derrubar o impasse criado no Haiti, quando Préval se declarou vencedor, denunciando “fraudes maciças ou erros grosseiros” nas urnas.
Sugeriu-se que, se o decreto eleitoral previa a contagem dos votos em branco sem determinar o que fazer com eles, o CEP poderia distribuí-los entre os candidatos. Aceita a sugestão, Préval pulou dos 48,76% de um placar paralisado desde o meio-dia de segunda-feira para os 51,15% que lhe garantem a vitória. Manigat, de 75 anos, ex-presidente como Préval, embora por pouco mais de um ano, reagiu à manobra jurídica e exigiu que, conforme prevê a lei, se faça o segundo turno. “Não podemos aceitar essa decisão, mas como democratas seremos fiéis à nossa dignidade e à dignidade republicana”, declarou o candidato da União dos Democratas Nacional-Progressistas. Ele e qualquer outro dos competidores têm 72 horas de prazo para recorrer da resolução, mas sem chance de êxito: quem vai julgar o recurso são os mesmos conselheiros do CEP, que proclamou a vitória de Préval por 8 votos a 1. A comitiva diplomática que foi procurar Manigat para lhe sugerir que reconhecesse a vitória de Préval e desistisse do segundo turno encontrou-o inflexível.
Vestido de branco, sentado numa poltrona de sua sala, ele recebeu os embaixadores com respeito e cortesia, mas não discutiu a proposta. Anunciada a decisão do CEP, o embaixador do Brasil em Porto Príncipe, Paulo Cordeiro de Andrade Pinto foi cumprimentar Préval em sua residência.